OS GOLFINHOS... NOSSOS AMIGOS?

Diz a sabedoria popular que mais vale cair em graça que ser engraçado.
Dificilmente haverá alguém que se atreva a levantar um dedo contra estes simpáticos seres que dão pelo nome de golfinhos, os quais gozam de uma incrível popularidade e de uma reforçada dose de....”boa imprensa”.
Que ninguém tenha dúvidas de que as tartarugas e os golfinhos são sempre as estrelas da companhia, façam o que fizerem de mal.
Na nossa costa, e em especial na zona onde costumo sair para o mar, Setúbal, temos duas espécies que são muito comuns: o golfinho roaz, Tursiops truncatus, e o boto, Delphinus delphis.
Já aqui vos escrevi algumas vezes sobre estes meus companheiros de mar e desta vez trago-vos um filme feito há poucos dias, numa situação em que tive oportunidade de assistir, a poucos metros de distância, a um verdadeiro massacre de pequenos peixes, na circunstância de cavalas miúdas.
Tivessem “má imprensa” e o caso mudaria de figura... mas quem se incomoda e defende as comuns e insípidas cavalas?...

Quando a hora é de comer, todos reclamam a sua parte.

Encontrei os grandes roazes do Sado, (4.10 mts para 650 kgs de comprimento e peso limite) num local menos expectável: bem ao largo, na conhecida Pedra do “Garçone”, a muitas milhas da costa.
Trata-se de uma pedra que grosso modo vai dos 315 metros aos 500 metros de fundo, sendo uma laje extensa, comprida e larga, e onde vou pontualmente fazer algum peixe para casa.
Procuro ali os cantaris, os gorazes e um ou outro cherne, peixinhos para a grelha.
Pois os roazes, donos de uma apneia larga, a poder atingir os 12 minutos, podem ir lá abaixo!
Que poderiam estar ali a fazer?
Estão registados a 535 metros máximos, o que os autoriza a procurar alimento a esse disparate de profundidade.
Mas, tanto quanto consegui perceber pela sua movimentação posterior, não era isso que iriam fazer....
O grupo esteve quase parado, a saborear os raios de sol da manhã, malandrando, até que de repente começaram a mostrar-se agitados, inquietos. A razão prendia-se com o motivo que os levava ali.
Um enorme cardume de atuns trabalhou uma bola de milhares de cavalas até à superfície e aí havia centenas de peixes a saltar fora de água.
A dada altura os atuns preparavam-se para dar a estocada final. Quando os pequenos peixes já não podem fugir mais, quando a superfície os limita na sua fuga para cima, a esperança para eles é a de sempre: estar no meio do cardume compacto e garantir assim uma relativa protecção. São sempre os peixes de fora os que levam a primeira pancada.
Foi nesse momento que os golfinhos se juntaram à festa e aproveitaram para encher o estômago de cavala viva. É um espectáculo dantesco, rude, agressivo, de uma violência inaudita.

Elevar centenas de quilos acima da linha de água é obra!

Os simpáticos bichinhos que podemos admirar nos oceanários, esses mesmos que fazem truques e recebem aplausos, eram ali protagonistas de um macabro espectáculo de morte.
As aves marinhas sabem que aquele momento é uma oportunidade a não perder e marcam presença.
Quem assiste de fora, como eu, fica entre o silêncio dos golfinhos, concentrados na tarefa de encher a boca de peixe, entrecortado pela abertura do espiráculo e do consequente sôpro de água, e a gritaria insuportável das gaivotas, dos cagarros, dos gansos patolas.
Todos aproveitam, todos comem, e se alguém perde são as cavalas.
O número de pequenos peixes reduz a olhos vistos à conta da quantidade de dentes e bicos que se fecham sobre elas. Por baixo, a alguns metros da superfície, os atuns reclamam a sua parte, a de quem fez o trabalho de subir o cardume, os golfinhos fazem-se convidados, e os pássaros beliscam os restos, os peixes trucidados, as metades, aquilo que fica da passagem dos grandes senhores do mar.

As “toninhas”, antigamente vendidas ao quilo no mercado de Setúbal...

Serão os golfinhos comuns mais piedosos? Nem tanto.
Trata-se apenas de cumprir um desígnio de vida, de deixar a natureza seguir o seu rumo. Todos necessitam da sua ração diária, todos matam para comer.
Mais pequenos e mais móveis, mais elásticos, estes simpáticos golfinhos (2.70 mts para 235 kgs máximos), são um verdadeiro pesadelo para o peixe miúdo.
Esta espécie, um bem sucedido mamífero, abundante nas nossas águas, faz-se valer da sua apneia de 8 minutos (!) para ir a fundos, medidos até hoje, de 260 mts.
Descem facilmente aos lugares onde nós pescamos, o que os torna um concorrente directo pelos nossos peixes.
Noto-lhes uma tendência natural para seguirem um trajecto de rotina diária, uma linha que seguem como que sabendo onde passar a cada momento.
Não tenham dúvidas de que eles sabem bem onde há peixe!
Quase podemos adivinhar as linhas de migração dos cardumes porque eles seguem-nas com precisão de régua e esquadro.

Seguem habitualmente o meu barco e chegam a desviar a sua rota para o fazer. Acho que me conhecem...

É minha opinião de que, façam o que fizerem, os golfinhos serão sempre desculpados.
Ou não fizessem parte do imaginário de todas as crianças, ou das que já foram crianças e continuam a sonhar com parcerias como as do famoso golfinho dos filmes....o "Flipper".
Pois sim.
Mas a verdade é que estes grupos de mamíferos comem centenas de quilos de peixe e cefalópodes por dia.
Fosse isso feito por uma tintureira ou um tubarão mako e já seria uma vilanagem....

Ei-los que aí vêm! Eles e a sua “entourage”, a passarada do mar, sempre interessada no resultado das suas caçadas.

Vejam este vídeo, onde é perfeitamente visível que fazem surf nas ondas do barco.
Divertem-se imenso a fazer isso. Este é um comportamento que nada tem a ver com caça, com alimentação, ou qualquer outra coisa que não seja diversão pura.

Clique na imagem para visualizar a na rodinha das definições para melhorar a qualidade.


O espelho de água não permite ver, mas havia milhares de cavalas aqui, junto ao barco, e os golfinhos estavam com apetite.

As orcas matam e comem estes bichinhos. Somos, só por isso, contra as orcas.
Somos contra tudo o que faça mal aos golfinhos.
Tomamos partido de forma imediata por estes mamíferos e isso tem a ver com a tal coisa da “boa imprensa”, o cair em graça em vez de ser engraçado.
Todavia, não convém esquecer que as cavalas e carapaus que comem todos os dias também são filhas de Cristo e também merecem viver...


Vítor Ganchinho


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