Aqueles que têm a sorte de ter uma esposa como a minha, …(sorte, enfim, também procurei bem….!)…só têm de dar graças aos céus pela bênção que têm.
Depois de vinte anos de martírio conjugal, nem me perguntem como ainda consigo estar casado. A Lena já me pediu o divórcio por justa causa umas vinte vezes, e admito que seria para ela um alívio mais que merecido.
Penso que ela encara o nosso matrimónio numa perspectiva de penitência: em vez de se chicotear ou ir a Fátima de joelhos, aceita estar casada comigo. A moça tem o céu garantido.
Pela minha perspectiva, estou bem e não mudo. Esta coisa de acordar às 5.30h da manhã para ir à pesca e ter o pequeno-almoço preparado, o lanchinho feito, tem que se lhe diga.
E ainda por cima cozinha, e bem, as bugigangas que eu ainda sou capaz de pescar.
Desta vez, e mercê de um cozinhado de safio como só ela e todo o pessoal da Internet sabe fazer, acabei por me ver metido em trabalhos. Lancei-lhe o desafio de fazer as postas de safio à moda da mãe dela, com tomate, e a resposta dela foi:
_ E o que é que eu ganho com isso?...
_ Se sair a preceito, …levo-te às Maldivas.
Eu disse aquilo na brincadeira, vocês sabem que nós temos sempre de lhes dar um estimulo para não desistirem de nós, nem de cozinhar bem, mas elas são lixadas para andar de cu tremido nos aviões, ….e levou aquilo mesmo a sério.
Lá tive de gramar a estopada de carregar com a família até ao outro lado do mundo, para fazer o que podemos fazer perfeitamente aqui em Tróia, e a gastar uma pipa de massa que nem um cavalo a pula, dinheiro esse que podia muito bem ter sido aplicado em canas e carretos da Daiwa.
Fui, mas com relutância e má cara, e amaldiçoando a minha sina. Para não ser apenas eu a carregar a cruz às costas, pedi ajuda ao meu amigo Raúl Gil Durá, um valenciano que se pela por ir à pesca, nem que seja ir à ameijoa com jigs.
Depois de dois dias no Dubai, a recuperar forças de um voo de 7 horas, ei-los a caminho do Club Med de Kani. Para a família viriam a ser férias interessantes, o local está bem situado, seria estranho era ser parecido com os esgotos do rio Trancão, mas para quem faz da pesca a sua razão de ir a qualquer lado, veio a revelar-se uma tragédia.
Tudo estava preparado para ser um sucesso, como todas as férias que são planeadas a rigor. O barco estava contratado, os valores acordados, o material de pesca seria o meu, e o Raúl Gil estava todo feito à ideia de pescar uns peixões grandes, para a foto. Acontece que não levámos em consideração que os Club Med são basicamente lugares onde hoje se tenta esmifrar o cliente ao máximo, dê por onde der. À partida, é tudo facilidades, está tudo incluído. A seguir, e depois de chegarmos lá, as coisas mudam muito de figura, porque o que temos é o básico, e tudo o resto que aparece nas fotografias, afinal é pago e bem pago. E começou aí a desgraça que vos vou contar.
O barqueiro, que tinha tudo controlado, que sabia tudo, afinal não tinha permissão para atracar o barquinho no pontão do clube na ilha de Kanifinolhu. Não podíamos então sair da ilha, porque o barco não nos podia levantar em lado nenhum. Fora de questão eu estar a nadar para fora da ilha com o equipamento todo, para ser “salvo” ao largo. Fiquei agarrado, sem barco, de uma penada. A seguir, fui falar com as pessoas do Clube, e fiz-lhes ver o quanto seria conveniente eles colaborarem, para manter o meu sorriso de pagante feliz. Que iam ver o que se podia fazer…
A resposta de um tal de Alex veio sem anestesia: “ Podemos levá-lo à pesca, durante três horas, tempo de ida e volta incluído. O custo normal são 3600 euros, mas entendendo que ficou sem o seu barco anteriormente apalavrado, vamos fazer uma atenção e cobrar apenas 800 euros, por pessoa”…
Nem sei como me contive e não lhe dei um abraço de felicidade! Vale sempre a pena ter amigos. Uma saída de pesca de três horas a 800 euros por pessoa, francamente não estava à espera. Uns pacholas, estes amigalhaços!...
Comecei de imediato a ver que alternativas teria de me safar dali, de poder pescar sem ter de pensar em vender a casa de Palmela. Alterar as passagens significava ter de pagar mais uns 5000 euros, fazer o percurso da ilha para a cidade, uma vez que o Club Med, (que não tem barcos e os aluga aos serviços de boat charter locais, cobrando o valor que tem de lhes pagar x 2…!), custaria cerca de 400 euros por pessoa/ dia. Ou seja, se de um lado fazia chuva, do outro lado fazia vento forte. E o peixe lá fora, inacessível, porque passar os recifes era impossível de todo. Senti-me prisioneiro numa ilha, senti-me no lugar de Clint Weastwood, no seu enorme papel em “Fuga de Alcatraz”. Como sair dali?...
Não havia forma. E assim sendo, restavam duas opções: cortar os pulsos e esvair-me em sangue, ou pescar de costa. Embora inclinado para ir à procura de uma faca afiada, acabei por concordar com o Raúl, e fomos pescar de costa, os dois.
Para quem ia preparado para os GT`s, enormes xaréus com cara de buldogues que fazem força a valer, foi uma decepção pegar na cana de spinning ligeiro que levei por mero descargo de consciência. Felizmente meti na mala meia dúzia de amostras de vinil, e uns jigs mais ligeiros. Viriam a revelar-se providenciais.
Estes são os meninos que andam nos recifes, à volta das ilhas. |
Zonas fundas junto às ilhas, não há. As ilhas são formadas por areia branca, basicamente coral moído pelos peixes, e as poucas pedras que existem foram transportadas de longe. As ilhas têm uma altura máxima de pouco mais de 1 metro, são planas. Há peixe, sobretudo peixe pequeno, que está acostumado a ser apoquentado pelos veraneantes, de máscara e tubo, e pouco habituado a ser pescado. As picadas são francas, com vontade, e o peixe está treinado a nadar contra a corrente, tem força.
Não se torna difícil entender que um pesqueiro com corais à superfície é uma armadilha para amostras. Mas quando se pesca com 40 cm de água, tudo é possível, até ir desencalhar a amostra e continuar a pescar. A princípio tentei fazê-lo com muito cuidado, depois entendi que toda a ilha já foi passada antes por “patas-de-urso” de turistas gordos e o coral acessível até à altura do peito está literalmente morto e espezinhado. Na maré cheia conseguíamos ver uns peixes mais interessantes, mas acabámos por não passar os exemplares de 3 kgs.
Os omnipresentes tubarões de pontas pretas pululam por todo o lado, gozando um estatuto de espécie protegida. À noite, exemplares até cerca de um metro passam a poucos centímetros da praia, e com a barbatana dorsal fora de água. Algo que o Club Med não publicita por nada deste mundo, por recear que possa ser má publicidade para quem leva os filhos pequenos. Na verdade, são absolutamente inofensivos. Entraram bem aos vinis e aos jigs, desde que lançados a preceito, a pouca distância da sua cabeça. Nuvens de pequenos xaréus patrulham a costa, engolindo alegremente os pequenos peixes que nadam em cardume. Dentro dos corais, é possível ver os “Nemos” às riscas e as “Doris” andam por todo o lado. As águas limpas permitem um snorkling de qualidade, para toda a família. O problema não é o sítio, é sim o aproveitamento comercial constante que se faz do sítio, onde nos sentimos permanentemente alvo de uma caça ao dinheiro que chega a ser exasperante.
Não fosse a pouca apetência que tenho para fazer praia como um britânico no Algarve, e ter-me-ia sentido bem, as temperaturas são agradáveis, a comida, sem ser espectacular, e por influência da proximidade com a Índia, e as suas especiarias, embora canse ao fim de uns dias, também marcha. Apenas faltou o peixe grosso, que sabíamos estar a poucos minutos de nós. Mas pagar 800 euros por duas horas de pesca efectiva é algo que só farei se um dia me dedicar a essa coisa de querer curar a sinusite e rinite alérgica snifando cocaína. Só por cima do meu cadáver!
Mil vezes ter ficado no Dubai, onde também se pesca, sem problemas nenhuns. E onde a pesca é vivamente promovida, como uma actividade de lazer.
À saída de Kani, e perante o sorriso comercial da equipa do Club Med, e o convite para voltar em breve, ….respondi-lhes : “ Vão levar no …traseiro”!!!
Vítor Ganchinho