É uma pergunta frequente e que surge sempre na sequência do relato de uma das minhas viagens: o que fazemos aos peixes capturados?
Vamos falar sobre isso hoje.
Procuro não levar mais pessoas do que aquelas que é possível ter confortavelmente dentro de um barco. A medida certa é de três a quatro.
Considero inconveniente ter de encontrar carros para transporte, mesas no restaurante, quartos no hotel, voos, etc, para dúzias de pessoas. E ainda assim, um pequeno grupo já faz muito mal ao peixe, já pesca a valer.
Quer à linha quer ao mergulho, num spot bom, o resultado ao fim do dia é sempre de algumas dezenas de quilos de peixe. Há sempre um peixe ou outro acima dos 20 kgs.
![]() |
| O resultado final é quase sempre uma cabazada de peixe. José Vilarino, Vítor Ganchinho, André Comte e Francisco Amante. |
O problema está resolvido quando saímos com o nosso anfitrião habitual, o Mohamed, de quem já tanto vos falei aqui. Ele é pescador profissional, logo, precisa de todo o peixe para o vender.
Para poder descansar após o esforço de pesca, ele tem um acordo com duas mulheres senegalesas de alguma idade, as quais por sua vez têm as suas ligações com restaurantes, hotéis, embaixadas, de forma a conseguir escoar todo o peixe desse dia. Porque no dia seguinte vai haver uma remessa igual.
Estas senhoras, que controlam a venda de peixe nas aldeias da zona, recebem 10% do valor obtido da pescaria do dia, e assumem o esforço de endereçar tudo aquilo que se pesca, qualquer que seja a espécie.
Também inclusive podem servir de intermediárias na satisfação de pedidos especiais de alguns clientes. É possível que sejam encomendados peixes, de determinado peso, espécie, quantidade, etc. E o Mohamed vai aos sítios onde pode encontrar esses peixes.
![]() |
| Um dia no escritório. O meu amigo pesca todos os dias da semana, e o resultado diário é sempre muito parecido, já que as espécies procuradas são normalmente as que rendem mais dinheiro. |
A nível profissional, o gozo de fazer um peixe destes ou daqueles é muito residual, a satisfação é muito ténue. Faz-se….porque sim. Os profissionais não querem pescar peixes para exibir, fazem-no porque precisam, e na maior parte das vezes, estão a pescar algo que já pescaram centenas ou milhares de vezes. Os peixes que poderíamos considerar como “ peixe da nossa vida” são ali encarados como o peixe que se vai juntar aos outros para pagar os cadernos dos filhos.
![]() |
| Outro dia no “escritório”….pode acontecer que algum deste peixe seja utilizado como moeda de troca. Obter um medicamento a troco de um peixe não é nada de estranho ali. |
A garantia que podemos ter de que estamos nos melhores sítios de pesca, é pescar e dar-lhe o nosso peixe. Nestas condições, não há reservas, não há poupanças de peixe, não há sítios escondidos. Vamos onde é bom.
Pode acontecer, e comigo aconteceu muitas vezes, que ele fique no barco, enquanto nós pescamos. No fim do dia garante a sua quantidade de peixe diária, e descansa. E nada mais precioso para quem faz aquele esforço diariamente, do que ter alguém a “trabalhar” para ele.
É para isso que lá vamos, para pescar.
![]() |
| O autor com um pargo Djabar. É uma boa opção para fazer uma jantarada. |
Guardamos para nós um peixe, e isso sobra porque os exemplares capturados são sempre peixes adultos, com peso, e que já se sabem defender bem.
Normalmente o peixe do jantar é algo que, sendo diferente do dia anterior, também deve juntar a essa característica o facto de ser algo que não é comum em Portugal, um dourado, uma cobia, um mero, um badejo.
Procuramos encontrar uma entrada, e aí, uma lagosta, um cavaco, ou mesmo umas quantas haliotis passadas na brasa, podem servir. Os recifes junto à aldeia estão cravados delas, e os americanos já perceberam o potencial que este molusco tem para a saúde, logo importam-nas em larga escala. Se querem saber, por dia saem algumas toneladas de Haliótis, ou “Orelhas de Neptuno”, dos recifes em frente a N`Gor. Há uma zona imensa de pedras roladas com cerca de 50 cm de diâmetro, encavalitadas umas nas outras, o que permite que grande parte das conchas esteja escondida nos buracos. Para comer, o molusco tem de se movimentar, saindo da zona protegida, do escuro da pedra, e girar sobre ela, alimentando-se de algas, o que o torna visível em determinado momento. Se estiver do lado certo escapa ao mergulhador, se estiver visível, é capturado. A captura não tem nada de especial, é feita com uma espátula, ou uma faca velha.
Nos últimos anos foi decidido um período de defeso para esta espécie, para garantir a sua sustentação. De qualquer forma, não é raro que a soma de capturas efectuadas entre N`Gor e Yoff, seja de 20 toneladas dia….
Vítor Ganchinho




