Por vezes, um pequeno detalhe pode querer dizer muito. E pode despoletar um conjunto de acontecimentos muito interessantes.
Saí com os meus amigos Gustavo Garcia e Carlos Campos ao mar, num dia de Agosto que prometia peixe. O mar, com água limpa, estava como quase todos nós gostamos dele, a marcar peixe na sonda, calmo. Confesso que um pouco de mexida não me faz mal nenhum, prefiro águas com um toque, com alguma corrente, porque sei que o peixe precisa disso para caçar, para ter condições para se alimentar sem esforço. Haver corrente significa ter peixe a procurar comida.
Saímos de Setúbal e rumámos a sul. Logo à saída da barra, comecei a detectar manchas de peixe na sonda. Havia peixe junto ao fundo em profundidades na ordem dos 20 a 30 metros e as bolas de peixe tinham dimensão. Resolvi parar e averiguar o que era. Mandámos jigs para baixo e o Garcia ferrou algo que se debatia mas não era o Mike Tyson, nem nada parecido. À superficie, um pequeno peixe que não teve sequer direito a um segundo piscar de olhos por parte do meu amigo. Por ele, era deitar à água e ponto final. Mas eu pedi-lhe o peixe por alguns segundos.
Fotografei-o, e então sim, fiz a devolução do pobre peixinho à água.
Tinha razão em não o querer deitar fora. Não era um peixe qualquer, era um Serranus Hepatus, um pequeno mero do Mediterrâneo, que em caso algum deveria ter sido pescado em Setúbal.
Nestes casos, a minha curiosidade natural é espicaçada e procuro saber mais. Enquanto as peças não encaixarem todas no puzzle, não vale a pena tentar descansar porque não consigo.
Guardei a informação e aqui têm algumas linhas sobre este concorrente ao habitat da nossa conhecida garoupinha, a Serranus Cabrilla que todos conhecemos. Ei-la:
Voltando ao estranho peixe. Na verdade, trata-se de uma jóia da coroa da comida francesa mediterrânica. Não é um peixe caro, mas é um peixe com história, com algo mais para dizer.
Não pelo tamanho, que é ridiculo, os maiores exemplares não passam as 250 gramas, sendo habitual o tamanho de 100 gr, mas que é a base de um prato tradicional da gastronomia francesa, e mais concretamente da zona de Marselha.
Para que tenham uma ideia da “tiragem” deste peixe, os franceses importam-nas de onde for preciso para continuar a fazer a sua “bouillabaisse”.
Este bonito peixe apresenta bandas escuras sobre um fundo de cor creme, e pode ter duas a seis faixas laterais escuras. Não são todos iguais. Um pouco como as nossas saimas.
Tratando-se de um peixe que habita fundos de areia ou vasa, raramente ultrapassa os 100 metros de fundo. Em termos de comportamento não será muito diferente da nossa garoupinha. Ataca pequenos peixes, crustáceos, poliquetas e pequenos moluscos.
São estes ingredientes que lhe dão um sabor de carne semi-gorda, rica em ácidos gordos poliinsaturados, ómega 3, de um sabor incrível. Como de costume, não são peixe de mercado. Desde logo porque falamos de um peixinho de meio palmo de comprimento.
Mas isso não quer dizer que não seja o rei dos bares e restaurantes, que o servem como petisco. E vai de toda a maneira e feitio, grelhado na chapa, com maionese, com piri-piri, assado dentro de papelotes de papel prateado, frito….
Os franceses perdem a cabeça por eles.
Garcia, para a próxima vez que virmos uma bandada de material deste a correr pelo fundo, paramos 15 minutinhos, ok?...
Vítor Ganchinho