TEXTOS DE PESCA - O que comemos: Peixes e mariscos

O que comemos?

Porque pescamos diariamente peixe e mariscos, acabamos por comer muito nessa base. Nos trópicos, a existência de doenças é uma constante, e é sobretudo ao nível do consumo de água que é preciso ter mais cuidado. As saladas em si não são más, mas a água que lava os vegetais pode ser perigosa. Em hotéis razoáveis, existe uma preocupação em ferver a água que lava os nossos alimentos, ou que serve para fazer gelo para as nossas bebidas, porque eles sabem que má publicidade pode custar-lhes dinheiro. Em lugares mais remotos, e pese as recomendações feitas pelos serviços de saúde nacionais relativamente a cuidados de alimentação, a verdade é que o critério é muito “o que não mata engorda”, com algumas excepções. E é normalmente aí que surgem os problemas, a famosa doença turística, que mais não é que uma desinteria aguda. E que pode estragar-nos alguns dias de pesca. Existem países em que o peixe, sobretudo predadores do topo da cadeia alimentar, podem passar-nos a “ciguatera”, doença que mais não é do que uma intoxicação alimentar causada pelo consumo de mariscos, peixes, que tenham acumulado na sua carne uma toxina de nome ciguatoxina, e que provoca perturbações gastro-intestinais, neurológicas e inclusive cardio-vasculares. O processo começa num pequeno organismo do plâncton, que por sua vez é comido por pequenos peixes, e vai subindo na cadeia alimentar até chegar aos grandes predadores, nomeadamente as barracudas, as garoupas, os tubarões. As Caraíbas, o Índico e o Pacífico, são locais onde existe de forma muito regular. Nesses locais, deve dar-se preferência a peixes mais jovens, dado que terão menos tempo de acumulação de toxinas. A taxa de ciguatera tem uma relação directa com o peso do peixe, sendo que não existe forma de cozinhado que a destrua. 

Vítor Ganchinho com uma lagosta. Em zonas com alguns buracos, são muito fáceis de ver, embora já não tanto de conseguir apanhar à mão. As frestas em que se escondem são muito estreitas. Cá em Portugal, em determinados momentos do ano, as lagostas vêm fazer a sua reprodução e juntam-se às dezenas, embora não muito grandes. As pedras do Cabo Afonso, em Sesimbra, por exemplo.


Cavacos, Scyllarides latus, a lagosta sem antenas, que também temos nos Açores. Excelentes quando cozidos, ou grelhados, estes animais podem crescer até aos 45 cm, e pesar cerca de 1,5 kgs. Também conhecidos na gíria, pela sua forma portátil, como “ telemóveis”….. têm uma actividade essencialmente nocturna. Habitam as mesmas tocas dos meros ou safios, e por vezes são comidos por estes. É sempre uma questão de oportunidade, e de o dono do buraco ter fome.
 

Alguns cavacos, que alegraram o jantar. Este marisco grelhado, quando fresco, é francamente bom. 


Uma espetada de camarões, feita no carvão. Os camarões são pescados nas zonas de pedra baixa, nos esteiros, junto a mangais, etc.


O peixe: É corrente que se reserve um dos peixes capturados no dia, normalmente não demasiado grande, e que é grelhado à posta, ou feito no forno, inteiro. A maior parte dos hotéis aceitam cozinhar estes peixes, cobrando pela refeição o mesmo que cobrariam se o peixe fosse deles. Para nós, é a garantia de qualidade, e a possibilidade de prolongar à mesa as aventuras desse dia. 

Este tipo de pargos só muito dificilmente pode ser consumido inteiro, e normalmente são grelhados à posta.


Um badejo com cerca de 8 kgs, uma peça corrente nos fundos do Senegal. 


Pequeno badejo grelhado no carvão. Dependendo do atleta que se prontifica a grelhar o peixe nesse dia, assim sai, umas vezes melhor, outras…


Mas nem só de peixe vive o homem. Também as ovelhas são ali muito apreciadas, na versão “espetadas”. Posso explicar-vos como se processa, porque o sistema é único: 
As ovelhas locais, mais parecidas com cabras, são animais muito rústicos, com uma grande capacidade de adaptação. À falta de pasto, são alimentadas com algo que nunca vos passaria pela cabeça: cartão. Porque há sempre cartão espalhado nas ruas, é simples conseguir uma quantidade para o dia. Molha-se e é assim que se alimentam as ovelhas, com celulose. 


Os animais passam dois dias ao sol, para que a gordura derreta, e se tornem mais saborosos. É cruel, mas existe, é assim que eles fazem, e por isso é referido.


Normalmente comem com as mãos, partilhando da mesma gamela a comida que há para esse dia. A carne é partilhada, os couscous são partilhados.

Recordo-me de ter ido comer a casa de um desses amigos, e de eles terem ido pedir talheres emprestados a um pequeno restaurante da zona, porque não os tinham. A mim não me faziam falta nesse dia, comi maravilhosamente. 
Em Roma sê romano, não vale a pena tentar mudar aquilo que são as tradições milenares destas pessoas. A tendência será que desapareça tudo isto, com as novas gerações, mas todos ficaremos a perder algo com isso. 


Vítor Ganchinho



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