TEXTOS DE PESCA - A diferença entre um produtor de canas chinês e um japonês

Quer queiramos quer não, Portugal é um país em que é mais fácil encontrar duas centenas de clientes num armazém de quinquilharias chinesas, que também vende canas, do que cinco pessoas numa loja de produtos de pesca de qualidade. A opção é feita atendendo às limitações da carteira, e não tem a ver exactamente com a capacidade técnica de escolha, até porque quase todas as pessoas sabem reconhecer aquilo que é bom. 
Por cá, a quantidade de canas de pesca chinesas vendidas é algo de assustador. Trata-se de produtos de muito baixa qualidade, feitos para impressionar pela primeira razão atendida quando alguém olha para um expositor de canas: o preço. 
O preço é efectivamente a primeira barreira à venda de equipamentos de qualidade. 

Mas existem diferenças entre as canas feitas de plástico, com materiais de segunda escolha, as “pechinchas” de 12 euros, e as canas técnicas que levam anos a desenvolver em laboratório, em ensaios de mar, e que passam por um crivo de qualidade rigoroso?
Afinal de contas, qual é a diferença entre uma cana de 8 euros e uma de 600 euros?
De que forma podemos entender a diferença do trabalho de alguém que na China resolve pegar num tubo de plástico e fazer dali uma “cana de pesca”, e um engenheiro japonês que tem a seu cargo uma equipa de gente com a missão única de ser capaz de apresentar à marca para a qual trabalha, algo que possa ser considerado bom. A Daiwa por exemplo, tem nos seus quadros cerca de 6.000 pessoas interessadas em produzir qualidade. A Shimano, cerca de 3.000. Esta gente compete por qualidade, não por preço. Quando alguém sai dos seus quadros e resolve montar uma “fábrica de canas “ com mais dois amigos, num vão de escada, aquilo que os grandes fabricantes fazem é encolher os ombros e seguir trabalhando para que nas grandes feiras, nos grandes momentos, possam surgir com os seus produtos de qualidade ímpar. 

Como sabem, a GO Fishing vende canas. O primeiro critério de escolha na compra de stocks é a qualidade. 
Uma empresa que envereda por esta via, tem à partida a certeza de que irá vender apenas 1% de canas do que seria possível caso optasse pelo caminho mais fácil, e que garante os outros 99% de vendas. 
Mas é por aí que vamos. Preferimos vender menos mas ter orgulho naquilo que sai das nossas mãos. 

Trago-vos hoje um tema difícil, mas que é entusiasmante: como analisar uma cana sob parâmetros que não sejam o rotineiro “retirar a cana do expositor, dobrar a ponteira, e olhar para a etiqueta do preço”. 

Podemos analisar uma cana fabricada por uma empresa japonesa especializada na fabricação de blanks de carbono. Normalmente estas empresas acabam por ir aos melhores especialistas em passadores, porta-canas, linhas, colas, e fazem o assembling da cana, conforme a conhecemos. Também contam com gente exterior para a produção de caixas ou sacos de protecção. Dedicam-se em exclusivo à produção do corpo da cana, aquilo que chamamos de blank, e à aplicação de passadores e porta-canas. 
A G-Craft trabalha nesta área vai para 27 anos. Um dos seus produtos premium é a cana com a referência “SEVEN SENSE MID WATER TR MWS 902-TR”, uma cana de spinning. 
Importa dizer que esta empresa tem a maior parte da sua produção tomada com canas de spinning para o robalo, e não tem possibilidades de se dedicar a qualquer outra actividade, nomeadamente a fabricação de outros tipos de canas, para jigging, surf-casting, carretos eléctricos, travel, etc. Eles só fazem aquilo, e fazem-no há quase 30 anos….
A quantidade de encomendas em carteira não lhes permite sequer produzir stock, e por isso há que contar com cerca de 2 meses de espera entre a encomenda e a sua produção. 
O Sr Kawasaki, da empresa G- CRAFT acedeu a fazer uma demonstração da sua cana SEVEN SENSE para nós. Falou-nos da super elasticidade da sua cana, e qual a importância que isso pode ter para quem pesca de costa e precisa de lançar longe.

Ponto prévio: não são feitas concessões sobre questões de preço. Aquilo que estamos a tratar não é de fazer canas baratas, é de fazer o melhor que a indústria japonesa consegue produzir. Tenham isto sempre em mente quando analisarem aquilo que se segue. 
Passadores: FUJI TORZITE é a bandeira da empresa. Apenas o melhor lhes interessa. Idem para os porta-canas. 



As canas de pesca são englobadas em famílias, em grupos de canas light, médium light, médium, médium heavy, heavy e heavy heavy, consoante o seu grau de dureza. Entenda-se que uma cana muito parabólica tem uma acção mais lenta que uma cana muito rígida, logo mais rápida. 
Quando chega o momento de ferrar um peixe, a cana mais macia precisa de mais tempo para conseguir esticar a linha ao ponto de ser possível ter um ponto de apoio que obrigue o anzol a cravar. Isso consegue-se de forma muito rápida com uma cana dura. Mas, em contrapartida, uma cana parabólica acompanha os movimentos do peixe, e por ser mais macia, amortece-os, e não dá aso a que se descrave. Permite inclusive pescar com anzóis mais pequenos. A cana rija ferra melhor, mas porque não tem elasticidade, provoca uma abertura rápida do buraco feito pelo anzol, e dá origem à perda de muito peixe, porque se desferra e/ou porque parte a linha, caso a embraiagem não esteja perfeitamente regulada. 

Também uma cana que é macia, permite utilizar amostras mais pequenas em acção de pesca. No caso da referência a analisar neste espaço, a SEVEN SENSE trabalha com amostras entre a 5 e as 28 gramas. Eles têm um portfólio grande de canas, com diferentes graus de dureza. 
Em termos físicos, diz-se que aquilo que é difícil produzir é uma cana que seja as duas coisas ao mesmo tempo: reactiva e macia. O termo utilizado pelo fabricante é curioso: fazer uma cana “ crocante”…ou seja, algo que tem uma determinada dureza, mas que é macio quando tem de o ser, no momento em que trabalhamos o peixe. Diz-se que as canas duras, quando se procede ao lançamento …saltam! Ou no caso oposto, as macias, são moles,...pingam. 

Os fabricantes japoneses costumam testar exaustivamente os seus produtos, e para eles encontram a linha ideal, a amostra com o peso ideal, etc. Indicam o comprimento, o peso, o número de secções, e o tipo de pesca que se deve fazer com o seu equipamento. 
Essas especificações são gravadas na cana a laser. 



Quando se fabrica uma cana para um fim específico, ou se quiserem, para um peixe em particular, tem-se em atenção o peso médio e tamanho desse peixe. No Japão, a média para o robalo é de 80 cm. 
Com um peixe destes, a haste não vai dobrar muito. Mas o pescador tem de saber até onde pode levar a sua cana, até onde pode “ apertar” com ela, sem que corra o risco de a partir. Se achamos que a cana se parte aos 100% de esforço, então será aceitável dobrá-la sem problemas até aos 60% do seu limite. Para que isso seja entendido, podemos pedir a alguém que segure no cabo da cana e que a tente levantar, ficando nós do lado oposto, a segurar a ponteira pelo passador de topo. 
A dada altura a pessoa já está a fazer a sua força máxima, já não consegue levantar mais a cana, utilizando apenas uma das mãos. Deve ser-lhe pedido então que passe a levantar com as duas mãos. 
Este é o ponto em que os nossos robalos nos deixam a cana quando ferram e dão o primeiro arranque, ainda com muita força. E como reage a nossa vara? Estamos ainda longe do limite ….
Neste momento, a nossa cana tem o formato de uma lua cheia, faz um arco perfeito, redondo.
Se entendermos o valor de 60% de tensão como um valor razoável para aplicar sobre o nosso peixe, então a pessoa pode continuar a baixar a ponteira, porque ainda há mais para dar. 
Torna-se um pouco assustador para quem está a fazer pressão do lado do cabo, mas a verdade é que pode ir ainda muito mais, não vai partir. 




Em regra, 9 em cada 10 pessoas apenas sujeita as suas canas aos ditos 60% do seu máximo utilizável. Muito poucos o ultrapassam. O sentimento dos fabricantes de canas é de que as pessoas que compram uma cana não conhecem nem de perto os seus limites. 
Na marca G- Craft os engenheiros estão muito atentos ao que as pessoas fazem, ao que lhes dizem, aos seus testes no terreno, às amostras que utilizam, porque se trata de informação privilegiada. 
A leitura é feita neste sentido: quem compra uma cana vai pescar e sente a picada de um peixe. Esse não é o momento de fazer testes. Aí, a questão é: “devo abrir a embraiagem do carreto?! O que faço agora que tenho um peixe na linha?”…
Para a G- Craft, é entendido que não há entusiasmo nem excitação quando alguém tem com o primeira prioridade abrir a saída de linha. Isso é a negação de todo o trabalho desenvolvido ao longo de anos por quem fabrica canas boas. 

Quando se pretende uma cana grossa e forte, apenas se está a pedir aquilo que qualquer chinês de vão de escada consegue produzir. Um “pau de vassoura com passadores” pode ser feito por qualquer um. 
A questão é que se pretende ao mesmo tempo uma cana forte, resistente e ligeira. E isso, os chineses dizem que não é possível. 
Mas a G-Craft trabalha nisso há décadas, procurando isso mesmo, produzindo os melhores blanks, tentando ir além dos conceitos desses fabricantes chineses. Estas pessoas dedicam a sua vida a procurar soluções que permitam fazer a “cana impossível”. 
Porque hoje no Japão, e em qualquer parte do mundo, é mais difícil capturar peixes do que ontem. Quando há muito peixe disponível, todos pescam. Quando o peixe tem muita actividade, quando procura as nossas amostras, tudo é fácil. E aí, qualquer cana serve, mesmo as canas chinesas. Mas quando as coisas “apertam”, quando há muito pouco peixe e não tem actividade nenhuma, aí é quando o equipamento conta, e só aqueles que investiram nesse equipamento conseguem fazer algo. 
Gente como a que trabalha na G- Craft preocupa-se para dar resposta nesses dias, em que tudo corre mal, para que ainda assim se consiga um número de picadas razoável, e que o pescador traga para casa o seu peixe e as suas emoções. No fundo, gente preocupada em produzir uma cana que seja muito sensível, e que consiga colocar amostras a distâncias onde todas as outras não chegam. Por vezes, mais 20 metros são a diferença entre conseguir pescar ou não. Quando os robalos estão por detrás da rebentação, ou estão em locais inacessíveis, a distância de lançamento pode ser crucial e decisiva. 

Uma cana que vibra indefinidamente durante segundos, ou seja, que após o lançamento fica a balouçar para cima e para baixo tempo e tempo, porque não tem alma, provoca um efeito de travão sobre a linha que sai. Posso explicar-vos melhor este detalhe: estamos no momento de saída de linha, ou seja, quando aplicamos a carga sobre a cana e a amostra, aquilo a que chamamos lançamento. A ponteira quando aponta para cima faz uma curva que obriga a linha a bater contra os passadores. No movimento contrário, a ponteira pinga, e aponta para baixo. Nesse momento, volta a travar a saída de linha, porque esta volta a bater contra os passadores. Tentem imaginar isto em slow-motion, e vão entender o conceito. Na verdade, a linha só sai sem atrito, ou com menos atrito se quiserem, quando a cana está rigorosamente direita. Se estamos a pescar com uma cana sem nervo, uma cana mole, esse movimento vai perpetuar-se até o blank da cana estabilizar. É isso que fazem as canas chinesas, e por isso não lançam longe. 
Voltando ao assunto da fábrica G-Craft, eles enviam funcionários seus a participar em concursos de lançamento de amostras em distância. Por isso este é um tema que lhes diz muito, e por isso estudam exaustivamente esta questão. 
Querer ser melhor que os outros, este conceito tão japonês, obriga a estudo pormenorizado, e a fazer milhares de testes, até atingir a perfeição. Ou o ponto mais próximo, à luz dos materiais disponíveis em termos de tecnologia e ciência de hoje. 
Idealmente, aquilo que se procura é uma cana que recupere a sua situação de “cana direita” o mais rápido possível a seguir à aplicação de força que nós fazemos aquando do lançamento. Esse é o objectivo. 
Mas aí retornamos ao conceito de cana dura, rija em permanência, que é o que a maior parte das canas faz. São duras, e por isso recuperam a posição neutra, ou posição zero, muito rápido, mas porque são pouco elásticas, não imprimem velocidade de saída à nossa amostra. As amostras caem-nos aos pés. 
O objectivo da G-Craft de há muitos anos é precisamente conseguir uma cana que seja flexível nesse momento do acto de lançar, da chicotada, e que ao mesmo tempo consiga recuperar a posição de “cana direita” rapidamente, que se torne dura, logo no instante a seguir. Ser flexível e rija ao mesmo tempo. A SEVEN SENSE MID WATER TR MWS 902-TR lança muito longe, por ser suficientemente flexível para imprimir a velocidade de saída que a amostra necessita para voar mais longe, mas faz mais que isso...recupera o ponto neutro muito rapidamente. E já agora também queremos que, após a ferragem do peixe, permita trabalhar este de forma a que não se escape, ou seja, que acompanhe os seus movimentos de forma controlada, para que não se descrave do anzol. E que faça isso da ponteira à barriga da cana, e se necessário, até ao cabo. Importante é que o peixe não nos fuja. Ou seja, queremos tudo, porque apenas um pouco não chega. 
Os fabricantes chineses dizem que isso é impossível. Não é fisicamente possível fabricar esse tipo de cana. Mas aquilo que as pessoas do Japão dizem é que mesmo que não consigam os 100%, lutam por estar o mais próximo possível disso. E serão seguramente eles quem vai chegar primeiro, porque são aqueles que mais trabalham nisso, aqueles que mais dinheiro e tempo investem nessa procura. Não é apenas uma questão de maquinaria, porque essa compra-se. O staff da fábrica G- Craft dedica a testes de campo, cerca de 250 dias / ano. Vão para o mar e lançam exaustivamente, procurando filmar, analisando em câmara lenta, retirando conclusões, estudando os defeitos, voltando ao computador e corrigindo aspectos técnicos. Por isso sabem exactamente qual o limite elástico das suas canas, qual o ponto de rotura, e sabem que nós europeus estamos bem longe de as levar aos seus limites. 

Início do lançamento. A cana é sujeita a um esforço máximo de carga.


Fim do lançamento. A cana ainda está na fase descendente. Irá recuperar a sua posição neutra numa fracção de segundo, para não travar a saída da linha e permitir dessa forma atingir uma distância máxima.


Eles pensam os seus produtos. Não olham aos meios, ao dinheiro gasto e aos milhares de horas de trabalho que custa afinar as características de uma cana, desde que consigam o seu objectivo: a cana perfeita. 
Por não aceitarem qualquer compromisso entre os custos e o resultado final, é natural que cada cana custe mais caro que as suas congéneres chinesas. 
Mas esta gente tem como objectivo ser a melhor empresa do mundo a fabricar varas de pesca. Para um japonês, ser número dois significa que não trabalhou o suficiente para ser número um e por isso lutam até à exaustão pelo pódio. 
Posso dizer-vos que marcas que conhecemos aqui muito bem, muito conceituadas, e sobre as quais não tenho autorização para divulgar nomes, mandam fazer os seus carbonos a esta gente. 

Quando se luta tanto para ser o melhor, é natural que o produto do seu trabalho seja bom. Eles correm e lutam pela sua bandeira: a qualidade. Outros lutam por fabricar em larga escala, aos milhões, e conseguir o preço mais baixo. 
São objectivos diferentes e por isso os produtos são diferentes. Aceito facilmente que alguém me diga que só pesca com varas baratas. Da mesma forma que estou disponível para falar com quem procura mais que isso. 
A G-Craft agradece a quem lhes mostre um dia algo melhor do que aquilo que eles produzem. Eles não conhecem. De todo, não necessitam que lhes apresentem canas baratas, porque são todas as outras…

Como eles costumam dizer, desde que o conceito não mude, ou seja, desde que as pessoas procurem uma cana de qualidade máxima, … é com eles. Estão disponíveis para explicar os detalhes técnicos de tudo aquilo que fabricam. 
Quando um pescador procura material muito barato, deixa de ser com eles. 
Esse é o conceito GO Fishing, é nisso que eu acredito, em ter o melhor material disponível, para aqueles que procuram qualidade.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Respostas
    1. Muchas gracias! Esto és un articulo que me ha tomado algunas semanas de trabajo, de mucha investigación, de muchas llamadas a la fábrica en Japón, para hablar con los tecnicos.

      E todavia, a salido bien, tiene mucha información tecnica. En Portugal, muy poca gente ha lido, e menos aún comentado. Pero eso es lo que pasa en un mondo de Facebook....de una foto e un comentario de una linea.


      Saludos!
      Vitor

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