COMO OS PEIXES USAM UM SENTIDO QUE NÓS NÃO TEMOS: A LINHA LATERAL - CAP I

Temos uma tendência nata para querer “humanizar” os outros seres, compará-los e equipará-los a nós, colocar-lhes rótulos de qualidades e defeitos apenas inerentes à condição humana.
Garantimos que eles ouvem como nós, veem como nós, etc. Achamo-nos claramente superiores pelo simples facto de sermos pessoas.
E, todavia, a natureza mostra-nos a cada passo o quanto somos limitados, o quanto em termos físicos perdemos para seres julgados....”menores”.
Vamos hoje iniciar um trabalho dedicado a um “sexto” sentido que nós não temos mas que faz parte do armamento de série de um vulgar peixe: a linha lateral.
Devemos ler este texto técnico com uma dose de humildade suficiente para admitirmos que estamos longe de ser assim tão bons.
Somos o que somos...


Os nossos olhos, na nossa opinião mais que perfeitos, são 4 a 8 vezes inferiores aos de uma ave de rapina. Aparentemente não necessitamos de mais, mas a maior quantidade de cones na retina permite a uma águia um zoom óptico, uma maior sensibilidade à cor e luz, e inclusive ter percepção de ultravioletas. Podem perceber detalhes ínfimos a uma distância muito superior.
Perdemos para um pássaro...
Os nossos ouvidos têm posicionamento simétrico, e por isso o som chega ao mesmo tempo a ambos. Isso invalida a possibilidade de conseguirmos a mesma precisão na localização de sons que tem uma coruja.
Elas, de audição assimétrica, conseguem calcular a exacta posição e distância de uma presa apenas pelo som. A sua capacidade sensorial é cerca de 50 vezes mais elevada que a nossa e isso permite-lhes caçar no escuro da noite com uma absoluta certeza.
Nós temos uma tendência nata para usar os olhos e não os ouvidos....preferimos ver.
O nosso olfacto é o que é.... e muito pobre se comparado com um vulgar cachorro ou um peixe. É verdade que actuamos em ambiente aéreo, e os peixes fazem-no em meio líquido.
Mas se nós apenas somos sensíveis a cheiros com algum grau de intensidade, já os peixes dependem do seu olfacto para detectar substâncias químicas na água, para encontrar parceiros, alimento, detectar predadores, etc.
Perdemos muito para eles, desde logo porque para um peixe as narinas não lhes servem para respirar, apenas para cheirar. Não é o nosso caso.
Em termos de números, o olfato permite a alguns peixes distinguir moléculas odoríferas na concentração de 1ppb, ou seja, 1 molécula num bilião de moléculas. Impressionante!

Também aqui a linha é bem visível, do opérculo à cauda.

Vamos directos ao assunto.
Os peixes têm os mesmos sentidos que nós, visão, audição, paladar, olfacto e tato. Mas têm um outro sentido adicional, o sexto sentido, a linha lateral.
Vamos ver nesta sequência de artigos que este superpoder é muito importante para os peixes e um problema grande, mas mesmo muito grande, para nós pescadores.
Mas ao mesmo tempo uma delícia de desafio cognitivo, sobretudo para aqueles que tentam entender em profundidade os seus comportamentos, primeiro passo para os pescarmos.
O sensível sistema de linha lateral é responsável pela detecção de movimentos e mudanças no fluxo de água em redor do peixe.
Já seria interessante poder encontrar presas ou perceber predadores com ele, mas faz muito mais que isso: também permite por exemplo que os peixes detectem mudanças nos valores de corrente e assim escolham onde lhes é mais conveniente nadar.
Vantagem dos peixes. Nós podemos entender de que lado sopra o vento, por contacto se algo está quente, etc, sentimo-lo na pele, mas somos principiantes, perfeitos amadores, ao lado de um peixe.
Eles vão muito mais longe que os humanos em termos de sensibilidade.

Reparem na linha lateral perfeitamente marcada a escuro, da mancha negra à cauda, nesta dourada. Foi feita com um jig de 40 gramas da Little Jack.

A linha lateral faz também isto: indica-lhes se algo está errado na situação que está à sua frente.
A forma como um predador percebe a presença de um pequeno peixe usando o seu sistema de linha lateral provavelmente determinará se ele realmente o irá atacar.
Todos nós já lançámos amostras a peixes que as rejeitam sistematicamente. Eles veem as amostras passar mas recusam-nas.
Isso leva-nos ao desespero! Estamos a apresentar a amostra da mesma forma de sempre, (a amostra com que já pescámos imensos peixes), porém, naquele momento...nada acontece.
Pode até ocorrer que o robalo persiga a amostra mesmo até junto do barco, que a tenha à sua mercê, e todavia não lhe toque e siga o seu caminho.
É muito provável que, em ambos os casos, o peixe tenha ignorado a oferta porque as ondas de pressão que detectou vindas da isca/ amostra, usando sua linha lateral, o alertaram para o facto de que a presa não ser o que lhe parecia inicialmente.
É a linha lateral que permite aos peixes sentir que qualquer coisa não está bem, não é normal.
E isto é um problema para nós que os pescamos.


Se algo não está em conformidade com aquilo que é o registo da sua comida habitual, logo o “click” da passagem do estado de repouso para o estado de agressividade não acontece.
Esta é porventura a razão mais provável para a recusa de iscas ou amostras. É muito mais isso que a capacidade cognitiva dos peixes de aprender a evitar iscas apenas pela visão.
Até porque em águas demasiado tapadas, o sentido da visão reduz a sua importância relativamente ao gosto, olfacto, e tacto.
Para entender como a linha lateral dos peixes funciona, é importante entender a sua estrutura e como as ondas de pressão da água estimulam a existência de uma resposta física.
É isso que vamos ver no próximo número do blog.


Vítor Ganchinho


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