Para alguns europeus, pode ser chocante saber como vivem e trabalham pessoas em alguns países de África. Sabemos ser um continente agreste, em que cada migalha de pão tem de ser ganha com suor.
Resulta muito incómodo para nós europeus, com ideias conservacionistas, com cuidados ambientalistas, observar como essas pessoas ganham a sua vida. Mais que isso, que expectativas têm de futuro, o que esperam ser o seu amanhã quando fazem massacres de peixes dia após dia. Em suma, custa ver o que têm de fazer para ganhar o seu pão de cada dia. Sabemos que poderiam gerir aquele stock de peixes de outra forma, mas como explicar-lhes por palavras?
Tal como aqui é corrente sair de casa para ir para o escritório, há pessoas que vão pescar. Não têm e-mails, não têm telefones, têm um barco de madeira, e uma arma, ou uma cana de pesca. Ou menos que isso: uma linha e um anzol. E é com isso que aquelas pessoas tentam todos os dias alimentar a sua família. Tal como nós o fazemos quando nos sentamos em frente a um computador.
Correndo o risco de ser mal interpretado, de chocar olhos mais sensíveis, ainda assim penso que devo levantar um pouco a ponta do véu.
Vou fazê-lo, por imperativos de espaço e facilidade de leitura para vós, em vários artigos que mais não são que sequências de imagens comentadas. Preparem-se, protejam as mulheres e as crianças, ponham-nas a salvo, porque vou mostrar-vos outro mundo, e …vai ser duro!
As zonas de pesca
Gozando de uma localização privilegiada, o Senegal recebe dois grandes fluxos de peixe por ano. Esses fluxos coincidem com a movimentação de águas que tudo transforma. O que fica são apenas as pedras do fundo.
Está naturalmente garantida a renovação dos stocks de peixe, que sobem dos mangais da Guiné Bissau/ Bijagós para norte, chegando às pedras ao largo de Dakar, povoando com toneladas e toneladas de peixe todos os recantos.
No Verão, com águas do mar a 31ºC, os peixes que nos interessam são as barracudas, as cobias, os pargos, os peixes-vela. Quando as águas viram, e passam a 12ºC, todo este peixe recua, e é substituído por badejos, meros, meros bronzeados, marlins.
É o tempo dos chocos: espantem-se com isto: têm-nos até aos 11 kgs!!
Os destroços de barcos afundados ficam soterrados em peixe. Literalmente. Vejam a foto de baixo.
As campanhas de pesca, tal como os nossos antepassados faziam quando iam para o bacalhau, duram o tempo necessário para encher o barco. Pode ser um dia, pode ser meio dia, ou podem ser 3 dias.
O pessoal dorme a bordo, e come enlatados e aquilo que o mar dá. Grandes blocos de gelo garantem que o peixe não vai apodrecer. Todo o conforto físico é trocado pelo resultado final, porque só esse interessa.
Dependendo da época do ano, e do peixe alvo que muitas vezes é pré-encomendado, assim é escolhida a técnica a utilizar, e pode variar tanto quanto a pesca à linha com jig, a pesca com isco vivo, a pesca com sardinha morta, ou a tiro. A pescaria que vêem abaixo foi feita com peixe miúdo capturado nos baixios, com aparelhos de penas. O peixe é mantido vivo em bidons de água do mar à qual se adiciona um pouco de gelo, e é trocada a espaços.
Os badejos são um peixe que pode atingir para exportação, na altura certa, cerca de 5 euros o kg, o que o torna um alvo apetecível. São peixes muito fáceis de pescar, o grau de dificuldade não está muito longe das nossa cavalas.
Esta é nitidamente uma pescaria de Inverno.
Com a mudança das águas, acontece a chegada massiva dos pargos. E é isso que se pesca. Não que seja particularmente apreciado, não que tenha um preço muito elevado, mas porque é aquilo que há. Estas deslocações são feitas ao largo, onde existem pedras que possibilitam esta pesca sem que tenha de ser feito um esforço acrescido. Falamos de pedras entre os 20 e os 50 metros, o que é conveniente quando nem se utilizam canas com carretos, mas sim linhas de mão, chumbo e anzol.
Existem quatro espécies diferentes de “carpe rouge”, e ademais, uma infinidade de outros tipos de pargos. Podem vê-los abaixo, misturados com barracudas, uma cobia, blue runners, e alguns lírios pequenos:
Pescarias mais próximas de costa, de poucas horas, também são possíveis, e necessariamente, dado o esforço de pesca ser maior sobre esses spots, os resultados decrescem visivelmente.
Vejam um exemplo de uma saída de poucas horas.
Em primeiro plano, o peixe mais cobiçado do Senegal. Trata-se de um mero, e é costume vê-lo nas nossas bancas de peixe. Já aqui falámos sobre ele, pelo que não vale a pena fazer a sua apresentação.
Este “Tioff”, cinzento, com duas riscas oblíquas e que podem ver em primeiro plano, vale na origem, em momentos de escassêz, entre cinco a sete euros / kg, o que é um valor apreciável. Chega à Europa ao consumidor perto dos 20 euros.
Os badejos são um peixe de grande qualidade gastronómica. Como vos disse, eles aparecem de Inverno, quando as águas são mais frias. De qualquer forma, essa massa de peixe aparece por uma razão muito concreta: seguem as grandes migrações de sardinha.
Nesta altura, a quantidade de badejos é muito superior ao normal, e os locais chamam-lhes “ badejos turistas”, já que são muito pouco desconfiados, entram muito facilmente ao anzol, e demonstram toda a sua agressividade nas nossas amostras.
Os peixes que ficam, depois de terem visto massacrados os seus colegas do lado, tornam-se mais desconfiados e esses serão os badejos que ficam durante o Verão, em quantidades reduzidas. Podemos considerar como muito grande um badejo de 13 kgs.
Eu estava no barco no dia em que foi arpoado um maior, junto às ilhas Madeleines, em frente a Dakar, por um amigo francês de nome David Courseaux, e que eventualmente poderia chegar aos 14 kgs, mas porque não foi pesado, não o tenho como sendo peixe válido de recorde.
Mas era enorme. Os badejos, quando acaba a estação da sardinha, encontram-se gordos, com peso, e nessa altura são virtualmente imbatíveis na grelha….
Vítor Ganchinho
Fantástico amigo!
ResponderEliminarLutas com safios, polvos, congros? Com certeza já lhe apareceram uns grandes pela frentes.
Pelo Sado pessoalmente, já tive a sorte de conseguir sacar uns. O mais pesado à volta dos 9kg. Atiram-se que nem loucos à sardinha. Igualmente com os polvos.
Outra questão, a influência da lua ? Dizem que a lua cheia normalmente é de maior atividade para o peixe, contudo a minha experiência (que também ainda não é muita diga-se de passagem e não me considero de todo um expert da pesca, sei que tenho muito a aprender) diz-me o contrário, que normalmente nessas noites não trago muito mais que uma grade. A nível de correntes sente-se o mar a correr com muita força o que muitas das vezes dificulta a pesca. Aquela altura do ponto da maré em que corre menos já fica melhor e é, quase sempre, só aí que sinto a maior atividade.
Se o meu amigo poder falar um pouco sobre esta momento da pesca irei achar muito interessante.
Um abraço e continue com estes excelentes textos de pesca, são do melhor e do mais bem escrito que há por aí.
Bom dia Rodrigo Cruz
EliminarMuito obrigado pelo seu contacto. É motivador saber que há pessoas que lêem aquilo que escrevo. No final deste ano, principio de 2021, irei publicar um livro com muitos destes textos, e algo mais que irá sair entretanto. Vou dar-lhe algumas pistas sobre a questão da lua, num texto que vou procurar publicar entre hoje e sexta feira. Amanhã vamos iniciar as nossas saídas de pesca, com dois dias seguidos do nosso curso de Light Rock Fishing. Vou estar com pessoas que vêem de Matosinhos, para pescar comigo dois dias, e todo o tempo vai ser pouco para lhes passar informação. Mas até sexta feira eu respondo. Rodrigo, agradeço novamente a sua atenção de comentar os meus artigos!
Abraço!
Vitor Ganchinho