O que comemos?
Porque pescamos diariamente peixe e mariscos, acabamos por comer muito nessa base. Nos trópicos, a existência de doenças é uma constante, e é sobretudo ao nível do consumo de água que é preciso ter mais cuidado. As saladas em si não são más, mas a água que lava os vegetais pode ser perigosa. Em hotéis razoáveis, existe uma preocupação em ferver a água que lava os nossos alimentos, ou que serve para fazer gelo para as nossas bebidas, porque eles sabem que má publicidade pode custar-lhes dinheiro. Em lugares mais remotos, e pese as recomendações feitas pelos serviços de saúde nacionais relativamente a cuidados de alimentação, a verdade é que o critério é muito “o que não mata engorda”, com algumas excepções. E é normalmente aí que surgem os problemas, a famosa doença turística, que mais não é que uma desinteria aguda. E que pode estragar-nos alguns dias de pesca. Existem países em que o peixe, sobretudo predadores do topo da cadeia alimentar, podem passar-nos a “ciguatera”, doença que mais não é do que uma intoxicação alimentar causada pelo consumo de mariscos, peixes, que tenham acumulado na sua carne uma toxina de nome ciguatoxina, e que provoca perturbações gastro-intestinais, neurológicas e inclusive cardio-vasculares. O processo começa num pequeno organismo do plâncton, que por sua vez é comido por pequenos peixes, e vai subindo na cadeia alimentar até chegar aos grandes predadores, nomeadamente as barracudas, as garoupas, os tubarões. As Caraíbas, o Índico e o Pacífico, são locais onde existe de forma muito regular. Nesses locais, deve dar-se preferência a peixes mais jovens, dado que terão menos tempo de acumulação de toxinas. A taxa de ciguatera tem uma relação directa com o peso do peixe, sendo que não existe forma de cozinhado que a destrua.
Alguns cavacos, que alegraram o jantar. Este marisco grelhado, quando fresco, é francamente bom. |
Uma espetada de camarões, feita no carvão. Os camarões são pescados nas zonas de pedra baixa, nos esteiros, junto a mangais, etc. |
O peixe: É corrente que se reserve um dos peixes capturados no dia, normalmente não demasiado grande, e que é grelhado à posta, ou feito no forno, inteiro. A maior parte dos hotéis aceitam cozinhar estes peixes, cobrando pela refeição o mesmo que cobrariam se o peixe fosse deles. Para nós, é a garantia de qualidade, e a possibilidade de prolongar à mesa as aventuras desse dia.
Este tipo de pargos só muito dificilmente pode ser consumido inteiro, e normalmente são grelhados à posta. |
Um badejo com cerca de 8 kgs, uma peça corrente nos fundos do Senegal. |
Pequeno badejo grelhado no carvão. Dependendo do atleta que se prontifica a grelhar o peixe nesse dia, assim sai, umas vezes melhor, outras… |
Mas nem só de peixe vive o homem. Também as ovelhas são ali muito apreciadas, na versão “espetadas”. Posso explicar-vos como se processa, porque o sistema é único:
As ovelhas locais, mais parecidas com cabras, são animais muito rústicos, com uma grande capacidade de adaptação. À falta de pasto, são alimentadas com algo que nunca vos passaria pela cabeça: cartão. Porque há sempre cartão espalhado nas ruas, é simples conseguir uma quantidade para o dia. Molha-se e é assim que se alimentam as ovelhas, com celulose.
Os animais passam dois dias ao sol, para que a gordura derreta, e se tornem mais saborosos. É cruel, mas existe, é assim que eles fazem, e por isso é referido. |
Normalmente comem com as mãos, partilhando da mesma gamela a comida que há para esse dia. A carne é partilhada, os couscous são partilhados.
Recordo-me de ter ido comer a casa de um desses amigos, e de eles terem ido pedir talheres emprestados a um pequeno restaurante da zona, porque não os tinham. A mim não me faziam falta nesse dia, comi maravilhosamente.
Em Roma sê romano, não vale a pena tentar mudar aquilo que são as tradições milenares destas pessoas. A tendência será que desapareça tudo isto, com as novas gerações, mas todos ficaremos a perder algo com isso.
Vítor Ganchinho