TEXTOS DE PESCA - A influência dos ventos na pesca à linha

Sair ao mar na baía de Setúbal, Sesimbra, Sines, é estar do lado certo da pesca. 

A maior parte das pessoas reclama do facto de as águas estarem normalmente verdes, do facto de haver sempre alguma agitação marítima, e queixam-se de não haver muito peixe. 
Não me parece que tenham razão. É isso que vamos analisar hoje, com um especial enfoque na questão dos ventos que podemos ter nesta zona, e de que forma esses ventos alteram os resultados das nossas pescarias. 



Peço-vos que unam mentalmente estes três pontos: Setúbal, Sesimbra e Cabo Espichel. A linha recta obtida pela união destes três pontos é o primeiro lado do nosso triângulo. 
As praias a sul servem-nos de referência para um outro traço, com início no Sado, Comporta, Carvalhal e com términus em Sines. Temos assim o segundo lado do triângulo.  
Falta-nos apenas unir as pontas do Cabo Espichel a Sines, e obtemos o terceiro lado do triângulo. Sem dúvida, temos um triângulo rectângulo isósceles perfeitamente marcado. 

Com a imagem deste triângulo em mente, e sabendo que o vento dominante nesta zona é o Noroeste-Sudeste, ou seja, o vento que sopra da Ponta do Espichel para o Porto de Sines, é fácil entender onde vai parar a comida que entra na baía. 
Que comida é essa e que forças poderosas intervêm neste processo? Vamos ver os pequeninos detalhes, aqueles que fazem toda a diferença, porque pescar sem entender o porquê, …nunca. 

Teremos a considerar três grandes forças: a dinâmica de saída de água do Sado, o vento que cai da Serra da Arrábida e que ganha força encosta abaixo, provocando uma deslocação de massas de água de norte para sul, e aquilo a que os antigos chamavam de “garruaço”, um vento rasteiro que parte as cristas mais finas das ondas, provocando espuma, (vulgo “carneirinhos”…) e o vento que sopra a partir do Espichel, que acelera de Noroeste quando deixa de ter aquela barreira natural do Cabo a travá-lo. Teríamos ainda a considerar o facto de a Arrábida ser muito rochosa, e, nos meses mais quentes, promover o aquecimento do ar em contacto com a pedra quente, e com isso, provocar correntes de ar ascendentes. Porque não fica tudo em vácuo, esse espaço de ar quente que sobe é ocupado por ar mais frio que chega de baixo e dos lados, o que origina importantes deslocações de massas de ar, logo…vento. Vamos por partes, para entendermos o processo: 

Por um lado, a vazante do Sado põe fora o aluvião trazido pelos pequenos riachos, o arrasto de chuva, que traz um aporte de matéria orgânica precioso, para além de sais minerais importantes para o desenvolvimento das micro plantas marinhas básicas, o fitoplâncton. Estas microalgas unicelulares, capazes de realizar o processo de fotossíntese, constituem a base de uma cadeia alimentar importantíssima no nosso ecossistema marinho. Esta cadeia começa no sol, na riqueza de sais minerais, passa ao fitoplâncton, aos pequenos peixes que dele se alimentam, aos peixes maiores que comem esses peixes, vai aos predadores de maior porte, os tubarões anequins, as tintureiras, as corvinas, os meros, atuns, etc, e termina em nós, humanos superpredadores. 
Para aqueles que acham mal não termos águas sempre azuis e limpas, digo-lhes que fazem muito mal em pensar dessa forma. As águas limpas são águas com pouca vida em si, e ainda menos capacidade de suportar a criação de vida. A água pura é estéril, é apenas um elemento químico. A água do mar tem tudo o resto, aquilo que faz dela o meio reprodutor por excelência. E tudo começa nos sais minerais e nas pequenas microalgas. 
O fitoplâncton é importantíssimo, reproduz-se muito rapidamente, e isso é uma bênção para todos nós. Dadas as suas grandes concentrações na baía de Setúbal, este organismo marinho altera a cor da água do Sado, de castanho quase escuro para diversos tons de verde, de alaranjado a dourado barro. De tudo temos no nosso rio, por muitos apelidado de Rio Azul, mas que raramente nos aparece...azul. Dado que o fitoplâncton, a base vegetal, é por sua vez o caldo alimentar dos micro organismos primários, o zooplâncton, temos que a localização estratégica dos rios de Setúbal e Lisboa influenciam decisivamente o bom desempenho das comunidades de peixes que pescamos. 
Da abundância desta massa fito planctónica depende, no fim de tudo, o resultado das nossas pescarias. Muito fitoplâncton vegetal significa muita matéria para alimentar o zooplâncton animal, e daí advém a criação do pequeno peixe que o come. E atrás das nossas cavalas, peixe rei, sardinhas, carapaus, vêm os robalos, as corvinas, o peixe galo, os serras, os atuns, as tintureiras, etc. Também o fitoplâncton impulsiona a criação de bivalves, o mexilhão, a ameijoa, a ostra, as ameijolas, os perceves, as lapas, enfim, todos os filtradores. E no fim, estamos nós, para o bem e para o mal. Mas o fitoplâncton não se fica por aí: também é um fixador de gás carbónico na água do mar e por isso um dos grandes responsáveis pela captação de CO2 da atmosfera. Um poço de qualidades, este fitoplâncton!...


Vejam os riscos nas nuvens. Esta é a direcção que corresponde ao vento dominante, aqui perfeitamente marcada.

Temos muito no Sado e podemos atribuir-lhe a responsabilidade de ainda termos peixe, quando muitos outros sítios deixaram de o ter. Aquilo que gostaria que retivessem é que são os ventos, as correntes, as marés, os principais impulsionadores da distribuição de micro organismos que iniciam a cadeia trófica e fazem do nosso rio um dos melhores estuários do país para a criação de peixe. Se querem saber mais sobre o Sado, aí vai: 

É um rio que nasce a 230 metros de altitude, na Serra da Vigia, em Ourique, no Alentejo. Percorre 180 km para chegar à foz, numa linha imaginária que podemos situar entre a Península de Tróia e o Hospital do Outão, na Arrábida. É um dos poucos rios portugueses que nasce a sul e corre para norte. Corre, mas pouco. O Sado, dado que nasce a uma altitude relativamente baixa, não forma correntes fortes, e porque o Alentejo não é muito pródigo em chuva, também não ajuda em nada a grandes cheias. Mas, para aqueles que acham que o Tejo tem números superiores, pois aí vai: o Sado tem a maior bacia hidrográfica do país, com 7.692 k2 de área. Concretamente o Estuário tem uma área de 160 km2, o que possibilita algum campo de manobra para as nossas corvinas, na sua procura incessante de chocos e peixe miúdo. Dada a tremenda pressão de pesca exercida pelos pescadores sadinos, acaba por ser um milagre que estes fantásticos peixes consigam ainda reproduzir-se dentro do rio. Fazem-no porque o canal de entrada da água da maré é fundo, com perto de 50 metros junto à fábrica da Secil  e porque literalmente se situa na entrada e saída dos petroleiros que vêm à Lisnave, ou dos grandes navios de carga que transportam os carros da Auto Europa, por exemplo. Por esse motivo, porque não se conseguem colocar redes nessas zonas, ou seriam arrancadas pelos barcos, conseguimos ter corvinas e muitos outros peixes dentro do rio. 
Mas voltemos aos ventos, e à sua influência na pesca. Certamente já repararam que os rios portugueses têm uma característica muito particular: Todos têm rocha do lado direito e areia do lado esquerdo. Se quiserem, Cabo Raso, Cascais, Estoril, de um lado do Tejo e a Caparica e as suas praias do outro. No Sado, a Arrábida e o areal de Tróia, do outro. Ou seja, a água sai à foz e é empurrada para a esquerda, para sul. Os areais em frente à Arrábida também existem porque o ocasional vento Leste se encarrega disso, e a serra tapa e inibe a acção do vento dominante, o Noroeste.  
Quando saímos à foz do Sado, deparamos com uma enorme extensão de areia à esquerda, a qual aumentou significativamente aquando da construção do cais de carga da Auto-Europa. Para os mais distraídos, há 30 anos atrás, passava-se facilmente de barco junto ao bico de Tróia. E há 90 anos, a passagem dos barcos era feita onde hoje estão construídos os hotéis…havia um canal que permitia essa passagem, do rio ao mar, sem obrigar a uma saída à barra que está cada vez mais longe. Tudo é dinâmico, e daqui a uns anos certamente não será como o conhecemos hoje. Não sei se têm a noção, mas na enchente, quando as águas do Sado estão verdes à superfície, os dois primeiros metros junto ao fundo são regularmente de água muito limpa. É água vinda de fora, da água azul do oceano. Por razões que se pretendem com a diferença de temperaturas e a densidade da água salgada versus água salgada com água doce dissolvida, este fenómeno acontece. Por isso, quando alguém está a pescar ao choco em águas verdes, sujas à superfície, não tem de ter pena dos bichinhos, porque eles estão a ver muito bem a toneira, …estão em água lusa. 


As frias manhãs da costa de Tróia. As minhas preferidas para procurar o robalo que come ao amanhecer.

Em frente às vivendas do empreendimento da Soltróia, temos hoje um declive a pique, formado pelas areias que escoam do Sado, empurradas pela força da aguagem do rio. Num curto espaço, passa de 8 metros para 33 metros de profundidade. Todas essas toneladas de areia saíram do rio, e vêem para aquele local específico a partir dos ventos, das chuvas, do escoamento das ribeiras que desaguam no Sado. Esse declive a 45º graus em frente à Soltróia, tem uma enormidade de raias, que se posicionam de cabeça para cima e aproveitam a comida que vem com a vazante. Porque é mais difícil colocar aí redes, os linguados aproveitam também para colonizar essa zona. A natureza adapta-se sempre às nossas limitações, e explora-as até ao tutano! Eles só estão bem onde nós …não chegamos. 
Já que aqui estamos, gostaria ainda de referir o seguinte: os ventos que empurram a areia para a costa, são os ventos que sopram da costa para fora. E vice-versa, os ventos que retiram a areia das pedras são os ventos que sopram do largo para terra. Parece um contra-senso…mas explica-se desta forma: 
O vento offshore, da costa para o mar, empurra a camada de água superficial para longe, e isso obriga a um movimento de up-welling, que traz água dos fundos. É esse movimento de água ascendente que transporta consigo a areia que vai tapar as nossas pedras. É grão a grão, mas falamos de uma massa de água enorme e é o suficiente para tapar pedras com metros de altura. O contrário acontece quando o vento sopra do largo, em que a camada superior de água é empurrada para a praia, provocando um movimento rotativo inverso. Se alguém tiver vontade de aprofundar este tema, falaremos ainda do efeito de rotação da Terra, que vem complicar um pouco a equação, mas que ajuda ainda mais a explicar a questão das areias do lado esquerdo dos rios, a 90º. Para já, sai fora do âmbito deste trabalho simples ir tão fundo na questão. 
Um dia falaremos das estranhas e inacreditáveis viagens feitas pelos grãos de areia empurrados pelo vento Oeste na direcção das dunas das praias. Depois de terem saído empurrados na corrente, fazem assim o trajecto de volta ao interior do estuário, de jusante a montante mas desta vez saltando as dunas. Isto depois de terem feito o circuito ao contrário, …não deixa de ser extraordinário. Pouco a pouco, ano a ano, o mesmo grão de areia entra no Sado, sai do Sado, e sofre o desgaste da erosão, ficando cada vez mais pequeno, cada vez mais leve, e cada vez mais fácil de transportar pela força do vento. Fazer o acompanhamento de um grão de areia ao longo desse percurso, será seguramente um bom tema para um próximo trabalho. Aposto que vão ficar surpreendidos com o que tenho para vos dizer…



Estarão à espera que vos diga que vento é mais favorável para pescar nesta zona. Essa é uma resposta que não dou. A razão tem a ver com o seguinte: não há um vento melhor para tudo, há sim possibilidades de aproveitamento das condições de vento, para fazer isto ou aquilo. Em rigor, nenhum vento nos garante capturas, nem nenhum vento as inibe. Desde logo porque as técnicas são todas diferentes, não será o mesmo estar fundeado, ou fazer jigging. Acreditem que se é mau pescar com muito vento norte, não será melhor tentar fazer jigging num dia de ausência de vento, e com lua pequena. Porque para o jigging é muito útil que o barco se desloque, ainda que lentamente. Se o barco  está parado no mesmo sítio, …não funciona. Vento a mais é ruim, mas ausência de vento também o pode ser, depende sempre da técnica de pesca. 
Num contexto mais geral, aquilo que temos na baía de Setúbal é o seguinte: A água corre de norte para sul, fazendo turbulência na zona do Cabo Espichel. Mesmo quando tudo está calmo, na ponta do Cabo há sempre alguma agitação marítima. Tem a ver com as características dos fundos, que espartilham a água, obrigando-a a subir e a colidir com as rochas altas do Cabo. Há um efeito de ressaca, e a ondulação correspondente. A seguir, temos uma corrente que é impelida pelo vento noroeste, que traz água rica em nutrientes do Tejo, e que mais à frente se mistura com a água do Sado. Esta camada de água superficial é compensada por uma subida de águas profundas, por exemplo do Canhão de Setúbal que termina perto da Comporta, um falha na rocha que vem dos 850 metros de fundo, e dos fundões de Lisboa. Estas águas profundas estiveram em contacto com sedimentos marinhos, e estão impregnadas de compostos minerais essenciais à vida dos pequenos seres, conforme já vimos acima. Falamos de fosfatos, nitratos e silicatos. Estes sais, que não são muito abundantes em águas limpas, e são por isso azuis, felizmente são comuns na nossa zona. As nossas águas verdes estão carregadas deles, afortunadamente, e é por isso que temos tanta capacidade de criação de mexilhão e ostras, por exemplo. Em poucos meses, os cascos dos nossos barcos ficam cobertos, e obrigam-nos a gastar dinheiro em raspagens, em pinturas de fundo. Mas temos peixe, à conta disso. 



Gostava que tivessem a certeza de que estamos no sítio certo. Portugal é um país com recursos marinhos importantes, e a nossa zona é uma zona de excelência, garantidamente. Provavelmente irão ficar chocados com esta afirmação, mas felizmente temos temporais com alguma regularidade. Seria bem pior não os termos. A razão tem a ver com a explosão de vida que é provocada por estas alterações das condições de fundos, sobretudo aquilo que ocorre em águas mais rasas, que são servidas pelo rio Sado. Um temporal, com a sua agitação de águas, os seus ventos cruzados, o reboliço que tudo isso  significa, é uma oportunidade única de criar vida, de baralhar para dar de novo. É aí que tudo começa, quando os sais minerais se dissolvem na água, provocando um aparecimento de condições que não existiriam de outra forma. É aí que se renova a vida, que é desenterrada comida, os vermes arenícolas, os caranguejos, a navalha, etc, avidamente procurada pelo nosso peixe. Os dias que se sucedem a temporais, e assim que as condições de mar o permitem, são sempre bons para a pesca. Porque o peixe passou mal durante alguns dias e de repente tem aquilo que nós mais desejamos: fome. Mais que isso, muda os fundos, expõe a comida que estava enterrada, as minhocas, as ameijoas, e uma miríade de pequenos seres vivos que são o alimento dos nossos peixinhos. Mata esses animais e torna-os disponíveis. E isso basta para transformar os nossos dias de pesca rotineira em dias de excepção. 
Também os ventos fortes, quando somados aos efeitos das marés altas, potenciam a criação de condições excepcionais. Se temos uma lua grande, com uma proximidade muito grande à Terra, e o seu enorme poder de atracção de massas de água, e ao mesmo tempo temos uma maré alta, com um grande coeficiente, e ainda por cima temos o vento a soprar no sentido da corrente, estão criados os alicerces de uma tempestade perfeita. Um dia de pesca difícil, como costumamos dizer, “ de muita aguagem”. São os dias em que o pessoal da pesca vertical coloca as maiores chumbadas que tem, e…não chega. E provavelmente com um pé-de-galo de cimento, … não chegaria. 


Aiola sadina, na faina do choco, dentro do rio.

Também poderíamos analisar a questão da importância dos ventos nas diversas técnicas de pesca que podemos utilizar, em função das espécies procuradas. Não é igual pescar ao fundo, com águas tapadas, turvas, solicitando aos peixes que utilizem as suas linhas laterais para encontrar a comida, na circunstância o nosso anzol iscado, ou tentar pescar um robalo que procura na espuma a sua presa, à vista. Se temos vento, é natural que as águas fiquem um pouco mais tapadas, logo a visibilidade não é a ideal. Há que mudar. Aí, vamos ter de trabalhar com amostras que façam uma trepidação, ou vibração, como queiram, que seja acrescida em relação ao que seria utilizado com águas transparentes. Tudo faz sentido quando analisamos em detalhe todas estas variantes, e actuamos em função delas. Por vezes, as condições de mar são tão negativas que tornam uma técnica de pesca pouco ou nada produtiva. Sei que estão a pensar em águas revoltas, em águas sujas, opacas, com ondulação, com correntes. Mas eu já aqui no blog vos disse que os peixes não têm medo da água. Eu estava a pensar exactamente no sentido oposto: com águas muito calmas, transparentes, pescar vertical por exemplo, é muito menos produtivo. Porque o peixe passa a guiar-se mais pela vista. E isso joga contra nós, porque as nossas linhas são perfeitamente visíveis, obriga-nos a refinar as montagens. Já nem falo daqueles que tornam as baixadas autênticas árvores de Natal, com tantos acessórios pendurados. Nesses dias, os crossbeads, os destorcedores, os tubinhos coloridos, as missangas e missanguinhas, as linhas grossas, são tudo formas de afastar os peixes do nosso anzol. Por defeito, o peixe que tem fome, come. Mas há um factor que joga contra nós, que é a acalmia gerada quando o mar pára. O peixe tem menos oportunidades de encontrar comida nesses dias, porque ela está tapada, não se mostra, e fica amorfo, mais parado. Nestes dias o peixe sobe na coluna de água, não tem razões para se expor aos perigos de uma emboscada de um predador maior junto ao fundo, escondido nas rochas. É aquilo que vocês chamam de “peixe alvorado”. Se quiserem, fica mais desconfiado, porque ao mesmo tempo que se sente mais descoberto pela limpidez das águas, também passa a ter mais tempo para analisar aquilo que come. Quando o mar mexe, …não tem tempo para perguntas. 
Também podemos equacionar a questão da temperatura das águas. Não será igual termos ventos de sul, os quais nos trazem as nuvens, a chuva, e as temperaturas mais amenas, ou termos ventos de norte, frios, secos, que gelam a camada superficial da água, obrigando muitos seres vivos a baixar na coluna de água. Não são fenómenos de aplicação rápida, a água do mar tem uma enorme retenção térmica, leva meses a aquecer e meses a arrefecer no seu todo. Mas todos sabemos que uma geada forte deixa impraticável a pesca de superfície com amostras, por exemplo. Alguns tipos de peixe não podem estar ali, porque gastariam um horror de energia só para compensar a sua estabilidade térmica. Logo, afundam. Mais que isso, a sua comida afunda! E se não têm comida em cima, têm de a procurar onde ela está, abaixo. Para complicar o entendimento das coisas, há peixes que parecem imunes ao frio, e outros são de tal forma sensíveis que bastam um ou dois graus celsius para mudar o seu comportamento. E os peixes conseguem detectar diferenças de temperatura em décimas de grau! Se as safias e os robalos se sentem bem com águas geladas, os sargos veados odeiam-nas. Logo, também aqui temos diferenças. Quando faz vento frio, é de supor que devemos pescar mais fundo. Quando o vento gelado sopra, as camadas de água inferiores fazem contraste, ou seja, em comparação com a superfície mantêm a temperatura mais estável. Por vezes temos mesmo termoclinas, que inclusive, são detectadas pelas sondas, com traços horizontais longitudinais, ondulados. Quando faço caça submarina, consigo sentir na pele da cara e no tronco a diferença de temperatura entre as diversas camadas de água. Por efeito físico, a água mais fria tem tendência para descer. Esse espaço passa a ser ocupado por água que vem de baixo, mais estável, mais quente. Esse efeito de termoclina de que falei anteriormente é algo que está muito pouco estudado, sendo que seguramente terá influência directa no comportamento dos peixes, e consequentemente nos resultados das nossas pescarias. Os ventos têm esse efeito de mudar a temperatura das águas, sobretudo de águas rasas. E isso, para além de os deixar mais activos ou mais amorfos, também influenciará o metabolismo basal dos peixes, obrigando-os a comer mais ou menos, em função das necessidades calóricas imediatas. O princípio básico é: água mais fria obriga a maior dispêndio de energia. 
Um outro factor que gostaria que levassem em conta é o seguinte: se temos a água parada e azul, transparente, e o sol a pino, fará sentido que a quantidade de luz que chega ao fundo seja superior à que chegará num dia em que o mar está revolto à superfície, com as águas turvas, cheias de sedimentos levantados do fundo. Então é lógico que nesses dias de maior entrada de luz, com águas muito limpas, se pesque mais cedo, logo ao raiar do dia, ou ao entardecer, para aproveitar as possibilidades oferecidas pela menor visibilidade das nossas montagens. Podemos pelo menos pensar que são as primeiras e últimas horas do dia as mais favoráveis para a pesca. Certo?


Foto gentilmente cedida pelo meu amigo Jó Pinto. Tinha-lhe prometido encontrar o enquadramento ideal para a utilizar…

Também os ventos, e a sua mudança de direcção, influenciam a deslocação das massas de água. Logo, obrigam o fitoplâncton a mudar de localização geográfica. E isso obriga toda a sequência de comensais a aproximarem-se ou afastarem-se da costa. Teremos sempre de pensar que cada elo da cadeia não pode passar sem o outro. Se não há sardinhas na zona, ou qualquer outro peixe miúdo, não há quem coma as sardinhas, em suma, não vale a pena ir pescar aos robalos. 
Bom seria se tudo fosse assim tão simples: há condições pesca-se, não há, não vamos à pesca. Não temos tantos dias assim para poder escolher, e por isso somos forçados a ir mesmo sabendo que as condições podem não ser as melhores. Por azar nosso, o peixe guia-se por tantos factores que dificilmente se conseguem as melhores condições possíveis. E ainda bem! Felizmente para todos nós, não é possível pescar todos os peixes no mesmo dia. Vamos pescando, …uns dias mais e outros dias menos. Leiam por favor aquilo que escrevi anteriormente sobre a questão dos ciclos das marés. Vão ter de adicionar ao que aqui fica dito, aquilo que foi analisado anteriormente. Quem sabe mais, quem estuda e entende mais, pesca sempre mais. O resto é estar no sítio certo, à hora certa. E ter o equipamento de pesca certo. 

Estão a ver que tudo isto se interliga, e que faz sentido estudar todos estes diversos factores, antes de ir pescar, para sabermos o que estamos a fazer? 
É minha convicção de que, quanto mais pensarmos a pesca, …mais pescamos. 


Vítor Ganchinho



10 Comentários

  1. Viva Vítor,

    Este artigo está TOP!
    Muito elucidativo e didatico!

    Abraço.

    A. Duarte

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    Respostas
    1. Bom dia António!


      Obrigado pelo incentivo. Na verdade, nós temos muitas pessoas que lêem mas muito poucas que comentam. Nem que fosse para dizer muito mal, já era interessante receber alguns comentários....

      Nada desmotiva mais do que a indiferença. Nos últimos tempos nem tenho escrito nada, o estimulo não é muito. De qualquer forma estou a guardar informação e fotos para o Inverno, para quando não se pode sair mesmo à água. Para os tais dias de 6 metros de ondas....

      Manter um blog com um mínimo de um texto por dia significa um empenhamento total, dá muito trabalho, e quando não temos qualquer eco daquilo que fazemos, acaba por desmotivar. Se alguém não compreender, pode tentar fazer isto, escreve todos os dias e vai ver que ao fim de 400 ou 500 artigos chega à conclusão que mais vale estar quieto...


      Abraço!
      Vitor

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  2. Vítor,

    Apesar dos poucos comentários, tenho a certeza que os seus artigos e relatos não passam indiferentes a quem os lê! Disso tenho eu testemunhas.
    Uma das situações que inicialmente me suscitou intriga, foi realmente a sua disponibilidade e predisposição de escrever todos os dias um artigo e ainda bem que assim acontece.

    Do pouco que o conheço, é bastante notório a sua enorme paixão pela pesca e tudo que a envolve directa e indirectamente.

    Espero que se mantenha por muitos e bons anos, tanto este blog como a sua predisposição em ajudar e partilhar os seus conhecimentos.

    Abraço!

    A. Duarte

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  3. Simplesmente delicioso. Grande abraço

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  4. Um dos melhores artigos que já alguma vez li. Aprendi muito com este post, muito obrigado!

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  5. Para que não lhe restem duvidas leio com entusiasmo e toda a atenção todos os eus artigos, limito-me
    a clicar em gosto, porque senão terei que comentar o mesmo GOSTO e muito.
    Ao longo do tempo, já através da sua magnifica escrita, viajei por sítios que jamais viajaria doutra forma, o que tenho aprendido sobre o Sado e outros Rios e Mares é tanto e tão profundo que fico mesmo sem palavras.
    Comentar algo que á partida nos encanta, é que não é nada fácil, mas leitores fiéis acredito que o seu BLOG tem e muitos.
    Que o dom da escrita que só toca alguns o acompanhe durante muitos e longos Anos.
    Forte Abraço, Vitor.

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    Respostas
    1. Bom dia Carlos Silva

      Vou procurar estar à altura da qualidade dos leitores que tenho. A ideia é procurar lançar cá para fora algo que tenha ficado de 51 anos de pesca que, nalguns momentos, chega a ser muito intensiva. Estou a sair 3/ 4 dias por semana....

      Vamos ter de sair para uma jornada de pesca, porque tenho um sitio onde gostava de o levar. Está feito à sua medida. É daqueles sítios onde só vale a pena levar pessoas que saibam apreciar o que vão ver. Quando temos uma zona de pesca muito boa, o mais difícil é ser capaz de fazer a gestão, não massacrar demais, nem deixar de usufruir. Fazer esse equilíbrio não é simples de todo. Ontem passei lá com o Zé Freire. Não me pergunte por que razão ele decidiu pescar com a embraiagem do carreto completamente aberta. Um peixe muito grande deu um arranque e passou pelo cabo da ancora. Sim, tive de tirar os anzóis do cabo com um alicate....
      A cana do Zé ficou com a ponteira colada ao cabo, mas o peixe foi para onde quis, e ...partiu.


      Nem chega a ser azar....

      Abraço
      VItor

      Eliminar
  6. Obrigado pela atenção da resposta, e também por se lembrar de mim para uma jornada, que, como tantas outras, será naturalmente de exceção.
    Quanto ao nosso Amigo Zé Freire, fica uma história para contar, que como diz o Povo, histórias de Pescador....
    Abraço Vitor

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