Tenho pelo bom povo senegalês uma tremenda admiração. Durante 30 anos foi sem sombra de dúvidas o meu destino mais escolhido para fazer férias de pesca.
Por tudo e mais um par de botas! As pessoas são amistosas, o país é pacifico, o peixe existe para quem o souber encontrar e pescar. Tenho lá muitos amigos.
E quem vai muitas vezes, tem muitos casos para contar. Ainda mais eu que sou um autêntico pára-raios de acontecimentos, uma esponja de situações estanhas. Não sei se por estar mais atento, se porque efectivamente as coisas me acontecem, mas cada saída é motivo de inúmeras histórias, que procuro registar em imagens, para escrever sobre elas a seguir. Hoje trago-vos mais algumas, para que vejam o quanto pode ser interessante ir passar uns dias naquelas paragens.
Raúl Gil Durá e António Pradillo, dois amigos de Valência que me acompanharam nesta saída de pesca, com dois lirios feitos com jigs, a 60 metros de fundo, sobre um barco afundado. |
Na companhia de dois grandes pescadores espanhóis, Raúl Gil Durá e António Pradillo, fui a Dakar para uns dias de pesca. Eles, mais dados a estas coisas de saídas rústicas, de aguentar e dormir no chão, decidiram ficar na aldeia, num “apartamento” de meter medo. Eu, porque sou mais velho e já não vou em cantigas, e também porque levei a minha família comigo, optei por ficar num hotel “cinc étoiles”, porque me faz melhor aos ossos.
Acontece que a saída era sempre de N`Gor, o local eleito para as saídas de pesca, e isso obrigava-me a levantar um pouco mais cedo, e a fazer 12 km, para me juntar ao grupo. Para isso, a solução mais prática é sem dúvida o táxi.
Existem milhares de táxis, sempre caquéticos de podres mas também sempre disponíveis, e a cada instante é possível tomar um, em qualquer parte do território. O combustível não tem um preço tão alto quanto o nosso, e depois de tudo, os preços são acordados na hora, e em rigor dependendo da cara do freguês. Se calhar por isso, quando às seis da manhã me dirigi à fila de táxis em frente ao hotel, o primeiro da fila começou por me pedir cerca de 100 euros para fazer o trajecto. Porque achei que era preço para turista incauto, nem lhe respondi.
A meio da fila, que teria uns quinze táxis, o preço já estava em 20 euros. Agradeci, e fui até ao fim da fila. E dei com um velho taxista, vestido com o seu arejado e sebento bou-bou, traje tradicional, que me pareceu simpático. E só por isso, a corrida de táxi já estava decidida. Mais ainda quando me disse que me iria cobrar 3 euros. Não preciso de vos dizer que eu nunca aceitaria pagar apenas 3 euros para que alguém me levasse a um local, às seis da manhã, que fica a 12 km de distância, mas resolvi levar o assunto até ao fim.
Chegados à praia, o meu taxista perguntou-me a que horas eu iria chegar. Olhei para ele com o meu mais sincero ar de dúvida e interrogação, porque uma saída de pesca para o alto mar, com um grupo de mais duas pessoas que estão sedentas de pescar, pode acabar muito tarde, e pode até nem acabar, porque todos nós preferimos estar no mar que em terra. E respondi-lhe: _ Nem tenho idéia…lá para a tarde, antes de o sol se pôr.
Paguei e fui ter com os outros. Perguntei ao meu amigo Cherif Sow quem era o taxista. Que era muito boa pessoa e muito dedicado.
Devia ser, porque à chegada da pesca, por volta das 4h da tarde, o meu taxista estava na praia à minha espera. Voltei ao hotel para tomar banho, pegar na família e ir comer algum do peixe que tínhamos pescado. E ele esperou por nós até às 11.30 h da noite.
Todos os preços de táxi são negociados, e começam normalmente por pedir dez vezes mais do que o preço que estão dispostos a fazer. |
Isto é o corrente: um auto-boubou, ou seja um autocarro de passageiros com lugares arejados na retaguarda e um táxi à direita cuja traseira ameaça ruir. |
No outro dia de manhã, às seis da manhã, ali estava o meu amigo taxista, à minha espera, para mais uma viagem até N`Gor. E eu sempre a pagar 3 euros. E ele sempre com um sorriso, sempre disponível para me transportar, depois de pousar no banco da frente o livro do Corão que lia a toda a hora. Durante uma semana, qualquer que fosse a hora do dia, ele lá estava. Chegávamos às 13.00h e ele estava lá, chegávamos às 19.00h e ele estava lá.
Este sim, é um táxi fiável, seguro, e novo. Um luxo! |
Passou a jantar connosco, o que para ele era encarado como uma grande deferência. E assim foi até ao fim, em que, com um grande abraço, me perguntou se tinha gostado do serviço. Na verdade, um familiar meu não teria feito melhor.
Foi com agrado que recebi os cumprimentos de um dos seus 17 filhos, na circunstância o que lhe tinha ido levar alguma comida ao carro, enquanto ele esperava na praia.
Foi a minha oportunidade de dar ao seu filho 200 euros para ele entregar ao seu pai pela sua dedicação e ajuda ao longo daquela semana. E mais o valor suficiente para lhe comprar uma prenda, um novo livro do Corão para substituir o velho livro que ele tinha.
A partir daí, passou a ligar-me regularmente para Palmela, via Whatsapp, para me perguntar como estava, como estava a minha família, e a avisar que numa próxima ida ao Senegal, ele estaria no aeroporto, à minha espera.
Como se responde a isto?!....
Vítor Ganchinho