Somos conhecidos por sermos um povo que se desenrasca. Para um alemão, povo que planeia com rigor e muito antecipadamente tudo aquilo que faz, um português é algo de inconcebível.
Nós “engendramos” soluções na hora e sai quase sempre bem. Por isso não precisamos de planear.
Francisco Amante a puxar um bom peixe, com equipamento topo de gama: cana e carreto Saltiga Expedition, da Daiwa. |
Recordo-me de estar em Paris para receber um prémio atribuído a uma das minhas empresas, e de ter de fazer um discurso. Estavam seiscentas pessoas na sala. A Lena estava nervosa e a dada altura perguntou-me:
_Trouxeste um discurso preparado, certo?...
Quando lhe disse que não, ficou de cabelos em pé. E respondeu-me:
_ Como é que podes ser tão inconsciente?! E como é que te vais lembrar daquilo que tens preparado para dizer?!! E se te esqueces de alguma coisa?!!
Respondi-lhe que não tinha a menor ideia daquilo que iria dizer, e que quando chegasse o momento, logo se via.
O prémio que fui receber a Paris. |
Ao chegar ao palco, olhei para a assistência, pessoas com os seus cargos políticos, administradores de grandes empresas, embaixadores de inúmeros países, e comecei por dizer:
_ Meus caros, muito provavelmente nem saberão onde fica Portugal. Para muitos de vós, trata-se de uma província de Espanha. Pois fiquem sabendo que o meu país deu grandes nomes ao mundo.
Poucos de vós não ouviram falar de Cristiano Ronaldo. Senti um bruá de admiração. Ou de José Mourinho, o nosso melhor treinador. A sala, na sua generalidade, abanou a cabeça em sinal de reconhecimento.
E também de Helena Neves….
Aí, as coisas arrefeceram a níveis glaciares: ficou tudo gelado porque ninguém sabia quem era a Helena. Os presentes olhavam uns para os outros em sinal de interrogação.
_ Helena Neves é a pessoa que possibilita, com o seu esforço e apoio diário, que eu tenha tempo para me dedicar à minha empresa, e por isso, que eu tenha obtido os resultados que vos levam a todos a querer entregar-me este prémio.
Trata-se da minha mulher e está sentada ali atrás.
E a sala levantou-se toda ao mesmo tempo, e seiscentas pessoas deram uma salva de palmas à pessoa que faz o favor de me aturar dia e noite.
Continuei a falar mais alguns minutos e quando voltei ao meu lugar, com o prémio na mão, ela perguntou-me:
_ Meu Deus, tu levavas isto na memória?
_ Sim, claro que sim…
Na verdade não. Foi algo que saiu naquele momento e tem exclusivamente a ver com a capacidade de improviso que todos nós, portugueses, temos para dar e vender.
Por isso, quando vou para a pesca, levo quatro ou cinco canas preparadas, diferentes, e em função das condições de mar, daquilo que sinto que o mar pode dar, assim pesco. Se há ondulação a rebentar na costa é provável que o robalo esteja encostado à praia, se o mar está muito calmo e a água muito limpa, pode haver lírios à superfície, se a água está verde e com muita suspensão, provavelmente os jigs não vão funcionar, mas nesse caso, pescam-se umas cavalas mais fora, e pode pescar-se ao pargo com isca.
Improviso. E no fim do dia, o peixe está na caixa.
O autor, a receber um prémio de qualidade. |
Mas se acham que isto é razoável, então fiquem a saber que nós somos principiantes, junto de qualquer individuo africano. Eles sim, são muito bons no improviso, muito melhores que nós.
O sistema D, o tal famoso D de “Débrouille toi tout seul” ou de “desenrasca-te sozinho” tem ali o seu mais perfeito palco. Eles são muito bons e eu tenho quilómetros de exemplos disso.
Vou contar-vos hoje um caso que tenho gravado na minha memória, e que tem a ver com a ilha de S. Tomé:
Um dos amigos que por lá deixei, a dada altura, e sabendo que a minha amiga Rita Guérin, assistente de bordo da TAP, fazia essa rota a partir de Lisboa, foi ter com ela ao aeroporto.
Entregou-lhe um envelope em mão, daqueles antigos, com os bordos com riscas vermelhas e azuis, e fechado.
A Rita, amiga que me visita de quando em quando, trouxe-me o envelope e explicou-me que se tratava de uma mensagem pessoal, e que ela tinha apenas sido o “pombo-correio”.
Abri, e lá dentro tinha uma carta que, como todas as cartas antigas, começava por me perguntar se estava bem de saúde. E no fim, o inevitável pedido:
..” e se puder, mande-me uns ténis”….
A resposta nestes casos é sempre positiva, mas eu tinha um problema irresolúvel: não tinha ideia do número do pé dele. E logo na altura solicitei à Rita para fazer o favor de, numa próxima viagem,
providenciar no sentido de ir ter com o meu amigo, sabe Deus aonde, e perguntar qual o seu número de calçado.
Passados três meses, chegou a resposta dele:
_ Ele diz que o número não interessa.
Olhei para a Rita a pensar que estava a brincar comigo. Mas não:
_ Vítor, o que ele diz é que se os ténis forem grandes, mete jornal para aconchegar. Se forem curtos, …corta a ponta.
Isto não é bom?! Estão a ver porque é que eu os adoro?....
Vítor Ganchinho