TEXTOS DE PESCA - GO Fishing: Factos e curiosidades de saídas de pesca (Brasil enjoado)

Faço-vos hoje o primeiro relato de situações ocorridas a bordo dos barcos GO Fishing. O que se pretende é apenas a descrição de factos pouco habituais, ou acontecimentos correntes, mas pouco “marinheiros”. Por total falta de interesse em ferir as susceptibilidades de alguém, serão por vezes omissos os nomes dos participantes e eventuais fotos de algumas situações. Noutros casos, não há sequer necessidade de qualquer reserva, pois são os próprios intervenientes que publicitam nas suas redes sociais as “peripécias” vividas, pelo que avançamos com tudo, aos pés juntos, …e sem medos. Vamos passar a publicar uma situação destas de quando em quando. Apertem os cintos!

Brasil enjoado

Dois ilustres turistas brasileiros resolveram sair connosco para a pesca. Um daqueles dias de vento com rajadas, nuvens baixas carregadas de água e mar encapelado, com espuma. Pergunta sacramental: “ Isto não está famoso, rapazes. Vocês querem mesmo ir?” _ Sim, vamos, isto para nós não é nada!...dizia o Evandro Rego. O seu colega, o Marcão, do alto dos seus 1,98 mts, jurava a pés juntos que era impossível enjoar, que um corpo com aquela musculatura não podia fraquejar, que aguentava tudo. 
Dois clientes que alugam um barco de 8 pessoas só para si, merecem todo o nosso esforço. Pois seja, lá fomos direito às pedras dos pargos. Na viagem, os brasileiros comentavam o facto de nós, portugueses, termos descoberto meio mundo, à vela, e eu ter colocado reticencias a fazer uma saída de mar, a uma hora do porto de Sesimbra, com um barco com dois motores de 200 HP. Pois sim. É certo e sabido que ninguém enjoa durante a viagem. O vento na cara durante a deslocação, a estabilidade do barco, etc, fazem milagres. Porque ambos recusaram os comprimidos para o enjoo oferecidos, senti-me respaldado relativamente ao que viesse a acontecer. 
 
Barco GO Fishing, com capacidade para 8 pescadores.


Chegados às pedras, ferro ao fundo e canas preparadas para a acção. O barco GO Fishing III balançava ao sabor das ondas altas, e a estabilidade a bordo era relativa. O vento nesse dia tinha previsão para aumentar, pelo que não se esperavam muitas melhoras, pelo contrário. Resolvi acelerar os procedimentos, de forma a garantir pelo menos os resultados mínimos. Nós fazemos regularmente almoços com parte do peixe pescado e o objectivo desse dia também era esse. Passei uma cana ao Evandro e coloquei isca na cana do Marcão. Olhou para mim com uns olhos meio mortiços, como que a adivinhar o que se iria seguir. Ensinei-o a levantar a alça do carreto e deixar ir o chumbo para baixo. Ficou a olhar para a montagem, que descia vertiginosamente para o fundo. Trocava os olhos como se fosse e não fosse estrábico. Agora era, agora não era. Os olhos rodavam para dentro, rodavam para fora. O chumbo chegou ao fundo, a 60 metros. Pensei que ele iria baixar a alça, e preparar-se para ferrar. Em vez disso, mudou a cor da pele para branco, abriu a mão e largou a cana para dentro de água. Eu já não consegui fazer nada, fui apanhado completamente desprevenido, e fiquei parado, de boca aberta, sem crer no que estava a ver. Colocou as duas mãos na amurada e lançou carga ao mar. Eram quase três dias de carga ao mar. Pedaços de laranja, pão, queijo, tudo misturadinho e bem compactado. Foi tudo. 
_Tem outra vara de pesca, cara?!....
Eu ter …até tinha, mas dado o estado do penitente, sugeri-lhe ficar na popa, a apanhar ar na cara, retirando o casaco grosso. Que não, que não queria ter frio, e que bom mesmo era ir-se deitar. Não era a melhor opção, mas cliente é cliente e manda, pelo que aceitei. 
 
É bom nem falar em comida a quem está enjoado. Mas para os outros….a mesa está sempre posta. 


O Evandro estava bem, sacou uns quantos pargos, e estava particularmente animado com o local de pesca. A sonda marcava peixe de bom tamanho no fundo, os pargos naquele local podem ser muito interessantes, acima dos 5 quilos. 
Deitado numa cama à proa, o Marcão lamentava-se de um “golpe de azar”, de algo que não devia ter acontecido: _ Sabe cara, eu já fiz um cruzeiro num paquete de uma semana, em Belo Horizonte,  e nunca enjoei. Isto só pode ter sido do suco da laranja misturada com o café…
Respondi-lhe dizendo que era muito normal aquilo acontecer. E que a má disposição iria voltar, passados alguns minutos, não mais de quinze. O que lhe fui dizer…
_ Ó jóia, você sabe quanto é que eu levanto de pesos lá na Academia? Não há ninguém em S. Paulo com a minha força! 

Visão panorâmica de um barco GO Fishing.


A verdade é que quando se debruçava da amura, o barco adornava um pouco, à conta dos seus 130 kgs. Tentei explicar-lhe que não era uma questão de força, que estas coisas têm a ver com habituação aos balanços, que tem a ver com os nossos sensores de equilíbrio, de erros de informação ao cérebro sobre a posição do corpo, e que é uma reacção orgânica muito corrente e normal. Continuou deitado. Daí a pouco, o Marcão irrompia fora do porão do barco como os touros aparecem nas ruas de Pamplona, nas festas de S. Firmin: completamente desembolado e em corrida acelerada. Meteu um pé dento de um balde que eu tinha colocado com água do mar, para lavarmos as mãos. Mais uma sessão de vomitar o que tinha e o que não tinha. 
_ Vocês querem ir embora? Perguntei eu, a antecipar a fase seguinte, enquanto o ajudava a desencravar o balde do pé. 
_ Vítor, o Marcão aguenta, ele é forte….dizia o Evandro, interessado em fazer mais uns peixes. 
Olhei pelo canto do olho para o brasileiro almareado. Estava deitado no poço do barco, a babar-se e a vomitar amarelo por cima do peito. A argamassa deslizava devagar para as calças. De olhos fechados, respirava pausadamente num sofrimento atroz. Saiam uns sons guturais da sua boca, e de quando em quando, mais um pouco de massa amarela escorria-lhe pelo pescoço abaixo. 

Duas camas, para quem quer ir para o pesqueiro a dormir, ou pelo menos a descansar.


Voltei a perguntar: Não querem mesmo ir embora?
_ Não Vitor, ele está bem. Olha aí, dá para o Marcão uma cerveja, que ele anima. 
Passei-lhe uma lata de cerveja que deu pelo menos para o brasileiro bochechar e lavar a boca do sabor amargo da bílis. Daí a poucos minutos, outra vez um ataque de vómitos, outra vez o Marcão aflito. Já só saia uma pasta amarelada e pouco mais. A má disposição tinha-o completamente prostrado, sem forças para sequer levantar a cabeça. Os olhos fechados a respiração ofegante, eram para mim sinais mais que evidentes que teria de tomar uma decisão. 

Os barcos GO Fishing, por razões de segurança de clientes e tripulação, são equipados com dois motores.


Resolvi levantar âncora, meter rumo a Sesimbra e tentar dar algum conforto ao nosso cliente de S. Paulo. Retornar a terra nestas situações é um carinho que se faz à pessoa que está mal, mas é uma facada no peito para quem está bem e a tirar peixe grande. Mas tem de ser, e o comandante do barco tem de gerir a situação pelos mais fracos, e não pelos mais fortes. O elo mais fraco tem de ser protegido. Normalmente o que fazemos nestas situações é devolver o pagamento aos restantes clientes, mas voltamos a terra. 

Mini–tornado junto a Setúbal, num dia pouco dado a pescas.


_ Marcão, por sua causa não fiz uma pescaria monstruosa hoje! Como é possível?! Dizia o Evandro, desconsolado. O colega brasileiro nem tinha forças para lhe responder. Daí a meia hora, já mesmo a poucas centenas de metros de chegar ao porto de Sesimbra, novamente o Evandro, lixado com o amigo, voltou à carga: 
_ Como é possível que você não tenha tomado as pilulas do enjoo, cara?!! A esta hora tínhamos uma caixa de pargos!!
Resposta do matulão, depois de olhar para a curta distância que faltava percorrer para entrarmos na Marina: 
_ Olha aí jóia, eu nem sei porque é que o piloto voltou para terra!....Por acaso eu estava mal?!! Eu estou aqui firme, gente!!


Vítor Ganchinho



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