O BLOG RESPONDE - Manutenção de linhas trançadas


Perguntam-me se os fios trançados deverão ter alguns cuidados especiais, nomeadamente a aplicação de algum produto de conservação. 

Também se as linhas com nós perdem resistência. É um tema interessante, e vou dar a minha opinião pessoal.

As linhas produzidas hoje em dia são de excelente qualidade. Ainda assim, é natural que se degradem ao longo do período de utilização, e tanto mais depressa quanto mais mal tratadas forem. 

Basicamente uma linha trançada está concebida para cumprir a sua função, a de servir de elo de ligação entre o pescador e o peixe. E isso fazem bem, não podemos reclamar muito daquilo que existe no mercado. As boas linhas são mais caras, mas o conforto, a segurança, a performance e a diminuição de risco de quebra, fazem delas um excelente investimento. Uma boa linha paga-se por si, em peixe. 

Não há linhas caras, há pessoas que não as podem pagar. Normalmente a procura é feita no sentido contrário, ou seja, aquilo que os pescadores portugueses mais anseiam encontrar são as linhas trançadas baratas. 

Mais do que tudo, baratas. Isso empurra o mercado para a procura de linhas de segunda ou terceira qualidade. Os fabricantes passam a ter duas vias: fabricar para quem pretende qualidade, e pode pagar por isso, e fabricar barato, para quem não pode ou quer pagar algo melhor. 

Quando o objectivo é comprar / vender o mais barato possível, algo terá de ser sacrificado. Já não está em questão suportar o salitre, ter uma passagem suave pelos passadores, ser perfeitamente redonda para evitar desgaste dos passadores, para lançar mais longe, ter uma resistência acrescida para conseguir, com um diâmetro inferior, fazer o mesmo que linha mais grossas. Não, o enfoque é dado ao preço. Quando se caminha nesse sentido, está a colocar-se, quer o fabricante quer o distribuidor de linhas, entre a espada e a parede: ter de encontrar algo barato que não sacrifique demasiado a qualidade a esse preço alvo. Seria  uma missão votada ao fracasso, não fora o facto de se pescar suficientemente mal, a ponto de serem raros os peixes grandes ferrados. Aqueles que podem pôr à prova as nossas linhas são cada vez menos, pelo que a opção por algo de intermédio em termos de qualidade, quase sempre resulta. Com peixe miúdo, a linha de segunda qualidade é sempre boa. Continuamos a encarar como motivo de algum regozijo o facto de termos tido dois peixes que nos partiram as linhas. 

Rimo-nos e ficamos por aí, não mudamos de ideias. Esses peixes, em principio, seriam as estrelas do dia, e perderam-se na maior parte dos casos, por má utilização do equipamento. 

Quantas vezes se reclamam linhas que se desfazem, que quebram, que rompem em acção de pesca, e não se presta a mínima atenção a um dos mais importantes factores de manutenção das linhas : os passadores das canas. 

Que cuidado tem o pescador com os nós? Na maior parte dos casos, nenhum. Sabemos serem um ponto fraco do sistema, efectivamente enfraquecem a linha, mas há nós e… nós. Os fabricantes de linhas aconselham uns e reclamam de outros e não é por acaso. Há gestos que só dependem do pescador. 

Por vezes seria suficiente retirar a linha trançada e virar a ponta que fica no interior para fora, e já poderia pescar em segurança mais alguns meses. 

Vitor Ganchinho com 20 e poucos anos, a pescar saimas em Setúbal. São muitos anos a virar frangos…

Vamos ver os erros mais frequentes: 

1- Uma linha trançada deve ser lavada com água doce corrente, sempre que termina a pesca. Ir pescar implica lavar a linha, sempre. Se tiver tempo, deixe a bobine submersa em água, para garantir que não ficam cristais de sal.
2- É de bom tom verificar os passadores das canas. Uma rebarba, uma falha, uma imperfeição, é o suficiente para estragar uma bobine de linha. 
3- Não utilize produtos químicos. As linhas trançadas por vezes têm revestimentos de silicone, e esses produtos podem adulterar o trabalho do fabricante. 
4- É pressuposto que as linhas sejam, tanto quanto possível, inodoras. Já aqui falámos da capacidade que os peixes têm de detectar sons, cheiros, etc. Uma linha suja, por exemplo com um produto químico, WD 40 do carreto, etc, é uma linha que denuncia o sistema. Podemos aprofundar mais este tema: 

Quando chegamos a um pesqueiro, temos muito poucas vezes em atenção o factor “discrição”. Desde logo, o barco para chegar ao local faz ruídos, com o motor. Seguidamente, lançamos a âncora, que, por ser pesada, bate com estrondo no fundo.

Esse fundo, pode ser de areia, quando deixamos uma margem de segurança para o barco ficar ancorado sobre a pedra, sobretudo em pedras pequenas, é corrente lançarmos mais à frente, na areia, e deixamos que seja o vento a mover o barco no sentido da pedra.

É o mal menor. Mas o fundo pode ser todo em rocha. Aí, não só avisamos o peixe que chegámos, como continuamos a dar-lhe informação de que lá estamos, ao colocarmos uma corrente entre o cabo e a ancora. Cada vez que temos uma onda, o barco sobe, estica a corrente.

Cada vez que a onda passa, a corrente perde tensão e cai, com ruído. No fundo, introduzimos aqui mais um factor de perturbação. Vamos ter de somar a estes inconvenientes o facto de o barco emitir ruídos para o fundo, as ondas que batem no casco, os nossos passos, os nossos gritos, as chumbadas que batem na amura, no convés, as linhas que ficam presas no fundo e levam esticões para soltar, as chumbadas que batem na rocha, os peixes que escapam mal ferrados e saem em fuga, os predadores de maior tamanho que circundam o pesqueiro, nomeadamente safios, tintureiras, etc. São as missangas brilhantes, são os destorcedores, e mais uma resma de asneiras que avisam o peixe de que algo está mal. Algo foge àquilo a que está habituado na sua rotina diária. A somar a isto, ainda temos de juntar o cheiro de um produto químico, WD 40 que vai na linha?

Por vezes, a diferença entre pescar um peixe de excepção e não pescar é apenas um destes detalhes. Como já referi, o peixe velho não chegou a esse estado por confiar em tudo. Pelo contrário, eles chegam a velhos por desconfiarem. Os que pescamos de qualquer forma, com a banda filarmónica da Carris a tocar música de touradas, são os pequenos…os grandes entram em condições óptimas de maré, corrente, visibilidade da água, e sobretudo, quando estamos no momento certo, ou seja, quando o peixe está a passar pelo seu período de alimentação diário, que é cíclico. Eles têm momentos mais favoráveis, e podem esperar. Se a situação não agrada por algo, aborta a intenção de continuar. O pescador nunca o saberá, e continua a cometer os mesmos erros.

Aquilo que gostava que conseguissem reter é que a diferença entre picar ou não picar, por vezes é um pequeno detalhe. Há atitudes, comportamentos do pescador que funcionam como um fusível. São a diferença entre o sim ou o não. Se o peixe não pica, tudo o que fizemos até aí, deixa de ser importante. Podemos ter um bom carreto, uma boa cana, uma linha boa, mas o peixe não pica.

Sabendo que a maioria dos meus leitores é do género masculino, e pedindo as minhas desculpas às senhoras que me lêem, é algo como isto: podemos tolerar que a menina tenha pelo na axila, que se vista mal, que tenha um perfume barato, e continuamos interessados nela. Mas no fim de tudo, ainda havia mais um detalhe: a moçinha não tem um dente da frente. E aí achamos que o nosso limite de tolerância já está esgotado, que chegou ao fim, e já não queremos saber da moça. Entendem?


Vítor Ganchinho


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