Há pargos que nos acompanham ao longo da nossa vida de pescadores e que nunca conseguiremos entender.
O comportamento dos pargos de riscas, Pagrus Auriga, será sempre um mistério, porque aparecem e desparecem sem que se entenda porquê.
Ninguém os pesca de forma exclusiva, apenas aparecem, como fantasmas.
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O autor com um pargo que, acabado de pescar, guarda ainda as suas cores naturais. Algum tempo depois mudam para um rosa pálido bem menos interessante. |
Entre nós, a sua captura é comum nos meses mais frios, de Setembro a Janeiro, mas até nem isso é uma verdade absoluta. De facto, eles estão cá muito antes, Junho…e também aparecem nos pesqueiros em Março, com águas frias. Logo, a sua presença não depende apenas da temperatura da água. Então porque não fazem parte das capturas diárias do pescador?
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Há 30 anos já os pescava, nas águas de Setúbal. |
Gosto de pensar o porquê das coisas, e da minha experiência enquanto pessoa que vai lá abaixo, ao fundo do mar, ver o que se passa, o que me fica é que estamos a tratar de um pargo de todo o ano, que só não é capturado mais assiduamente porque não lhe fazemos pesca dirigida. Não sendo tão vulgar quanto o seu parente pargo comum, o pagrus pagrus, ainda assim existe em quantidades significativas.
Recordo-me de mergulhos em que me apareceram muitos, em grupos de 2 a 3 indivíduos, juvenis, com pesos inferiores a 1 kg. No inicio do Verão, é corrente que nos apareçam elementos jovens, a rondar as 200 gramas de peso, sobretudo em pesqueiros muito baixos, não mais de 7 a 8 metros.
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Quando entram no nosso sitio de pesca, se estamos com caranguejo, ou ameijola, é possível fazer mais de um. Neste dia eu viria a fazer 3 peixes destes. |
Este é um pargo que me parece ser particularmente interessante, porque raramente vai à pedra da Praça, sendo que frequenta os pesqueiros mais procurados pelos profissionais, entre os 10 e os 80 metros. Ou seja, deveria ser muito mais vezes capturado.
Quando adulto, é essencialmente um solitario. Mas aparece com frequência misturado com outros peixes, de outras espécies. Se prometerem não se rir do penteado, eu mostro-vos uma boal dupla de peixes, a pescar com caranguejo: Dourada de 4kgs e Pargo de 3,7kgs.
Para mim, a razão pela qual não se pescam mais peixes destes, tem a ver exclusivamente com o tipo de iscas que são utilizadas. Estamos a falar de um pargo que tem uma super dentadura, preparada para abocar bivalves e desintegrá-los com os seus molares.
A dentadura de um destes pargos é algo de impressionante, eles esmagam a carapaça de uma santola, uma navalheira, partem uma ameijola, e à casca dura de um caranguejo do rio, das marismas de Setúbal, chamam gelatina.
Muito mais aos seus queridos caranguejos pilados, que tanto abundam nesta zona. O pargo de riscas é essencialmente um comedor de crustáceos, ainda que seja possível consegui-lo com outros iscos, nomeadamente com chocos pequenos, ou lula-de-arte, com 4 a 5cm.
Mais raro é comerem peixe, mas já me aconteceu, com um filete de cavala. O caranguejo pilado é para eles algo fácil de obter, e muito nutritivo.
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Arribada inexplicável de caranguejo pilado na praia da Figueirinha. Tróia ao fundo. |
Por vezes, estão em pesqueiros muito baixos, mesmo demasiado baixos, para aquilo que seria normal num peixe com este porte. Atribuo isso à procura de comida que não encontram em zonas fundas, em determinadas alturas do ano. Sendo particularmente interessados em moluscos, é natural que os tenham de vir encontrar nos baixios. Por exemplo os ouriços do mar, que comem avidamente, tal como os sargos. Recordo-me de um dia em que me apareceu um, num baixio, onde eu estava a pescar carapaus, com um aparelho de penas, um D`Rig da Daiwa. E entrou:
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Mais um parguinho de riscas. A judia, laranja, é uma oferta que já faz parte da tradição, para a minha gata Carlota. |
Estou convicto de que a pesca com caranguejo poderia dar umas alegrias aos nossos pescadores, caso estes resolvessem abandonar a ideia de que só se pesca bem com eles às douradas.
Na verdade, é uma isca muito selectiva, que nos pode evitar muitas dores de cabeça com peixe miúdo, choupas, pequenas judias, garoupas, etc.
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Reparar nos dentes deste peixe. São fotos minhas muito antigas, as quais foram recuperadas com um scanner, pelo que a qualidade é baixa…mas o peixe é bom, 6 kgs. |
Não perca a segunda parte deste artigo na próxima publicação.
Vítor Ganchinho
Estou a salivar...
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