O passado bate em nós com a importância de um segundo coração: ensina-nos a fazer.
Quantas vezes temos a resolução de um problema na ponta dos dedos, sem ser preciso pensar muito?
A quantidade de vezes que passamos pelos problemas serve-nos de treino, de guia, e, porque memorizamos soluções, acaba por nos ajudar a encontrar a melhor forma de agir.
Acho que há quem chame a isso...experiência de pesca.
Quando chegamos ao nosso local de pesca, e porque as condições de mar são sempre diferentes, somos obrigados a fazer escolhas.
A estratégia de abordagem, a técnica, os equipamentos, tudo isso é objecto de escolha.
Também as amostras/ jigs, são escolhidos em função da hora do dia, da cor da água, da ondulação, da maré, da temperatura ambiente, em suma: das condições de mar.
Um dos maiores problemas que se colocam ao pescador menos experiente é a escolha da cor das amostras.
E há razões para isso, a luminosidade do dia impacta sobremaneira na cor mais eficaz....e não é sempre igual.
Podem os peixes na sua globalidade, dentro da mesma espécie, ver a mesma cor? Serão eles fisiologicamente equiparados em termos de visão? E entre espécies diferentes, há diferenças?
Venham daí para mais uma fascinante aventura pelo nosso incrível mundo submerso. Hoje vamos tratar de cores, olhos, e ....escolhas.
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| A estrutura celular da retina. À direita, um cone entre dois grupos de bastonetes. |
A dada altura, pode ser limitativo confiar apenas na experiência, seguir apenas um instinto que nos diz “esta amostra” e não qualquer outra.
Até porque isso tem grandes possibilidades de erro, podemos estar equivocados e a partir daí e porque insistimos no erro, a pescaria resulta num redondo desaire.
Queremos e precisamos sempre de saber mais.
Chegados a esse ponto de reflexão, quando já não nos basta o saber empírico e queremos ir mais longe, há trabalho a fazer.
Para saber mais há que estudar a fundo as características físicas dos peixes que queremos pescar.
É o que vamos fazer já de seguida.
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| Este olho tem capacidades que a nós são perfeitamente insuspeitas. |
Para que possa ver a cores, um peixe necessita de ter pelo menos dois tipos de cones celulares na sua retina, (cones e bastonetes).
Algumas espécies de peixes não os têm e por isso veem tudo em tons gradativos de cinzento. Leia-se um espectro de cores que vai do branco ao preto.
Podem determinar o brilho dos objectos, mas não a sua cor, mas não será isso que os impede de fazer a sua vida.
Por contra, outros peixes e sobretudo aqueles que vivem em águas superficiais, detêm quatro tipos de cones celulares, o que lhes permite ver todas as cores, inclusive algumas que nos são escondidas a nós humanos, o caso do espectro ultravioleta.
Após testes científicos, chegou-se à conclusão que embora muitas das espécies possam discriminar diferenças entre tonalidades, ou seja, entre nuances de uma só cor, essa habilidade não tem efeito sobre o que eles decidem quanto à sua selecção de alimento.
Ora isto é uma perfeita decepção para todos aqueles que acreditam a pés juntos que a amostra de cor tal é a única que funciona sempre bem!
Para o pessoal dos chocos, isto deve ser decepcionante, admito....mas a verdade é que as margens de tolerância, no caso das cores, mandam às urtigas todos os dogmas que possam ter sido criados.
Infelizmente, não há uma tabela que explique a capacidade de visualização de cores de cada espécie de peixe. Com isso em mente, é melhor fazermos seleções de cores com base no contraste de cores em vez das cores reais.
Por exemplo, escolhendo uma amostra com duas cores diferentes, contrastantes, independentemente de cada uma das cores.
Imaginem que o quadro de cores que veem abaixo, pode ser indiferente a um peixe....
Acima está um exemplo de como alguns peixes podem ver uma amostra azul e vermelha – reparem que o contraste de cores existe em todas as três visualizações, mas existem espécies que veem o azul e vermelho como preto e vermelho, e outras, as tais de que falámos acima com apenas um tipo de cones celulares, apenas a percebem a preto e cinzento.
Ou seja, a amostra “tal” não ganha aos pontos a outra só porque tem a cor X em vez da cor Y.
Ser vermelho rosado ou vermelho vivo é absolutamente indiferente, não influencia em nada a disposição do peixe em atacar a isca.
Ganha sim a forma de a trabalhar, o registo de “impressão digital" das suas ondas de pressão. Para quem não sabe o que é isto, aconselho ler os números anteriores do blog onde isso foi tratado.
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| Há bichinhos que vivem em permanente luta e sobressalto com as condições de luz, o caso das lulas. |
Bem sei que isto vos parece estranho. Imagino que para muita gente nada disto faça sentido.
Porém, se souberem um pouco mais sobre filtrações de luz na água, ...ou sobre a forma como as cores “desaparecem” à medida que a profundidade aumenta, talvez lhes seja mais fácil entender o fenómeno.
Embora já exista suficiente informação aqui no blog sobre isso, posso repetir aqui alguns dos princípios base:
A água do mar filtra a luz solar.
Ao penetrar na superfície do oceano, a luz do sol é rapidamente absorvida e dispersa.
A cor em si não é mais que a forma como a luz reflecte nos objectos que vemos, é um comprimento de onda.
Certas cores não podem ser vistas abaixo de certas profundidades porque a luz é fragmentada ao atingir a água e certos comprimentos de onda (cores) são filtrados.
Ora se à medida que a profundidade aumenta a luz se perde, se desvanece, é natural que algumas cores deixem de ser reflectidas antes de outras. Por norma o vermelho deixa de ser visível a partir dos 10 metros de profundidade, mas até pode acontecer antes disso, se as águas forem muito tapadas, com sedimentos. Quanto menos luz menos reflexão de cores, e por isso estamos sempre dependentes do grau de limpidez das águas.
A água do mar absorve especialmente bem as cores vermelhas, laranjas e amarelas, (o que explica a razão pela qual os oceanos têm um tom azul): a cor azul é menos absorvida, e a partir daí entramos apenas no campo dos ultra violetas.
Repito: a severidade do filtro de cores depende da clareza da água, ou seja da quantidade de sedimentos que se encontram em suspensão, das condições do vento, da hora do dia, (o grau de inclinação do sol em relação ao mar) entre outros detalhes.
Água suja, ventos fortes, águas muito profundas e a ausência de sol, ou seja a noite, significam sempre menos luz e menos cores.
Este gráfico mais não é que a confirmação de que algumas cores desaparecem poucos metros abaixo da superfície.
Pode acontecer que uma água esteja tão carregada de sedimentos que a capacidade da luz penetrar seja quase nula.
Por isso, imaginem que a 3 metros, o vermelho pode já estar quase imperceptível, seguindo-se o laranja e o amarelo logo a seguir.
Ao fim de mais alguns metros, o amarelo já nos parece azul esverdeado e as únicas cores ainda visíveis são azul, índigo e violeta.
Ao passarmos os 100 metros, o azul e o índigo já são difíceis de ver e o violeta está quase a desaparecer. A algumas centenas de metros, o ultravioleta é a única cor restante e essa, de qualquer forma, não é visível ao olho humano. As cores néon, no entanto, não desaparecem quando as cores do espectro desaparecem. Isso ocorre porque elas são luminescentes, ou seja, brilham quando atingidas na obscuridade pela luz ultravioleta.
Vamos ficar por aqui hoje, continuamos no próximo número do blog.
Vítor Ganchinho
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