Uma garoupinha diferente...

Já aqui vos trouxe alguns peixes que não fazem parte do leque de exemplares normalmente capturados no nosso país. 
Outros, o caso de hoje, são portugueses, mas têm sotaque açoriano ou madeirense: a Serranus Atricauda, a garoupinha das ilhas. 

Um peixe muito bonito, agressivo, que tem um território de caça que defende com unhas e dentes de outros peixes de maior tamanho.


Trata-se de um serranídeo, um peixe da família dos meros, dos badejos, etc. Habita fundos rochosos até aos 150 metros, sendo frequente em fundos baixos de meia dúzia de metros, enquanto juvenil. 
Alimenta-se de pequenos peixes, camarões, invertebrados, e quando pode, de pequeníssimos polvos, lulas ou chocos. De uma voracidade tremenda, este peixe ataca tudo o que mexe nas imediações do seu território, sendo corajoso ao ponto de enfrentar peixes muito maiores, e conseguindo expulsá-los da sua zona. 
São hermafroditas, ou seja nascem com órgãos reprodutores genitais masculinos e femininos, ajustando as suas características ao que faz falta na zona, no momento. Atinge a maturidade sexual aos quatro anos de idade, sendo que se reproduz todo o ano. 
Relativamente a tamanhos máximos, estes são muito condicionados pela área em que nasce, já que é uma presa fácil para os anzóis dos pescadores. 
Em zonas mais remotas, sobretudo baixas afastadas da costa, pode atingir pesos a rondar os 1,5 kgs, para cerca de 43 cm de comprimento, o que é notável e sinónimo de um habitat muito bem preservado. 

Uma garoupinha a quem não chegou o carapau que tinha acabado de comer... é o que se chama “ mais olhos que barriga”. Na circunstância o segundo carapau era... o meu jig.


Surgem ocasionalmente à venda no mercado de Setúbal, por preços na ordem dos dez a doze euros/ kg, o que é baixo atendendo à qualidade da sua carne. 
Este é um daqueles peixes que fica apenas para conhecedores, para quem sabe o valor do que está a comer. Normalmente aparecem por cá, pelo continente, com pesos a rondar o quilo. 
Valem a pena quando estão bem frescos, para grelhar no próprio dia, ou, sendo o caso, para congelar e esperar por uma melhor oportunidade. É um peixe firme e rijo, que aguenta meses de congelamento sem se deteriorar. 
Fiz um há dias, de tamanho muito pequeno, que tentei restituir à água, sem sucesso: uma gaivota viu o meu lançamento à água e aproveitou a oportunidade para o engolir de uma assentada. Tenho a certeza de que não sabia estar a comer um peixe que fez muitas milhas náuticas para aqui chegar. Como chegam? Ou bem se deslocam com as correntes de água ou, mais seguro, que os ovos fecundados sejam transportados nos porões dos navios, como água de lastro. Ao serem esvaziados aqui, esses milhares de litros de água acabam por dar a possibilidade de transvase de óvulos de uma região para outra. 

A Serranus Atricauda que pesquei a norte de Sines no início de Outubro de 2020. Não teria mais de 100 gramas, e infelizmente a minha tentativa de restituição ao mar não surtiu efeito.


Reparem na atitude do peixe: levanta a dorsal e abre os opérculos. Esta é a defesa dos seus congéneres mais pesados, os meros. Ao fazerem isto, e porque são peixes coriáceos, muito rijos, dificultam ao máximo a sua extracção dos buracos onde se escondem. O mero será porventura dos peixes que mais caçadores submarinos mata todos os anos. 
Estão normalmente fundos, e obrigam a um esforço físico acrescido para serem desentocados. Quando a morte não é instantânea, o caçador pode preparar-se para uma longa batalha. 
A síncope, morte por asfixia, (se quiserem um desmaio provocado por falta de oxigénio que dispara o nosso instinto de respiração automático... na circunstância e desafortunadamente debaixo de água), ocorre na subida, normalmente perto da superfície. 

Mero de 10.5 kgs que cacei, há muitos anos atrás, na Carrapateira, Algarve. 



É muito natural que a gaivota tenha feito confusão com a nossa versão de garoupinhas: a Serranus Cabrilla, que é vulgaríssima entre nós. Passo foto: 

Esta é a nossa versão comum de garoupinhas. Reparem nas diferenças de manchas.



Vítor Ganchinho



7 Comentários

  1. Boa tarde e obrigado por mais esta excelente partilha.

    Na minha fraca crença, achava que a montagem do jig se fazia preferencialmente com os olhos e extremidade mais pesada para baixo, não é isso que observo na segunda foto.
    Pode comentar?

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    1. Boa tarde Paulo

      Pese embora estejamos a falar de chumbo pintado, a maior parte dos jigs hoje em dia é de um realismo muito grande. Há uma corrente de produtores que pura e simplesmente se borrifa nisso, e fabrica sem qualquer critério que tenha a ver com a definição de um peixe. E na verdade funcionam! Lembre-se de que os primeiros jigs eram chumbo derretido e mais nada. Raspavam-se no chão, ou na rocha, para brilharem e pescavam muito. Aquilo que temos hoje à nossa disposição é uma loucura de perfeição e eu sei que vamos ainda melhorar muito. Os fabricantes procuram cada vez mais imitar uma presa real, com todas as suas características. Mas também alguns já se preocupam em ir ao encontro dos peixes que estão disponíveis em países muito longínquos, as nossas sardinhas, cavalas, etc. Não esqueça que a maior parte dos fabricantes são asiáticos. Se quiser e a talhe de foice, basicamente a escolha é feita entre os chineses, que fabricam barato, mas ruim, ( têm sempre alguns defeitos...e por isso são baratos, ou porque a tecnologia de fabrico é fraca, rudimentar, ou porque o tempo dedicado à produção de cada peça é mínimo, a tinta salta, etc), e os japoneses, que criaram a técnica e têm por isso muitos anos à nossa frente em termos de conhecimento. Os japoneses fazem muito bem feito, produzem de forma irrepreensível, mas por isso mesmo, mais caro. Aos poucos, algumas fábricas de jigs começam a querer utilizar a sua tecnologia, o seu know-how, mas recorrendo a mão de obra chinesa. O objetivo é baixar os custos e ter mais lucros, ou passar a ser mais competitivo. Não esqueça que no Japão a concorrência é feroz, eles são mesmo muitos a fabricar estas peças. Há milhares de marcas, sendo que nós europeus normalmente importamos as marcas mais conhecidas, as que garantem vendas fáceis.
      Mas voltemos aos jigs em si: A montagem que vê é simétrica em termos de armamento, são dois anzóis assistes em baixo e dois em cima, da marca Shout, que é topo de gama em qualquer lado do mundo. Não tente tocar-lhes de mãos nuas quando tem um peixe a debater-se, ainda com força. O mais provável é que se crave a si próprio por efeito de algum gesto brusco do peixe. Estes assistes Shout são perigosíssimos, não só para o peixe mas também para nós, se não os soubermos utilizar. Ao menor toque, por ligeiro que seja, o peixe crava-se. Têm uma camada de teflon que os leva a deslizar um pouco mais, e isso é fatal para o peixe, e para os nossos dedos. Utilizar sempre alicate para desferrar, em peixes grandes, que se debatem muito.
      Mas este é um jig não simétrico, ou seja, tem de facto uma parte mais pesada, a cabeça. Se queremos dar a noção de presa real, não podemos dar-lhe uma animação contrária, na circunstância por o peixinho a nadar para trás....certo?
      O jig vai trabalhar na coluna de água, vai emitir vibrações, e estas arritmias são provocadas pela forçada desaceleração que sofre na descida, por ação da resistência que encontra na água. Faz patamares e volta a descer, e faz mais patamares, vibra e desce novamente. Estes patamares são deslocações horizontais, e são expectáveis, de acordo com a assimetria do jig. Podem prever-se em computador, e em tanque de ensaios são perfeitamente visíveis. Mas a tendência será sempre a de descer mais tempo com a parte mais pesada para baixo. Ou seja, de cabeça para baixo, tal como faria um peixe a descer. Na subida, o processo inverte-se. o peixe sobe a nadar de cabeça para cima, não sobe de....costas, ou seja, de rabo para cima. Faz sentido?!
      Ainda ontem fui e fiz uma remessa de peixes com jigs. O dia estava impecável, a água limpa, e havia muito peixe.
      Já agora, e para complemento de informação, este jig da Smith japonesa resulta para os meros: ficou cravado num que o levou para o buraco e partiu o nylon 0.90mm. Quando o buraco é a um metro da caída do jig, pode acontecer. É bom saber que os anzóis são em vanadium, que enferruja ( por isso são sempre passados por água doce à chegada a casa) e liberta o peixe daquele incomodativo...piercing.

      Um abraço!
      Vitor

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    2. Olá Vitor
      Por um lado, na descida o movimento é pouco natural, vai aos trambolhões ... achava eu, (que não tenho grande prática).
      Mas faz sentido sim. na descida a parte mais pesada (cabeça) toma naturalmente a dianteira, enquanto na subida puxo pela mesma e assim o movimento é sempre com a cabeça no sentido do movimento.

      A restante informação é sempre fascinante e contribuiu para a clareza geral da atividade!!!
      Obrigado.

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    3. Bom dia Paulo Gostei da descrição de " descida aos trambolhões"....achei mesmo que valia a pena dar-lhe mais alguns elementos.

      Marcas como a Deep Liner japonesa não deixam nada ao acaso. Eles fazem ensaios em poços de mergulho, os quais têm camaras colocadas ao longo dos 35 metros de profundidade, e em que eles conseguem filmar os movimentos do jig. De resto, esses movimentos dão origem à definição do próprio jig em termos de técnica de pesca: ou é para fast jigging, (ou speed jigging), ou é para slow jigging. Normalmente levam dois anos a afinar um jig, até o considerarem apto a ser lançado no mercado. Mais que isso, eles, para além destes ensaios de laboratório, fazem provas de mar. A Deep Liner tem barcos que saem para o mar com pessoas que pagam, e muito bem, para serem escolhidas pela marca para testarem os protótipos deles. Quando abrem as inscrições para a totalidade das saídas anuais, esgotam em poucos dias, e têm de ratear por entre os concorrentes interessados. E nessas saídas, eles testam os jigs exaustivamente. Na verdade, tratam-se de milhares e milhares de horas de pesca com material que vai sendo afinado no terreno, após o desenho em computador. Fazer jigs baratos, é fácil e basta derreter chumbo para um molde. Mas fazer jigs técnicos, em que se sabe à priori exatamente qual vai ser o comportamento da peça, já exige mais algum trabalho. A Deep Liner é a marca mais cara do mercado, mas de longe também a melhor. Os jigs da Deep Liner não caem ao rebolão...caem exatamente conforme é expectável, como devem cair para provocar esta ou aquela espécie. E isso é afinado muito antes de você comprar o jig. Eles sabem o que estão a vender, e para que serve. E por isso colocam esses detalhes todos nos catálogos dos produtos, indicando para que servem e como trabalham. A tal história do cair ao trambolhão....não é para esta gente. Tenho muito gosto em lhe mostrar a gama de jigs que a GO Fishing tem em stock, sendo que na Europa só existe uma empresa, na Grécia, que tem alguns. Nós temos a representação nacional, porque só nos interessa ter o topo de gama de cada produto. Se é muito bom, nós temos. Vendemos muito menos do que faríamos se optássemos por material chinês barato, mas é a nossa opção. Pelo menos temos orgulho naquilo que fazemos, não temos vergonha....
      Se quiser eu passo-lhe alguma informação técnica sobre os jigs Deep Liner.
      Abraço
      Vitor

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    4. Olá Vitor, muito agradeço a sua atenção.
      Classifico dois tipos de ignorância na pesca; a falta de pratica a as falsas crenças.

      Agradeço muito que envie informação tecnica sobre os jigs. Faço questão de usar o meu Kayak e como Portugal é pequenino, vou fazer-me acompanhar de colegas e recorrer a costas com maiores profundidades para essa prática, só tenho que ter um pouco melhor garantia para o sucesso, porque para passear, já passeamos na Figueira :).

      Agora também já tenho o insight sobre o que devo procurar, vou pesquisar por testes das marcas no You Tube.

      Sempre me questionei porque raio por exemplo a Rapala não inclui melhor informação sobre a utilização das amostras. A otimização da profundidade com a velocidade de recolha ou do trolling, as caracteristicas da linha, etc. Tb já percebi que os predadores - robalos- não necessitam que a amostra lhes passe à frente do nariz para as perseguir, mas ainda tenho muito essa crença.

      Já que não consigo sair neste fim de semana, vou beber o que puder :)

      Abraço, Paulo

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    5. Paulo, faça testes durante o fim de semana. Para saber se tem COVID, nada como verificar se tem sintomas, por exemplo o paladar e o cheiro.
      Comece por testar um Pera Manca 82, e veja se tem o odor certo. A seguir, pode fazer uma linguiça assada, e junte um pouco de pão de Mafra. Se o chouriço lhe cheirar a chouriço, ainda não quer dizer nada. Veja se os taninos do vinho tinto lhe chegam ao nariz. E a seguir teste outras, um Barca Velha, ...etc. Se tudo estiver ok, e porque com estas coisas do COVID nunca se sabe, continue a testar. Prove um entrecosto grelhado e veja se lhe sabe a entrecosto grelhado. Se eventualmente lhe souber a tofu, ou a bolachas integrais, é melhor preparar-se para a desgraça.

      Vou mandar por e-mail alguma informação sobre os jigs da Deep Liner. Eles fabricam desde 30 gramas até 1500 gramas. O sistema é muito interessante: Têm uma paleta de cores, uma variedade de formatos, e um leque de pesos possíveis. Com isso na mão você mesmo desenha o seu jig, ou seja, escolhe o modelo, a cor e o peso. E as tabelas indicam para que peixes são melhores, se funcionam bem em correntes lentas ou fortes, se são melhores para peixes de fundo ou meia água, têm os desenhos gráficos que esses jigs fazem na água na descida e na subida, etc, etc.
      Sobre Rapalas, falamos aqui, eu vou colocá-lo à frente de um mundo de artificiais de perder a cabeça. Os melhores são mesmo os da Smith Japan. A perfeição é do outro mundo, cada detalhe vê-se que levou meses a ser definido. Depois há a DUO, muito boa, a Lucky Craft, etc....mas nada chega à Smith. A Rapala está estagnada no tempo....faz hoje o que fazia há dez anos.


      Abraço
      Vitor




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  2. Comi queijo do Rabacal e bebi um branco Marques de Marialva, sabor e aromas sao do outro mundo. Top.

    Bom fim de semana

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