TEXTOS DE PESCA - Pescar com jigs, à força toda!

A propósito de cores de jigs, comentei com um amigo que há muitos anos atrás havia quem fizesse pescarias de centenas de quilos de peixe, utilizando jigs rudimentares, sem cor. 
Aquilo que hoje seriam materiais completamente invendáveis, por parecerem absurdos, já foi o último grito da moda, e já possibilitou pescarias estrondosas.

Falo de pescarias feitas há muitos anos atrás, anos sessenta do século passado, nos tempos em que os materiais de pesca eram ridiculamente simples, toscos, mas funcionavam porque o peixe existia em abundância, e sobretudo não estava picado. 
A inspiração para estes rudes jigs virá provavelmente da pesca ao bacalhau, um gadídio que tem tanto de bom na mesa, como de fácil na pesca. Na verdade, uma pescaria de bacalhaus não tem muito de diferente de uma pescaria de pampos. Picam fácil, e deixam-se vir. Mas fica-nos o sistema, o jigging. E é disso que vos quero falar hoje, porque muitos de vós acham que é algo de novo, algo que só surgiu agora. Nada mais errado. 

A documentação de que disponho é ruim, mesmo muito ruim, e não passa de um conjunto de fotocópias de um livro, exemplar único, feito por um pescador algarvio de Tavira. Alguém com raízes no Alentejo, concretamente em Montemor o Novo, e que por portas e travessas acedeu a emprestar-me esse velho livro, feito em papel de caderno, amarelecido pelo tempo. Li o livro várias vezes, e no fim, pressionado pelo familiar do dono da obra, acabei por o devolver, fotocopiando apenas algumas das páginas. O suficiente para hoje vos poder passar alguma informação. Com o meu pedido de desculpas pela terrível qualidade das imagens, aí vai algo de absolutamente espantoso:

Anos sessenta, Tavira, Pedra do Barril, a 36/ 40 metros de fundo. Um pequeno barco de madeira, a remos, sai da praia e leva a bordo duas pessoas dentro. 
À chegada, já noite cerrada, esses dois pescadores traziam cerca de 300 kgs de peixe. 

Primeira pescaria feita na Pedra do barril, em Tavira.

Os peixes, pargos, robalos, corvinas, enchiam o barco. Foi a primeira de muitas aventuras protagonizadas por estes dois amigos, naquele local. O pargo terá sido o peixe mais capturado, mas sei que se fizeram pescarias de robalos acima da centena de exemplares. Também as corvinas eram um peixe muito comum, com exemplares até aos 60 kgs de peso. Entendam as limitações que estas pessoas tinham a pescar com linhas de má qualidade, com carretos e canas de “valha-me Deus”, que certamente não ajudaram a que estes quadros de pesca pudessem ser ainda maiores. 



Todos nós teremos alguma dificuldade em entender aquilo que está aqui. O que podemos é tentar imaginar como ficariam os braços destas duas pessoas ao fim do dia, depois de puxarem para cima esta quantidade de pargos. Pescava-se até de noite. Estes pargos eram posteriormente vendidos nos restaurantes de Faro, ajudando ao orçamento familiar. O preço do peixe era muito mais baixo, e o facto de haver abundância não ajudava a subir o preço. As pessoas que pescavam estes peixes trabalhavam no campo, nas hortas, sendo a pesca um complemento. 
O Bentinho, pescador de mão cheia, a exibir dois dos pargos. Conseguimos ver que há muitos exemplares deste tamanho, bem acima dos 15 kgs.

Tentem imaginar a riqueza de stock de peixes que deveria existir, para que duas pessoas pudessem fazer pescas deste nível. Sobretudo utilizando materiais que em nada ajudavam a estes resultados. De quando em quando, um atum grande vinha colorir estas pescas, mas na maior parte das vezes era libertado, porque não tinha valor comercial. O atum era considerado um peixe pouco nobre para a alimentação, sendo o seu consumo direcionado quase exclusivamente para a industria das conservas. 
Família feliz. Tavira no seu melhor, com peixe espalhado pela praia, em cima da areia, como se fazia antigamente.


Maior pescaria de sempre: 567 kgs de peixe, feita por três pessoas. A grande maioria eram pargos capatões. No meio há alguns robalos na casa dos 9 kgs. A péssima qualidade da foto não permite visualizar, mas recordo-me de ler no texto que havia robalos desse peso nesta pescaria. 


O autor do livro, escrito à máquina de escrever, e com capa de cartão grosso cor azul. Uma perfeita maravilha. Na foto com um pargo de 17 kgs. A inevitável camisa de quadrados, com o emblema do clube de pesca de Tavira, a calça com cintura bem subida para disfarçar a barriga. Era a moda. 

Eram estes os “iscos”, na verdade jigs muito simples, que basicamente eram anzóis de haste muito longa, envolvidos em chumbo. Quando oxidavam, ficavam com a cor cinzenta do chumbo, e deixavam de pescar tanto. 
Nada que uma raspadela no chão não resolvesse. Assim que voltavam a brilhar, voltavam a pescar em grande. Os nossos pescadores de hoje acharão impossível, mas a verdade é que antes da maior parte deles ter nascido, já se pescava com jigs em Portugal. 
Ao meio, com uma fateixa,  um chivo, uma peça muito utilizada ainda nos dias de hoje, sobretudo no norte de Portugal, onde a ressaca da ondulação obriga a utilizar amostras mais pesadas. Sei que os espanhóis da Galiza, que têm as mesmas condições de mar, procuram ávidamente no nosso país este tipo de amostra para pescar ao robalo.



Tenho este exemplar comigo, oferecido por um amigo que muito prezo, o José Henriques, e que ilustra bem as limitações que havia em termos de equipamento. 
A verdade é que se pescava. Mais ou menos raspadelas no chão, mas pecava-se a valer com isto!
Eram os tempos em que os carretos Sagarra davam cartas. Eu estava nascer nesta altura. Em Janeiro de 1963 a D. Odete teve uma tarde má….
O filho viria a ter o seu primeiro carreto cerca de 15 anos depois, um desconjuntado Daiwa com a bobine a subir e descer dentro de um copo. Uma peça ruim, feia e arcaica, mas que cumpria a sua função de enrolar linha. 
Muito melhor que levar a linha no bolso, esticar, atar a uma cana de canavial e pescar até ser de noite. As sovas que eu levei….

A Pedra do Barril é hoje um spot de mergulho, e estará tão longe de ter estes peixes quanto as pedras de Setúbal estarão de ter sarguetas de 1 kg. 
Recordo-me de as pescar com uma cana de fibra de vidro de uma braça, ponteira grossa, o material padrão da altura. Pois bem, três anzóis, três iscadas de navalha, três peixes, 3 kgs de sarguetas, por lance. 
Os tempos mudaram, os materiais evoluiram no sentido de permitirem capturar peixes cada vez mais desconfiados, mais dificeis, e também infelizmente cada vez mais raros. Outros tempos…

Espero que tenham gostado.


Vítor Ganchinho

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