Acontece frequentemente que, no caminho e aquando das nossas deslocações para os nossos pesqueiros habituais, se encontrem manchas de “algo estranho” nas sondas, e que isso seja atribuído a algas, areia em suspensão, bolhas provocadas pelo hélice, ou mesmo a ressaca de água que bate contra a popa do barco, ou que se desvalorize pura e simplesmente, porque alguns instantes a seguir a sonda já apresenta um aspecto limpo.
Dependendo da época do ano, isso pode ser desvalorizado, …ou não. É muito comum que no Inverno o peixe adopte comportamentos muito específicos, de união, de grupo, as chamadas “majoas” e que isso seja confundido com um falso fundo, ou que aquilo que nos parece ser o eco de uma rede, afinal seja peixe “amajoado”. Queremos dizer peixe que se congrega num banco muito compacto e que emite um eco de tal forma forte que parece ser uma pedra no fundo. Pedra essa que não conhecíamos e que eventualmente até podemos marcar, mas que passados dias ou horas, …já lá não está….
Tive durante o meu percurso de caçador submarino diversos casos destes, e consigo situá-los em momentos em que o peixe está reunido para proceder ao acasalamento, ou pura e simplesmente porque estamos numa altura do ano em que para esta ou aquela espécie, faz mais sentido estar agregado a um enorme banco de peixes. Já todos ouvimos falar das capturas de milhares de robalos, de douradas, ou mesmo de centenas de corvinas num só lance de rede. Os profissionais sabem bem onde, como e quando podem fazer isto.
Penso já vos ter aqui falado das minhas experiências de deparar com uma parede de robalos….o que, asseguro-vos, é um espectáculo impressionante. Ver milhares de robalos em formação compacta é algo que não acontece a todos nem todos os dias. Grandes mergulhos fiz na Nazaré, nos Farilhões, ao largo das Berlengas, ou mesmo a norte de Sines, em que me aconteceu isso. Nessas alturas, a atitude certa não é interferir, não é capturar, mas sim disfrutar de um momento único de realização, de paz e harmonia com o mar. É difícil explicar-vos por que razão um caçador submarino que depara com um cardume de robalos parados a poucos metros de si, esquece tudo e apenas comtempla aquele espectáculo que a natureza lhe oferece. Já o vivi com douradas, com robalos e com corvinas e a sensação é sempre a mesma: considerar-me um privilegiado e voltar ao barco sem ter feito nada que pudesse perturbar a serenidade do cardume.
Esta invulgar concentração de milhares de peixes acontece sobretudo durante o período do Inverno, em que os peixes parecem apenas planar na água, sem rumo, sem qualquer interesse pelas nossas amostras, deixando-se dormitar, sem acção, numa concentração inusitada de exemplares que a mim se me afigura apenas como um instinto de protecção de grupo. Sabemos que o Verão e Outono são períodos em que o peixe caça isolado, aproveitando a imensidão de presas que existem disponíveis. Ainda que os encontremos num mesmo local, estamos a falar de vários peixes isolados, que coincidem num mesmo local. O efeito cardume é algo diferente, o comportamento é diferente. Sabemos bem o que são robalos a caçar em grupo, a atacar de forma ordenada um cardume de sardinha, ou pura e simplesmente a deslocar-se em grupo, e o que são robalos que caçam para si, sozinhos, mesmo que no meio de outros que também o fazem, por mero acaso no mesmo sítio.
As capturas de robalos de bom tamanho não são obra do acaso, antes correspondem a um trabalho que começa bem antes de irmos ao mar. |
Retornando ao efeito que esses grupos de peixes apresentam nas sondas, sobretudo nas de gama mais moderna, temos que por vezes nos aparecem manchas de cores suaves, verdes, azuis-claros, e outras vezes, a cor dessas manchas é laranja ou mesmo castanho carregado. Não estamos a falar da mesma coisa. Os peixes de meia água, as sardinhas, os carapaus, as cavalas, aparecem com cores mais claras, sendo que os peixes de fundo com tamanho mais considerável surgem com cores mais fortes, mais escuras. Isso tem a ver com a densidade do corpo do peixe, com a capacidade de reflexão do eco na sonda. Parece-me importante que saibam que as cavalas têm um comportamento pelágico, e que habitam sobretudo a camada média e superior das nossas águas, enquanto os carapaus, por exemplo, têm um comportamento ligeiramente diferente, encontramo-los sobretudo na camada média baixa, muito mais junto ao fundo. Razões que se prendem com o tipo de alimentação explicam isso. O que não é normal é que esses cardumes estejam parados, estáticos. As cavalas estão em permanente deslocamento, os carapaus menos, mas ainda assim, mudam de posição. Outros peixes maiores podem ter mais tendência para ficar parados, à espera de um momento que pode ser a mudança de maré, para iniciarem a sua procura de alimentação. Acreditar que um cardume que surge a cores muito escuras, parado, podem ser cavalas, ou mesmo carapaus, …pode ser um erro crasso. Esses cardumes apenas se concentram de forma muito densa quando “apertados” por predadores, por exemplo corvinas, robalos, sarrajões, atuns, ou…os nossos amigos golfinhos.
Estes mamíferos sabem bem como capturar peixe. Afinal de contas, fazem-no todos os dias. |
Aquilo que é uma situação normal durante a maior parte do ano, pode não se verificar durante o Inverno. É muito corrente encontrarmos no ecrã da nossa sonda uma bola de peixe compactado, e uns traços horizontais ao lado. O predador segue a sua presa e deixa-a encurralada, pronta para a matança. Os peixes que nos interessam são esses traços. Mas em tempos de invernia, pode acontecer que a mancha que estamos a ver no nosso sonar, seja efectivamente um cardume de peixe grande, …acomodado, pachorrento, e sem vontade nenhuma de morder uma amostra. Pode acontecer que estejamos a passar pelo lugar certo, sobre o cardume certo e que apenas a hora esteja errada. Mais uma vez vale a pena pensar a pesca e não desistir apenas porque não estamos a conseguir resultados imediatos. Chegámos ao local no momento em que esse cardume está a comer? Chegámos tarde demais e estamos a “chover no molhado”, ou estamos apenas a tentar a técnica e amostra errada? Devemos ter em consideração que não é igual tentar um peixe com uma amostra rápida ou lenta. Se as águas estão frias e o peixe está com o metabolismo muito baixo, de que serve lançar uma amostra comprida e fina, que trabalha rápido, e obriga a uma recuperação rápida? Não faria mais sentido lançar um jig achatado, curto, que plana na água de forma lenta, ou seja um jig que dá tempo ao peixe para reagir e considerar que vale a pena atacar aquela presa fácil? A credibilidade da nossa amostra aos olhos do peixe tem muito a ver com a nossa técnica, com a forma como a utilizamos. Aquilo que vejo frequentemente é que as pessoas não querem saber da temperatura da água, nem da altura do ano, nem da hora do dia, para nada.
Nos meus cursos de Light Rock Fishing chamo com frequência à atenção dos pescadores sobre a forma desabrida e violenta como trabalham os seus jigs, ou vinis. Se o fazemos de forma errada ou desenquadrada das capacidades momentâneas e motivação do peixe, nomeadamente águas muito frias, é natural que os resultados sejam fracos. Do meu ponto de vista, é mais provável que os peixes se sintam ameaçados e queiram escapar do local, que interessados em correr atrás dos nossos jigs e morder. Tudo tem o seu ritmo certo…por isso nada de pressas.
Durante o ano, temos momentos em que os peixes, nomeadamente os robalos, comem apenas durante alguns minutos ao amanhecer ou ao anoitecer, e temos outras alturas em que os podemos ferrar com o sol a pino. Pode acontecer que apenas tenhamos chegado tarde ou cedo demais. Devemos marcar o local no GPS, e voltar a tentar a uma hora diferente. Sabemos da mais valia de começar a pescar bem cedo, ao raiar do dia. Muitas vezes estes cardumes estão bastante activos a essa hora. Depois de comerem, …bem podemos lançar amostras aos molhos, que eles apenas as ignoram. Também a acção e o tamanho dos enganos, nomeadamente dos jigs ou dos vinis, pode ser determinante. Leve na sua caixa de acessórios um conjunto de amostras que lhe permita experimentar diferentes soluções. Reduzir tamanho é normalmente significado de melhor animação. Um jig de 30 gramas trabalha de forma mais excitante que um jig de 400 gramas. Grosso modo, aplique o princípio de 1 grama por 1 metro, e terá o peso ideal. Depois disso, são as condições de mar que determinam algum ajuste, não é igual ter mar de baixo coeficiente, sem corrente, ou ter uma lua grande, com marés de grande amplitude, que exigem um pouco mais de peso. Desde que tenha uma colecção de jigs aceitável, terá sempre um que é o modelo certo para aquela situação. Tive o ano passado um cardume de robalos que esteve no mesmo local durante semanas, e que não reagia a nada mais que aos meus minúsculos jigs de 20 gramas, cor sardinha, formato agulha, da Cultiva, Owner.
O slow jigging é uma técnica que pode ser mortífera, quando o peixe tem o metabolismo baixo. |
Lembre-se: quando passar por cima de uma mancha estranha, algo que lhe parece ser o fundo mas que não estava ali antes, …pode estar a passar por cima de um cardume de peixe muito interessante. Não deixe de tentar, porque pode perfeitamente ser a ponta onde o arco-íris esconde o pote de ouro. Acredite na sua sonda, a mancha que vê, podem não ser... algas.
Vítor Ganchinho
Bom artigo. Gostei de o ler e fiquei com vontade de arrancar já em busca do pote ;)
ResponderEliminarExcelente partilha, obrigado.
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