TEXTOS DE PESCA - Cercado de tubarões por todo o lado!


Estamos habituados a caçar, e não a ser caçados. O cidadão comum tem pavor de tudo o que tem a ver com tubarões, não conseguindo separar a ficção da realidade, ou a verdade do cinema da verdade da natureza.

Horroriza-se com o desaparecimento de banhistas na praia, com os ataques a surfistas, teme as entradas nocturnas nas calmas águas do mar, mesmo que apenas com água pela cintura. Vamos hoje abordar alguns aspectos da relação entre o pescador de linha que cai ao mar, ou caçador submarino, e o tubarão: formas de defesa, equipamentos e cuidados a ter. Com mais de trezentas espécies de tubarão, vamos concentrar a nossa atenção numa das poucas espécies realmente perigosas: o mítico tubarão branco. 

Privado das suas presas mais habituais, grandes peixes, focas, etc, o nosso tubarão virou-se para algo que lhe dá pouco trabalho a capturar: os simplórios dos humanos. 

Sabemos que com enorme relutância, já que na maior parte dos casos aquilo que lhes aparece são gordos e gordas, barrados em protector, que lhe estragam a dieta e aumentam o colesterol. Mas vamos ver algumas situações concretas, “let´s look at the movie”.



Mar vermelho 1 - O nosso pescador de linha cai à água e começa a debater-se, a esbracejar desesperadamente para se manter à tona de água. Mal sabe nadar e espera a ajuda de alguém que o tire dali. Nessas alturas, nunca aparece ninguém dos sindicatos. Ensaia um bater de pernas, faz barulho e isso atrai coisas grandes. Aos poucos, a corrente afasta-o do barco. Grita mas já ninguém o ouve, os companheiros estão todos de costas voltas a pescar cavalas. Passa uma enorme barbatana cinzenta à superfície, pára e lentamente vira na sua direcção. Algo muito grande se aproxima. A barbatana afunda uns metros à sua frente. O pescador imagina a pancada seguinte, o seu corpo a ser trucidado pelos dentes impiedosos. À falta de melhor, lembra-se de como era feliz a pagar impostos sobre impostos, da sua querida esposa a ir “ao cinema” com o vizinho da frente, e do quanto se divertia a imaginar como, esgotado o ordenado, iria comer a segunda metade do mês. Uma dentada seca, e metade do seu corpo é arrancada num ápice. Já não vai a tempo de evitar que as pernas, afundando devagar num mar de sangue, levem com elas as calças onde tinha deixado o telemóvel a tocar no bolso de trás. Não consegue atender e por isso não responde aos seus colegas, que lhe ligavam insistentemente a perguntar se tinha decidido voltar para terra a nado. O telemóvel deu “chamada não atendida”, e os colegas optaram por deixar mensagem. É o mar vermelho versão 1. 

Mar vermelho 2 - O nosso caçador submarino está longe de terra, é um profundista, e tem dois bons robalos e um grande safio na bóia. O sangue espalha-se na água. Um dos peixes dá à cauda, revolvendo a superfície calma. Essas ondas de choque chamam os grandes predadores. Vindo do fundo, alheio a tudo, o caçador traz mais um peixe que se debate numa mancha de sangue. Olha em frente à procura da bóia, tentando aguentar os esticões da sua captura. E é então que se apercebe de algo enorme, descomunalmente grande, que se dirige lentamente na sua direcção. Fica quieto, numa rigidez cadavérica, com suores frios e febres altas, a respiração alterada. Quer assobiar e não sai nada. Enquanto lhe passam pela mente lugares longínquos, onde não se importaria de estar naquele momento, o grande tubarão branco vem de lá desembolado, de goela arregalada e é o mar vermelho, versão 2.   

Mar vermelho 3 - O nosso caçador submarino gosta de caçar em grupo. Sai alegremente no seu pequeno semi-rígido com mais quatro colegas, todos novatos na arte da pesca. Atiram-se à água todos ao mesmo tempo, tipo desembarque dos Aliados na Normandia. Porque tem anos de experiência, o nosso protagonista gosta de apresentar resultados, de inchar o peito e mostrar as suas capturas. Para isso, afasta-se dos outros que fazem barulho e espantam o peixe. Aos poucos, à custa de golpes de barbatana, afasta-se e encontra-se sozinho. Os sargos e robalos começam a compor o seu quadro de pesca. Para poupar tempo, não se dá ao trabalho de matar os peixes, deixa-os feridos na bóia, a sangrar. Quando o atleta se apercebe daquilo que está ao seu lado, a primeira reacção é gritar “Bolas” !! e fazer os 213 metros estilos de volta ao barco. Larga a arma e é então que sente uma pancada nas costas. Deixa de mandar nos movimentos do corpo. Não se dá conta de que já não sente as pernas, esmagadas pela foça dos maxilares. O bicho larga-o, dá uma pequena volta e retorna à carga, a ranger os dentes. Num ápice, deixa-o feito num hambúrguer picado. É o mar vermelho 3. 



Mar vermelho 4 - O nosso caçador é um morcego solitário, gosta de caçar à noite, sozinho. Entra na água pela cintura, e, enquanto cospe nos óculos para evitar o embaciamento, parece-lhe ouvir baixinho uma musica vagamente conhecida. À medida que entra na água, tem a desagradável sensação de que algo está errado. Coloca a máscara, lança-se para a frente e acende a lanterna. A alguns centímetros da sua cara, um monstro cinzento de boca aberta obriga-o a gritar de terror! Procura virar-se na direcção da praia, e é então que se sente preso, mordido. Lembra-se  que tem uma faca pendurada no cinto de mergulho, mas o braço direito já foi engolido e com o esquerdo nem vale a pena tentar porque já na escola não conseguia fazer uma caligrafia bonita à esquerda. É o mar vermelho, versão 4. 

Mar vermelho 5 - O nosso caçador sabe que na zona onde vai mergulhar há tubarões grandes. Viu vários documentários a mostrar mergulhadores a alimentar os esqualos à mão e pensa para si que tudo aquilo é normal. Bem mais perigosas são as Festas de Alcochete e estão cheias de gente. Se ali há tubarões, isso não tem nada de estranho, há tubarões em todo o lado. Seria estranho sim vê-los a esvoaçar sobre a Rotunda do Marquês de Pombal. Entra na água e consegue arpoar uma magnifica anchova, que se debate no fio. Mete-lhe uma mão nas goelas e com a outra saca da faca afiada e espeta-a na cabeça. Do peixe. Este, aos poucos, esvai-se em sangue. Após um derradeiro estrebuchar a anchova está morta. Os seus olhos procuram a bóia, onde quer deixar a captura. Subitamente, na sua direcção, uma barbatana triangular irrompe à superfície. O animal persegue-o com aquele habitual olhar louco, esgazeado, com espuma aos cantos da boca. O Impacto é brutal! Sente-se arrastado para o fundo. Instintivamente tenta morder-lhe no focinho, mas a placa dentária (do caçador) salta e cai no abismo. Vê-se naquela situação, sem ter uma chave de fendas, um isqueiro, um cotonete…
Durante segundos, o tubarão larga-o à superfície, preparando o ataque final. Respira sofregamente, tentando encher os pulmões de ar. A água salgada nos olhos impede-o de ver a quantos quilómetros se encontra da costa. E é então que o bicho vem novamente na sua direcção, de goela aberta, boca escancarada, dentes afiados prontos a morder, como um fiscal das Finanças. Lembra-se de que tem um corta unhas com lima, preso do cinto. Infelizmente os dois braços já foram engolidos e a ideia de lhe limar os dentes “que a seguir eu já posso contigo” não resulta. É o mar vermelho 5. 



Conselhos importantes: todos os anos uma quantidade de pessoas descobre no mar uma nova fonte de experiências. Para todos aqueles que hoje se iniciam na pesca à linha, na caça submarina, na fotografia subaquática, parece-nos pertinente e oportuno dar alguns conselhos sobre o comportamento a observar frente a um esqualo. Curiosamente todos nós sabemos exactamente qual a atitude a tomar aquando de um encontro com um extraterrestre, e por isso corre sempre bem. Infelizmente não se passa o mesmo com um tubarão. O assunto é sério. A sua vida pode depender daquilo que fizer naqueles segundos iniciais, pelo que deve prestar atenção. Na hora H não adianta tecer considerações do género “ tubarão branco mais branco não há”, porque isso não vai salvar-lhe a pele. Veja o que deve fazer: 

1- Por uma questão de incompatibilidade de feitios, não adianta tentar dialogar. Qualquer proposta alternativa a você ser comido é invariavelmente mal recebida. 
2- Mantenha a calma! Não interessa quem é o culpado, se é você que está no território de caça dele, se é ele que está no seu planeta. Tente surpreendê-lo, preencha de imediato uma declaração amigável de separação. Mesmo que tenha à mão, não saque de um agrafador, e muito menos lhe vire os bicos dos agrafos na direcção dos olhos do bicho. Pode ser mal interpretado. 
3- Infelizmente você não é daquele tipo de pessoas que enfrenta as situações de frente e peito aberto. Tem receio e tenta fugir. Nada de pânico! Invista uns trocos e compre um fato quentinho, em aço inox, com 4 cm de espessura. Leve cuecas em ferro forjado, e vista uma T-shirt à prova de bala. Não se esqueça de compensar a flutuabilidade, reduzindo no peso do cinto de chumbos. 
4- Tenha sempre à mão um croquis com a localização exacta de todo o seu material de mergulho. Não é na altura em que o tubarão aparece que vai andar à procura do seu faqueiro em prata de 48 peças. 
5- Nunca se finja de morto! Às tantas esquece-se de deixar de fingir e é encontrado passados 32 anos, enterrado no Cemitério dos Prazeres. 
6- Torne-se pouco apetitoso. Nunca por nunca deve desfazer-se todo em caca, porque isso está muito visto. Mas pode perfeitamente simular uma espondilose. Faça olhos bogalhudos, mal dormidos, revolva-se em movimentos convulsivos e mude de cor, a imitar doenças tropicais. 
7- Tente distraí-lo, dando-lhe salsichas, donuts, coiratos e tudo o que tiver, até o ouvir arrotar profundamente. 
8- Quando se aperceber que o bicho vem na sua direcção, e na falta de uma gaiola contra tubarões à mão, veja se tem a possibilidade de partir o seu porquinho de barro e comprar um fato de ejecção automática. 
9- Babe-se e arranhe-se, tente provocar uma erupção repentina de acne juvenil e borbulhas por todo o corpo. Pode não resultar, mas vai deixá-lo a pensar que poderia ter evitado comê-lo a si, com tanta gente saudável à volta. 
10- Não resulta, o tubarão aproxima-se? Pode sempre dizer-lhe: “ ok, agora trocamos, vou eu atrás de ti”….
11- No caso de todos estes sistemas de dissuasão falharem lembre-se, nunca desanime: como dizia Henri Ford, “ os aviões levantam voo é contra o vento, e não a favor”.



Em qualquer circunstância, não se preocupe, eu enviarei sempre um cartão de condolências à sua família.


Vítor Ganchinho




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