TEXTOS DE PESCA - O que nós nos divertimos!

A partir dos meus 25 anos de idade, passei a fazer saídas regulares ao estrangeiro, para conhecer outros países, outras culturas, outras gentes, outros mares.
Hoje, passados mais de 30 anos, tenho a certeza de ter feito aquilo que devia, tenho a certeza de que esse passo foi decisivo na abertura de horizontes. 
Provavelmente teria seguido o percurso tradicional, teria cristalizado num estilo de pesca, e não teria a abertura de espírito necessária para experimentar, para querer saber mais, para ousar ir além da forma rotineira de fazer as coisas. Em suma, estaria a pescar com um chumbo e dois anzóis acima. 
O mundo lá fora segue outros padrões, muito diferentes, porque também diferentes são as pessoas e as soluções que têm para pescarem, para vencerem as dificuldades que o mar apresenta. 

Vítor Ganchinho e o grande profundista José Vilarinho. Uma dupla de peixes-vela à caça submarina não é algo que seja comum, não acontece todos os dias. 


A preparação das viagens é algo de muito meticuloso. A maior parte delas são feitas para lugares onde as possibilidades de obter algum tipo de equipamento são absolutamente nulas, e é certo que, se algo pode falhar, falha de certeza. Por isso, toda a planificação obedece a um rigoroso escrutínio e é vista e revista muitas vezes. 
Frequentemente, acabamos por querer vir mais ligeiros, deixando aos locais algum do equipamento que levamos. Para eles, é uma dádiva dos céus, já que adquirir um arpão é em rigor…impossível. 
O mesmo se passa com uma bobine de fio, uma carteira de anzóis, um carreto. Para quem está lá, nos locais onde pescamos, isso pode ser a diferença entre uma vida difícil ou uma oportunidade de poderem passar alguns tempos de maior conforto. 

Zé Vilarinho e o autor, com duas espécies de pargos africanos.


Com canas ou com equipamentos de mergulho, fui conhecer pessoas e vi lugares que me permitiram hoje uma visão 360º em relação ao fenómeno da pesca. 
Na verdade, e atendendo à diversidade de possibilidades de pesca, de peixes, de técnicas, de equipamentos, acredito que uma vida não chega para experimentar tudo. 
Aquilo que fica são os bons momentos, a confraternização, os amigos para a vida. As dificuldades que vencemos, os peixes que celebramos, aquilo que aprendemos, é algo que não tem preço. 

Num ilhéu ao largo da Ilha do Príncipe, o Zé foi bem fundo, abaixo dos 23 metros, arpoar este Xaréu. Eu, que fiquei encostado a uma rocha à superfície a comer ostras frescas, viria a caçar outro igual, sem mergulhar.


É naquelas situações de maior aperto, de tremendas dificuldades, em países longínquos, sem recursos, que se “amassa” a amizade entre pessoas, que se conhecem habitantes locais que mais tarde se tornam amigos pelos quais estamos disponíveis para fazer tudo. Aquilo que para nós é um pequeno gesto, para eles é uma possibilidade de mudança de vida. E nós, portugueses, somos bons a fazer amigos por todo o mundo. 
Não nos basta passar pelos locais, nós gostamos de deixar marca, pela positiva. Gostamos de fazer amigos e de saber que um abraço de despedida é sempre um até já. 

Ora aqui está a força do marketing de um estabelecimento comercial!


Conto-vos uma história curiosa: 

Fiz um amigo na Ilha do Príncipe. 
De nome Daniel, um rapaz dos seus 35 anos, recebeu com alegria uma remessa de pargos que eu tinha feito na zona dos Mosteiros. Este local, não muito profundo, é no entanto de uma dificuldade de caça muito razoável: tem blocos de pedra amontoados, que fazem entre si labirintos, buracos onde os peixes se escondem da vista dos pescadores e caçadores. 
Com paciência, muito tempo debaixo de água, sempre é possível fazer alguns. Vi e cacei pargos na casa dos 15 kgs. E para nós, basta um peixe, pelo que tudo o resto é para oferecer a quem deles possa fazer algo. 
O Daniel retribuiu a atenção, ensinando-me a conhecer os côcos. Segundo ele, existem sete tipos diferentes, que na verdade não passam de sete estágios de maturação do mesmo coco. O último e mais apreciado destes processos de maturação é o do côco que passa uns meses no alto mar, e volta a terra. O seu sabor é de facto diferente. 
Numa conversa saborosa de final de tarde, sentados na praia, a olhar o azul infinito do mar, o Daniel falava-me da sua vida, e das suas esperanças. Um apanhador de côcos, a sua profissão, numa ilha literalmente cravejada de coqueiros tem um futuro pouco risonho. A dada altura falei-lhe na possibilidade de criar o seu próprio negócio, de começar uma vida comercial. 
_ Já fui empresário! Por acaso não correu bem, mas já tive uma empresa. 
Na minha vontade de ajudar com os meus conselhos, procurei saber mais sobre o assunto. 
_ Eu fui à ilha de S. Tomé, e lá, uma pessoa que tem um restaurante perguntou-me se eu não podia abrir aqui uma plantação de ananases, porque podia passar a comprar-me. O nosso clima é muito melhor para isso do que S. Tomé, aqui temos mais calor. Por isso, deitei mãos à obra, e durante seis meses, alisei e capinei uma zona de terreno. Plantei 2000 pés de ananás pequenos. A cada mês, fui lá cortar as ervas daninhas, e comecei a ver os ananases a crescer. 
E eu, deliciado com a história só lhe pedia para ele continuar: _ E então Daniel ? Como saiu a plantação?
_ A plantação saiu bem. Quando os ananases estavam já maduros, pedi aos meus amigos para me darem uma ajuda, e ensacámos cerca de 1.000 ananases, para levar para a ilha de S. Tomé. Fomos na barcaça que transporta animais e pessoas. Tive de pagar as viagens de dezoito pessoas, para me ajudarem a levar as sacas cheias de ananases. 
_ E então? Perguntava-lhe eu, morto de curiosidade. 
_ Então cheguei à ilha de S. Tomé, descarregámos as sacas todas e eu fui ter com o homem do restaurante. Disse-lhe que tinha finalmente os ananases dele. 
_ E….?
_ Ele respondeu-me : “OK, bons ananases. Para mim, quero três”……


Vítor Ganchinho



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