Os predadores caçam todos os dias, se puderem.
Isso faz parte da sua vida desde que nascem, o seu instinto nato empurra-os para isso desde o seu primeiro dia, e acontece sempre que há um mínimo de condições de mar.
Logo todo o processo de detecção e aproximação a uma presa não pode ser para eles algo demasiado complexo.
Daí até ser algo fácil de entender para nós pescadores, vai uma certa distância...
Existem inúmeros detalhes estratégicos a que um peixe obedece quando caça, muitos mais que aqueles que podemos supor.
E desde logo múltiplos sistemas orgânicos que participam na acção predatória: a visão, a audição, o olfacto, o tacto, e ...a linha lateral, o nosso objecto de estudo desta série.
É todo um processo de utilização conjunta dos sentidos, (nunca individual...) que deve culminar na captura daquilo que é pressuposto ser alimento.
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Para mim, um peixe fantástico, o nosso robalo selvagem. |
O que interessa ao pescador é mesmo só a parte final, aquela em que o predador ataca o seu artificial.
Quando aquilo que está em causa é uma amostra, um artificial, algo que apenas se parece vagamente com uma imitação de um pequeno peixe ferido, ou morto, em queda para o fundo... as coisas complicam-se.
Há uma parte que é nossa, a de fazer com que a nossa amostra lhes pareça, a eles, um peixe vivo.
Essa é a razão que nos leva a pescar, a de sermos capazes de os fazer crer que nada de estranho existe naquele pedaço de plástico ou chumbo pintado, ...com anzóis.
A partir daí, é linha, é cana e carreto, é força no braço e muita vontade de ganhar a luta.
Mas antes disso houve outras fases, uma delas o despoletar da acção, o “click” que transformou um peixe passivo num peixe activo, um peixe a pretender alimentar-se.
Esse é o busílis da questão: como convencê-lo a morder, como provocar a resposta a um estimulo de caça que já é inato a esse predador...mas não surge?
Tudo começa por ter de haver algum factor que faça premir o gatilho, algo que apele ao instinto nato de perseguição e captura e resulte numa resposta agressiva, a mordida na amostra.
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Cada vez mais realistas, os jigs (aqui um da Little Jack em 40 gr) são uma forma segura de provocar ataques. Pesco há anos com eles e resultam na perfeição. |
Sabe-se que em águas limpas, o som e a visão são preponderantes na acção de um predador, mas à medida que a visibilidade encurta, quando existe demasiada suspensão, ou em momentos de rarefacção de luz, em plena noite ou nos dois extremos do dia, a importância da linha lateral aumenta. Menos luz, mais necessidade de utilização do sistema alternativo de “visão”.
Em condições extremas os peixes recorrem a todo o seu armamento topo de gama. Ele é de tal forma sofisticado que lhes permite ver sem ver, tocar sem tocar, inclusive provar a comida sem a comer. A linha lateral dá-lhes isso.
Aparentemente, algumas espécies de predadores conseguem até detectar a corrente do sifão de um molusco quando ele expele água, por exemplo uma ameijoa, (o jacto pode variar entre 6 e 14 centímetros por segundo) e usá-la para se aproximar das suas presas.
Deslocação de água é algo muito sério para todos aqueles que vivem no meio subaquático....porque implica uma razão para que essa água se mova.
Um peixe nadando calmamente na coluna de água gera oscilações com frequências que variam de 1 a 10 Hz, mas quedas bruscas e mudanças bruscas de direção induzem oscilações com frequências até 100 Hz.
A linha lateral caracteriza-se pois por um alto grau de sensibilidade, os neuromastos livres podem responder a correntes de água fracas de até 0,03 milímetros por segundo, e os neuromastos de canal podem detectar alterações na velocidade da corrente de 0,3 a 20 milímetros por segundo.
Nem preciso de vos dizer que a nós pescadores isso é completamente indiferente, não pensamos sequer que os peixes têm, por exemplo, de vencer a força da corrente para chegarem à nossa amostra. E que para prepararem o seu ataque, precisam de ter em conta todas estas variáveis...
Como seria de esperar, a sensibilidade é mais forte a oscilações paralelas à superfície do corpo. Peixes que nadam rapidamente ou que vivem em correntes fortes geralmente têm seus neuromastos de linha lateral um pouco mais escondidos em canais para protegê-los do ruído hidrodinâmico de baixa frequência causado pela natação ativa ou pela retenção em correntes turbulentas.
Quanto mais sabemos sobre os peixes mais maravilhados ficamos de como podem executar os seus movimentos, escapar a predadores, alimentar-se, e, num dia de sorte, atacar a nossa amostra.
Os predadores podem determinar o tamanho, a velocidade, a direção e talvez até mesmo a espécie de um peixe em movimento ativo a partir de seu traço hidrodinâmico.
Essas são as ondas de pressão geradas pelo movimento e claro: corpos finos em formato de torpedo, em flecha, emitem oscilações menos pronunciadas ao moverem-se na água.
Peixes mais redondos, menos hidrodinâmicos, provocam ondas de pressão mais pronunciadas, e por isso são menos discretos, mais facilmente descobertos.
Potenciais presas estarão pois muito mais à vontade a detectar o ataque iminente de um predador se este for maior e menos hidrodinâmico. Para esse predador, a sua deslocação deixa como que uma impressão digital hidrodinâmica ao caçar presas.
Para esses, tudo é mais difícil e por isso apostam tudo em ataques fulminantes a partir de uma emboscada. Caçam menos em perseguição, apostam mais em camuflagem.
Esses, quando percebem o alvo a uma distância próxima, aceleram até a velocidade máxima e, nesse momento, já será tarde demais para a presa escapar.
Como podem eles sentir cair um insecto na água a alguns metros de distância?....
Vamos continuar a espiolhar este tema no próximo número.
Vítor Ganchinho
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