TEXTOS DE PESCA - O que comem os nossos peixes?

Por vezes sou confrontado com este tipo de questão: “ Estou saturado de tentar pescar à vertical, ao pica-pica! Não consigo fazer peixes de excepção, apenas me saem miudezas, é de uma monotonia absurda e levo o dia aborrecido com tanta picada e tão pouco peixe ferrado com tamanho. Quero livrar-me disto, quero comprar um equipamento completo: cana e carreto e linha, e alguns jigs para pescar as pedras onde sei que há peixe, mas que não me pica de maneira nenhuma. Para base da minha colecção de jigs, que cor, ou cores, devo escolher?”…

Em rigor, existem várias respostas válidas para esta pergunta, e todas certas. Depende muito do tipo de pedras que se vão pescar, a sua localização, a sua profundidade, a altura do ano. 

Não será igual pescar a 25 metros, ou a 250 metros…também não é igual pescar ao pargo ou ao robalo, por exemplo, ou utilizar jigs compridos e finos, ou mais bojudos e curtos. E depois temos …as cores. 

Parece-nos consensual que devemos aproximar-nos o mais possível das cores das presas habituais dos nossos predadores. Já aqui vimos anteriormente a questão olhos/ cores relativamente a esses mesmos predadores, ver textos anteriores. Mas só as cores não são tudo, e o que não falta por aí são situações em que um peixe se deixa enganar por cores que não existem de todo no seu meio ambiente. Como explicar isso? Como chegar à forma, tamanho e cor certas para comprar um jig?

Antes de chegarmos ao fim da questão, convém pensar um pouco no seguinte: o peixe não tem a mesma disponibilidade física e actividade ao longo dos doze meses do ano. Será natural que as águas mais quentes do Verão promovam uma actividade mais explosiva, e que os peixes se sintam mais capacitados para atacar presas maiores e mais rápidas. E o oposto, no Inverno, inicio da Primavera, em que as águas descem a temperaturas mais baixas, deixando os nossos peixes numa letargia pronunciada, como que “congelados”. Nesta altura, eu obtenho muito melhores resultados com jigs mais pequenos. É o tempo de jigs mais curtos e mais largos, digamos que mais achatados, e sobretudo mais leves. Este é o momento de pescar ligeiro, mais lento, mais junto ao fundo, e com isso provocar as picadas dos peixes que estão emboscados, à espreita, ou a caçar mais activamente nas imediações do nosso jig. Falamos dos meses de Fevereiro, Março e Abril. 

Quero dizer-vos, e de uma forma muito clara: relativamente a tamanhos, …um robalo de seis quilos come facilmente uma tainha de 1 quilo de peso! Engolem-nas vivas e inteiras! Nunca tenham pena deles, e não pensem que apenas as amostrazinhas pequenas poderão vir a ser atacadas. Claro que não há mais robalos de seis quilos do que robalos de 1 quilo, e por isso, mais vale atirar para a média e não para a excepção. Os fabricantes de material levam isso em conta. 

Um detalhe que me parece importante é o seguinte: As temperaturas mais baixas das águas e a ausência de sol não promovem a criação de fitoplâncton como acontece no Verão. Por isso temos águas mais transparentes e limpas no Inverno do que no Verão, onde os tons de verde são mais comuns. Basta que não chova durante alguns dias, que não entrem nos estuários águas enlameadas dos rios, e acontecem águas que podem chegar aos vinte metros de visibilidade no fundo. Aí, a escolha por cores naturais é um imperativo. E que cores são essas? Falamos dos cinzas, azuis, verdes e prateados. No fundo, as comuns cores dos nossos peixes de cardume. Já os conhecemos a todos, mas é de bom-tom darmos uma vista de olhos. 


A SARDINHA


E começamos pela nossa querida sardinha, um peixe que nasceu para ser uma estrela: todos a querem!

Estes cinzas mesclados de manchas amarelas e brilhos são uma mistura explosiva para os nossos predadores. Penso que a fabricação de amostras irá evoluir nos próximos anos, no sentido de nos dotar de melhores argumentos no que à imitação de sardinha diz respeito. Embora já existam muitos fabricantes japoneses atentos a este “fenómeno de popularidade” que é a nossa sardinha, muito há ainda a fazer. Vão chegar imitações mais perfeitas, sem dúvida. 

A sardinha tem tudo de bom: proteína, gordura, aminoácidos, tamanho certo, facilidade de captura, grande quantidade, disponibilidade, presença firme ao longo do ano, baixa capacidade de defesa, poucas arestas, etc. Está feita para ser comida. 

E foram! Estas que vêem acima, foram o meu almoço e o da Lena, logo a seguir à foto…


A CAVALA


Passamos às cavalas, esse parente miniatura dos tunídeos, e que parece ter nascido para ser um saco de pancadas de todos os outros. É um peixe muito abundante, diria que cada vez mais abundante. 

A cavala, por não ter valor comercial, (os preços em lota são ridículos), de certa forma vem substituir a sardinha, a braços com problemas de excesso de pressão dos pescadores de cerco profissionais. A atribuição de quotas à sardinha resulta da nossa insensibilidade à sua capacidade de reprodução e sustentabilidade. Como em tudo aquilo em que tocamos, acabamos por estragar por uma ganância desmedida. Não temos enquanto seres vivos qualquer problema em esgotar os recursos de uma espécie, desde que isso nos dê dinheiro. 

Quando se chega ao ponto de capturar milhares de toneladas de peixe forragem miúdo, para fazer ração para alimentar gado e outros animais, está tudo dito. Acabamos com a riqueza que as nossas águas ainda têm em nome do hoje, sem cuidar do amanhã. Mas adiante, falemos de cavalas, uma espécie que, a despeito do seu enorme valor culinário, das suas propriedades proteicas e de Ómega 3, etc, é de difícil conservação, exigindo um consumo em fresco, que acaba por lhe retirar valor comercial. Temos cada vez mais, e parece-me que os habitats que a sardinha ocupava, estão a ser, aos poucos, colonizados por este escombrídeo, que faz de facto falta ao nosso mar. 

As discretas e neutras cores das cavalas, adaptadas às nossas águas, por vezes azuis e por vezes verdes. 

Cavalas na sua infindável faina de filtrar água para absorver matéria em suspensão. Os cardumes são constituídos por muitas centenas ou milhares de indivíduos. 

Já aqui vimos que no fundo, as cores não nos aparecem como se apresentam à superfície. Os casos mais evidentes são os dos peixes que fazem do vermelho a sua cor de eleição: trata-se da primeira cor a desaparecer no espectro de cores, à medida que se desce nas profundidades. E o azul a última. As cores glow, se quiserem uma tradução ligeira e um pouco forçada, as cores fluorescentes, brilhantes no escuro, começam a fazer sentido em cotas onde efectivamente esse efeito se faça notar. Há inúmeros organismos marinhos que emitem cores bioluminescentes, ou para se fazerem ver pelos seus pares, ou por processos de reprodução, caça, etc. Um caso muito conhecido, o do tamboril, Lophius Piscatorious, é muito curioso. Este peixe tem um apêndice carnudo e luminoso, quase no formato de uma cana de pesca e que é afinal um prolongamento da sua barbatana dorsal, o qual agita como se fora um pequeno peixe ou organismo vivo. Os peixes aproximam-se da sua enorme boca e são literalmente engolidos pelo tamboril, o qual pode chegar a comprimentos de 1,70 mts! Mas se acham isto engenhoso e estranho, e é na verdade, então espantem-se com isto: o tamboril tem um processo reprodutivo que é espantoso! As fêmeas, quando receptivas a reproduzir, largam na água feromonas que são detectadas pelo macho. Quando se encontram, o macho crava os seus dentes na pele da fêmea e não larga. As peles de ambos começam então um processo de fusão, e ficam coladas. Os vasos sanguíneos de ambos crescem de forma comum, e a fêmea passa a fazer circular o seu sangue para o corpo do macho. Nessa altura, o macho começa a perder os seus membros, as barbatanas, cauda, etc, ficando a ser apenas um saco de esperma exterior. No momento certo, a fêmea liberta os óvulos e o pedaço de “macho” que resta liberta o seu esperma de forma a fazer uma massa gelatinosa que os envolve, e posteriormente  incorpora. E dá-se a subida à superfície, passando a fazer parte da matéria orgânica que os peixes pelágicos comem, e que nós não conseguimos ver. Passo-vos acima uma foto em que podem ver as cavalas a abrir a boca, e a filtrar litros e litros de água. Elas comem essas ovas transparentes! As que escapam serão os tamboris de amanhã, e o processo repete-se. É ou não engenhoso?


O CARAPAU


E os carapaus. Trata-se de um carangídeo, nome cientifico “trachurus trachurus”, um peixe também conhecido por chicharro, e que existe em grande quantidade. Cresce, segundo os livros, até aos 40 cm mas eu posso assegurar-vos que este número é bastante conservador. O meu amigo José Vilarinho capturou um ao mergulho, a tiro, na Pedra da Galé, ao largo da Carrapateira, que teria pelo menos 60 cm….!

Existem diversas espécies, sendo comuns na nossa zona os carapaus “manteiga”, mais claros, de cor verde clara, mais brancos, se quiserem e os negrões, ou carapau azulão, muito mais escuros. 

Há zonas mais querençudas para uns, outras para outros, não sendo impossível fazer capturas mistas no mesmo pesqueiro. Mas normalmente evoluem em cardumes separados, sendo particularmente agressivos para com as nossas iscas. Não há batimétricas exclusivas para este ou aquele tamanho, podem fazer-se carapaus enormes a poucos metros, 8 ou 10, e carapaus pequenos a profundidades na casa dos 150 metros de fundo. 

São uma presa comum no estômago dos nossos pargos, dos safios, atuns serras, abróteas, etc. Os peixes galos adoram-nos, e caçam-nos de emboscada. 


Todo este tipo de peixes de que vos falo acima, é tido como sendo peixe de segunda categoria, não merecendo de todo esta desvalorização. Trata-se da base visível da nossa cadeia alimentar, esquecendo o fito e zooplâncton, não visíveis a olho nu para nós. E tem preços em lota que chegam a …0.07 euros/ kg, o que não deixa de ser ridículo, para peixe que muitas vezes chega, nos mercados e supermercados, ao consumidor final a 10 e 12 euros o quilo.   

Os nossos predadores marinhos agradecem a nossa indiferença, e aparecem cada vez mais próximos da costa, a atacar forte nestes imensos cardumes. Tenho vindo a detectar cada vez mais junto aos cardumes de cavala, sardinha e carapaus, predadores como as tintureiras, as baleias, os golfinhos, e há dois anos, as orcas. De resto temos mesmo um filme muito interessante com estas últimas, o qual vos posso passar aqui, caso tenham interesse. As quatro orcas passaram a menos de um metro do nosso barco. 


Voltando à questão das cores das amostras e dos jigs, parece-me evidente que apresentar cores naturais, sempre que isso nos é possível, faz sentido. Quando temos águas tapadas, verdes, castanhas, com algas em suspensão, etc, será então conveniente a utilização de amostras com cores mais vivas, mais chamativas, se quiserem, mais contrastantes. Como principio básico, este sistema funciona. A seguir, é a nossa crença, o nosso acreditar e sobretudo a quantidade de tempo de utilização, aquilo que fará a diferença. As amostras que nunca utilizamos em circunstância alguma, e que guardamos na caixa sem saber para quê, pescam menos peixe do que aquelas que utilizamos sempre…


Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. Bom dia Vítor,

    Mais um artigo de excelência!
    Seguindo o raciocínio deste artigo, podemos afirmar que se tiver-mos apenas amostras com as cores e tons que imitam as nossas cavalas, sardinhas e carapaus, temos reunido o mínimo e necessário na nossa caixa de amostras, para prosseguir com as nossas faina?!

    Em caso afirmativo, para que servem as cores rosas, laranjas e por aí fora?!

    Desconhecia esse fantástico processo de reprodução do Tamboril!
    A mãe natureza é realmente única e de tudo cuida!

    Grande abraço!

    A. Duarte

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    Respostas
    1. Boa tarde António


      Nós tendemos a querer humanizar os outros seres e temos uma enorme dificuldade em aceitar que outros têm outras formas de ver e sentir. Não vemos todos as cores da mesma forma. Ler o artigo anterior sobre cores, pode ser importante para ajudar a esclarecer.

      De qualquer forma não entenda estas indicações como uma forma absoluta de ver esta questão. Não aceite que lhe digam " ...ou é com esta amostra, ou não se pesca". Por volta dos anos 60 do século passado, faziam-se pescarias de robalos, corvinas, atuns e pargos utilizando jigs feitos de chumbo a envolver a haste de um anzol grande. Basicamente era algo comprido, com peso, que chagava lá abaixo. O " lá abaixo" era a Pedra do Barril, em Tavira, a cerca de 36/ 40 metros. Eu tenho fotocópias de fotos de pescarias de 400 kgs de peixe feitos por duas pessoas, com esses jigs. Pargos de 17 kgs, robalos de 9 kgs, corvinas de 50 kgs. E quando o chumbo oxidava, raspava-se no chão, e pescava outra vez, ....porque brilhava. Hoje temos estas "mordomias" dos jigs bonitos, mas não temos peixe. Se tiver interesse para si, posso escrever sobre isso. Diga-me algo.

      Em resumo, depende sempre das águas, que podem ter tonalidades muito diferentes de dia para dia, ter ou não ter sedimentos em suspensão, e também da quantidade de luz que está disponível. Não é igual pescar às 6.00h da manhã, ou às 14.00h da tarde. Mas se quiser podemos concordar que a melhor forma de provocar os ataques dos predadores é utilizar as cores daquilo que eles estão a comer. E os nossos carapaus, sardinhas e cavalas são sacos de pancada para tudo o que morde. Por isso se reproduzem aos milhões....

      Mas não tenha pena delas, as cavalas que vê em cardumes à superfície estão a comer as ovas em estado larvar dos predadores, os tais que as irão atacar posteriormente...

      Se não fossemos nós, que alteramos tudo com a nossa ganância pelo lucro, o equilíbrio dos ecossistemas seria perfeito. Nós conseguimos pescar toneladas de peixinhos destes, cavalinhas, carapaus, sardinha, e a seguir, porque não tem a medida mínima para apresentar em lota, ou porque não se vendeu, lançamos tudo à água novamente, mas mortos.

      Somos uma lástima, enquanto espécie....



      Abraço!
      Vitor

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    2. Vito,

      Agradecia imenso a sua ajuda não só com o tema das cores das nossas amostras em ação de pesca, mas como também na forma e dimensão das mesmas.
      Acho que para quem se inicia na modalidade de pesca com artificias, esse é um tema fundamental para obter uma maior taxa de sucesso.

      Como regra geral e do que tenho lido, a zona fótica em oceano aberto atinge em média 100 metros de profundidade, sendo que em águas mais claras (zonas tropicais) essa camada pode atingir os 600 metros.
      Em zonas junto à costa a luz penetra aproximadamente 40 metros, sendo que as zonas de estuários tem uma influencia directa nessas contas.

      É importante saber como funciona o espectro de luz e todas as ponderáveis que a influencia, sabendo assim o que usar para cada situação.

      Muito obrigado uma vez mais!

      Abraço,

      A. Duarte

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    3. Boa tarde António Duarte



      Podemos dar uma vista de olhos nisso. De resto ontem ligaram-me da SIC a pedir para lhes escrever um texto sobre a pesca com jigs à noite. Vou ligar tudo.
      Não esqueça de ler o artigo publicado anteriormente sobre a questão das cores.

      Vou ter agora uma data de saídas de mar, com pessoal de cá e também com estrangeiros, vamos ver quando é que consigo sentar-me e escrever.


      Abraço!
      Vitor

      Eliminar
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