TEXTOS DE PESCA - Pesca da truta, numa ilha a meio do Atlântico

Os destinos exóticos, os grandes peixes que lutam duramente pela sua vida, são razões mais que suficientes para motivar a marcação de férias longe, muito longe de Portugal. 

Assim fiz durante mais de trinta anos, na minha incessante procura de novas experiências, novos peixes, novos hábitos, costumes e gentes. 

Ao longo de todo este tempo, aquilo que fica gravado é uma memória boa, um brilho no olhar, uma ou outra foto que regista um grande momento. O que não fica são as intermináveis horas de espera nos aeroportos, as camas estranhas, as almofadas estranhas, as comidas diferentes, o frio, o calor, as dificuldades em alugar barcos. Incomoda o sabermos estar a ser literalmente “esfolados vivos” por quem se aproveita da situação de saber que queremos mesmo ir pescar. Faz pouco sentido suportar horas e horas de viagem, e no fim, ….não pescar. Ainda que para isso seja necessário pagar um barco novo a quem apenas tem para alugar…um barco velho. 

Já aqui vos contei que nas Maldivas, e perante a situação em que me vi de não poder entrar para o barco previamente contratado, por imposição dos administradores do Club Med de Kani, (não deixaram atracar o barco no pontão da ilha por dois minutos….porque queriam fazer o negócio deles, ser eles a ganhar o dinheiro), vieram estas pessoas da administração propor-me o aluguer de um dos seus barcos, pela módica quantia de 3600 euros cada três horas, sendo que o percurso de ida e volta para o pesqueiro estava já incluído neste tempo de utilização. Ou seja, grosso modo 3600 euros por duas horas de pesca. Não se pode dizer que seja uma pechincha. Também nos acontece disto, quando saímos. 

Na verdade, a maior parte da frota de barcos de aluguer destes países está à venda. O aparecimento da pandemia COVID 19 veio pôr a nu, ainda mais, uma situação de insustentabilidade que se adivinhava, que pairava no ar. 

As empresas MT low-cost, aquelas que baseiam os seus negócios em charters baratos, as que têm os barcos cheios de gente mas cobram ninharias, as que apenas parece que estão a fazer alguma coisa, não têm reservas para enfrentar tempos mais difíceis e acabam por inevitavelmente encerrar as suas actividades. Como em tudo na vida, no meio está a virtude, nem tanto ao mar nem tanto à terra, como diriam os nossos marinheiros antigos. 

Trago-vos hoje um destino absolutamente espantoso, de qualidade, de temperatura amena e gente de bons tratos, definitivamente muito pouco dado a preços caros, e que pode proporcionar a quem gosta de pescar a truta, dias e dias de momentos inolvidáveis. 

Com temperatura ambiente a oscilar entre os 12ºC e os 26 ºC, alguma humidade, paisagens deslumbrantes e ribeiras de águas límpidas com trutas em quantidade, e, muito importante, não pescadas. 

Espectacular recanto, com trutas, numa ribeira em que a chuva, de quando em quando, enche a valer. Reparem no detalhe da árvore sem casca na zona baixa, junto às raízes: Tem a ver com troncos que vêem água abaixo e chocam naquela zona. A ribeira segue para a direita, nas costas do pescador, correndo por socalcos, provocando o aparecimento de poços nas zonas das quedas de água. 


As paisagens são de cortar o ar, a floresta apresenta-nos um verde persistente, húmido, que nos liberta o espírito deste tempo seco, a ameaçar incêndios, que vivemos por cá. 

Pesca-se a truta num silêncio de sepulcro, em locais não visitados, onde se ouvem apenas os pássaros e a água. Recordo-me de ter tirado uma licença de pesca em Agosto, e essa licença ter o número três. Por curiosidade perguntei ao zeloso funcionário a razão de um número tão baixo: “ aqui ninguém pesca a truta, não se comem, as pessoas preferem o peixe de mar”…. 

Pequena truta arco-íris, devolvida à agua de imediato.


Na verdade trata-se de um peixe extremamente desportivo, selvagem, que nos levanta problemas, que não cai em qualquer engano artificial com facilidade. Também as condições das ribeiras as ajudam a esconder-se debaixo de pedras, troncos encalhados trazidos pelas cheias, e fundos de poços com cascatas lindíssimas. Por não serem regularmente pescadas, acabam ainda assim por ser bem mais permissivas do que as dos coutos de pesca irlandeses, ou ingleses. Essas, fartas de serem picadas por anzóis de gente fina, (os aristocratas britânicos que adquirem os seus equipamentos em casas de pesca tradicionais, como o Farlows, em Saint James, Londres), são trutas alimentadas com o objectivo de corresponderem aos anseios de peso e comportamento padrão. Estas, com sorte, terão uma minhoca arrastada pela corrente, uma mosca, ou uma borboleta que se descuidou com os pingos de chuva que caem regularmente.  


Pescar a truta neste ambiente de sonho é todo um privilégio. Aqui, o pescador tenta fazer saltar a mosca à frente dos olhos de uma truta que se encontra de costas para ele, atenta ao que vem na corrente. As trutas estão normalmente viradas a montante nas ribeiras, e segurando a mosca na mão esquerda, é possível, dobrando bem a cana, conseguir projectá-la à frente. 

Utiliza-se esta técnica em locais fechados, onde não se pode balançar a mosca para trás e para a frente, sob pena de a enganchar na vegetação. A pesca da truta nas ribeiras estreitas, e porque é feita com o peixe quase sempre à vista, é um exercício de pesca muito técnico. O ruído dos pés na água, a sombra, a forma de fazer cair a mosca à frente do peixe, tudo isso conta para o resultado final. 


 

Quanto mais dificuldade, mais interessante é pescar estes agressivos peixes. Neste ambiente, é muito agradável fazer um troço de algumas centenas de metros da ribeira. 

Caminha-se de baixo para cima, batendo os poços com calma e pescando sempre sem morte, libertando os peixes capturados. 

A pesca da truta é uma das pescas mais desportivas que existem, e por norma quem a pratica são pessoas que sabem bem o que estão a fazer, sabem da importância que cada peixe tem para o ecosistema, e da necessidade de proteger a espécie.   

Enorme árvore arrastada pelas chuvadas, acabando encalhada nestes fundos. Trata-se de um paraíso para trutas grandes, que ficam mais protegidas no poço e podem utilizar os ramos como base de caça para insectos. 


A beleza natural destes poços é bem visível aqui. Em cada um deles podem viver acima de 50 trutas…


O pescador, mesmo que por qualquer absurdo não fosse capaz de pescar nada, o que é uma quase impossibilidade dada a quantidade de trutas existente, ainda assim deveria sentir-se um privilegiado por poder desfrutar de um tal entorno. 

Casa de apoio à pesca, e a qualquer coisa que envolva relax, lazer, leitura, no fundo… descanso. Aqui, apenas os pássaros se ouvem. A ribeira passa a dez metros abaixo, à direita da foto. É um paraíso para quem precisa de descansar. 


Mesa estrategicamente colocada para uns petiscos valentes, ao lado da ribeira que tem trutas. A casa fica dez metros acima. A ribeira, porque é muito sombria, mantém a temperatura da água fria, e isso permite colocar umas garrafas de vinho a refrescar… 


Bonita cascata numa das ribeiras onde se podem encontrar muitas trutas. Concretamente esta cascata fica a 25 metros da casa acima. Sei que são exactamente 25 metros porque a casa …é minha, ….e a cascata faz parte, está nas traseiras, e é onde treino as minhas amostras super-light de 3 gramas.

O autor, com uma truta de 1,5 kgs, pescada com um equipamento barato, das filhas, para …partir. Truta feita na ribeira da Salga, S. Miguel, com um vinil sem chumbo.


Sim, os Açores, e a fantástica ilha de S. Miguel. Aqui a Lagoa do Fogo, também ela cheia de trutas salmonadas, a pedir amostras, ou ….moscas. 


Com destinos destes, quem precisa de ir às Maldivas?!

Caso pretendam saber algo mais sobre a pesca à truta nesta zona, tenho muito gosto em procurar ajudar-vos. 



Vítor Ganchinho



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