TEXTOS DE PESCA - Exercício físico - Cultura de um povo

Diferentes latitudes e longitudes trazem-nos diferentes formas de encarar a vida e de a assumir como um curto período de passagem pelo nosso planeta, que se pretende com amigos, saúde e dignidade. 
Se pensamos em americanos, pensamos em pessoas sedentárias, obesas, que se alimentam de comida rápida, plástica, com todos os problemas físicos que daí advêm. 
Se pensamos em países de leste, o vodka está sempre presente. Se é verdade que os jogos olímpicos espelham a aptidão física de um povo, por vezes esses casos são apenas as excepções, os pontos altos, e não correspondem à média de valor. 
Com um campo de recrutamento imenso, estes dois casos apresentados, americanos e russos, recorrem a uma fórmula ganhadora em termos de imagem: os seus campeões olímpicos escondem os desequilíbrios que são conhecidos. No fundo, fazem o ponto de equilíbrio em termos de imagem exterior. Portugal, ao não apostar decisivamente no desporto escolar, está a fomentar uma cultura de “deixa andar” que a seu tempo apresenta sempre a sua factura. Os custos de saúde, em hospitais, profissionais, baixas médicas, etc, são seguramente muito superiores aos que seriam despendidos em técnicos e instalações desportivas.  
Os orientais dedicam parte do seu dia à cultura física. ASICS não é apenas uma marca de material desportivo, é toda uma cultura de um povo que acredita em Anima Sana In Corpore Sano, se quiserem em tradução livre, alma sã em corpo são. Não depende apenas de meios materiais, depende sobretudo de ter ou não ter cultura desportiva. E isso, pode ter-se em sítios onde vocês nem imaginam ser possível.

Encontrei em Cabo Verde gente muito empenhada na sua forma física, em S. Tomé e Príncipe, na Guiné Bissau, em Angola, em Marrocos, no Senegal. Países onde não é muito evidente que se façam campeões olímpicos, mas onde a média da população tem uma forma física invejável. Desde logo porque a escassez de recursos obriga a uma vida mais activa, a mais trabalho físico, a mais esforço muscular, por oposição a um sedentarismo doentio, que entorpece os músculos e a alma. 

Enquanto os nossos miúdos recebem uma consola de jogos ou um telemóvel, onde concentram toda a sua vida, há outros lugares onde a actividade física é uma constante, por necessidade e também por tradição. O Senegal é um dos países em que mais senti isso. Por ser um país muito pobre de recursos, pouca ou nenhuma indústria, as pessoas viram-se para aquilo que as pode sustentar: o mar.



O trabalho é essencialmente braçal, e o esforço físico desenvolvido ao longo do dia …absolutamente penoso. Levantamento de redes de pesca de sardinha.  
Esta capacidade física geral advém de características genéticas e hereditárias, sim, mas também é trabalhada à exaustão pela necessidade de conseguir alimento, de produzir trabalho. 


 
A partir das seis da tarde, e coincidindo com o terminus do período normal de trabalho, as praias enchem-se de gente que vai fazer pela sua forma fisica. 

Utilizam meios técnicos rudimentares, não há ginásios, quase não têm equipamentos desportivos como um pavilhão, etc, mas fazem sempre algo. A correr descalços na praia, a nadar no mar, a verdade é que fazem. 
No meio de milhares de pessoas, alguns elementos com mais informação ou aptidão ensinam os outros e o resultado final é o que se vê: gente em forma!


 
Estes miúdos não estão inscritos na vela, nem estão a divertir-se a andar de barco….estão a trabalhar duro. Muito duro….
As inscrições em árabe que podem ver o interior do barco são os “gri-gris”, uma evocação dos espíritos divinos para dar sorte aos ocupantes. 

A morfologia de um povo é quase sempre determinada pelas condições de vida, e pelo meio ambiente em que essa vida é vivida. Nos países húmidos e florestados, as pessoas tendem a ser baixas e mais robustas, mais pesadas. 
No Senegal, um dos primeiros países da África Subsaariana, a aridez da terra, o calor, obriga o corpo a defender-se das altas temperaturas emanadas pelo solo. Numa adaptação fisiológica proporcionada ao longo de muitos milhares de anos, as pessoas fisicamente mais bem sucedidas foram as que se adaptaram a essas condicionantes de clima. Os órgãos vitais, como os pulmões e coração, são defendidos quando a altura física aumenta e os afasta do solo. Por isso são altos e magros.
A alimentação é muito pouco variada, e assenta sobretudo nas parcas possibilidades que o território oferece. O peixe é o alimento mais consumido, bem como os couscous. Alguma proteína animal, que advém do abate de ovelhas ou vacas. Não existem porcos, por ser proibido o seu consumo pelo Corão. Esta questão da proibição de consumo de suínos resulta seguramente de dados objectivos que ultrapassam em muito a mera questão religiosa. Se pensarmos que o porco é um animal muito apoquentado por doenças inflamatórias ou parasitárias, como a ténia, a triquinose, a cisticercose, a hepatite E, etc, e se as condições de o cozinhar nem sempre são as ideais,  se pensarmos que as viagens pelo interior duravam semanas, sem assistência médica, e o quanto é penoso para uma expedição de pessoas ter de se dividir, ou regressar ao ponto de partida, nada mais conveniente do que proibir…..  
Ao longo dos anos, sempre foram as religiões a definir aquilo que seria melhor para os seus “diocesanos”. E para elas próprias…..
De resto, não sobram dúvidas, lendo o Corão, sobre a vontade de Alá:

E não é admissível a crente algum nem a crente alguma – quando Allah e Seu Mensageiro decretam uma decisão -, que a escolha seja deles, por sua própria decisão. E quem desobedece a Allah e a Seu Mensageiro, com efeito, se descaminhará com evidente descaminho. [Sagrado Alcorão 33:36]
O dito dos crentes, quando convocados a Allah e a Seu Mensageiro, para que este julgue, entre eles, é, apenas, dizerem: “Ouvimos e obedecemos.” E esses são os bem-aventurados. [Sagrado Alcorão 24:51]

A resistência física desta gente é, posso dizer-vos, assombrosa. Os níveis médios de gordura corporal não excedem os 4 a 5% e têm características de persistência mental que os levam a aguentar as condições mais espartanas. Nascem num ambiente adverso, que os prepara para enfrentar dificuldades. Os mais fracos, invariavelmente morrem. 

Secos e altos. O meu amigo Cherif tem 1,90 mts de altura, e uma das suas filhas tem 1,85 com 13 anos….a sua mulher, Dior, tem 1,86 mts.


Recordo-me de um habitante local me contar que, embora existam tribunais, eles são muito menos utilizados que na Europa. Aquilo que é corrente é que alguém que cometa comprovadamente um crime, como furto, adultério, etc, é convidado a ir dar um passeio junto ao mar. Existem algumas falésias, e as pessoas caem. Quando isso acontece a alguns, todos os outros pensam duas vezes antes de arriscar a pele nas rochas afiadas. As aldeias vivem assim em paz, sem grandes cuidados em termos de segurança. 
Posso dizer-vos que as atravessei inúmeras vezes sozinho, a horas menos próprias, para ir pescar à noite, e nunca senti um mínimo sinal de insegurança. As portas das casas estão sempre abertas, hábito que na Europa perdemos há muito. 
Viajar por terras longínquas dá-nos uma visão a 360º que nos ajuda a entender o mundo. Também a nível da pesca, tentar outros peixes, outras técnicas, ajuda-nos a entender os nossos peixes e a melhorar aquilo que fazemos para os pescar.


Vítor Ganchinho



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