As santolas, essas estranhas criaturas

Existem animais que seriam indubitavelmente protagonistas principais em qualquer arrojado filme de ficção científica. 
A santola é um desses bichos, e estou certo que, com alguns efeitos especiais, uma música agressiva e no meio de algumas sombras e luzes, teríamos neste "aracnídeo" o personagem perfeito para horrorizar meio mundo. 
Orson Welles teria escolhido facilmente uma santola para personagem principal de um filme de terror. E no entanto, são criaturas admiráveis, cheias de truques e que são capazes de fazer muitas coisas que a nós nos parecem impossíveis. 
Vamos ver algumas delas, caracterizando a espécie, para começar: 



Trata-se de um "aracnídeo" pertencente à família Majidae, um artrópode decápode, ou seja, com dez pés. A espécie mais comum é a nossa conhecidíssima Maja Squinado, vulgo “santola”. Produz quatro desovas por ano, e não está em vias de extinção. Habita fundos rochosos, onde procura as zonas com algas densas para se dissimular. Um dos habitats típicos, e que cada vez está mais em decadência, são as florestas de laminárias. Infelizmente são cada vez mais raras, o que é pena porque estas algas eram responsáveis pela fixação de inúmeros tipos de espécies, desde robalos a sargos, de lavagantes a lagostas e…santolas. Esta última alimenta-se de forma diferente, consoante seja Verão ou Inverno: com as águas quentes opta por ouriços e pepinos-do-mar, que captura facilmente pela sua imobilidade, e no tempo frio prefere algas e moluscos. 
Temo-las entre nós todo o ano, sendo que há momentos em que estão francamente debilitadas, concretamente o momento de mudança de carapaça. Não deixa de parecer-nos estranho que um bichinho destes tenha tal tática de vida, mas é assim que fazem para seguir crescendo: quando precisam de aumentar de tamanho, normalmente no Outono, a carapaça exterior salta e abre espaço para uma outra de maiores dimensões. Durante esse período, a Maja Squinado fica muito vulnerável, pelo que se refugia em frestas, buracos escuros, enquanto espera pela consolidação da sua nova estrutura. Encontrei-as muitas vezes neste lamentável estado de fragilidade, com o corpo mole, a tentarem esconder-se em grutas e buracos, normalmente penduradas nos tetos. 

Esta é uma carapaça de uma santola que cresceu, e porque já não cabia na sua anterior casca, abandonou-a. O processo dura alguns dias, e há um necessário recolhimento da santola durante a fase de muda, até ter a nova “pele” consolidada.


Conheço locais onde uma concentração de vinte ou mais santolas é algo permanente, durante todo o ano, existindo sempre um macho, que tem um tamanho bastante superior às fêmeas do harém. 
Não são raros os machos com 2 kgs de peso. À porta dos buracos de safios, é muito comum virem cá fora, à luz do dia, ficando as fêmeas, sempre mais pequenas, dentro da zona escura. 



Portugal é o responsável por 1% das 5.000 toneladas de santola /ano que são capturadas na União europeia, sendo França o maior responsável, com cerca de 70% dessa quota. Mas estes são números oficiais, que seguramente não correspondem nem de perto nem de longe à realidade no terreno. Não contando os exemplares presentes em lota, quem é que no nosso país acusa a captura de uma santola? No país nosso vizinho, os espanhóis resolveram dar uma ajuda à espécie, proibindo a sua descarga em terra sempre que estejam ovadas. Nós preferimo-las ovadas, dado que nessa altura estão garantidamente cheias….

As santolas são animais que jogam tudo no seu mimetismo com o fundo. Por vezes, são descobertas em zonas em que apenas estão de passagem, pelo que a cobertura da sua carapaça não corresponde de todo ao meio envolvente. Estariam bem disfarçadas se o entorno fosse o anterior, mas infelizmente para muitas, são apanhadas em contrapé, no sítio errado e no momento errado.

Excelente disfarce, mas infelizmente esta santola foi encontrada no sítio errado, o entorno não tem estas algas, logo dá muito nas vistas…. Mas não deixa de ser este um disfarce ganhador, feito com muito gosto. Aposto em como 99 em 100 pessoas seriam incapazes de identificar este animal...


Os tetos das grutas são locais onde normalmente é possível encontrar santolas. Outro sítio infalível são os buracos de safios, porque estes trazem peixes nas mandibulas para a toca, e ao sacudirem as capturas para as engolir, acabam por espalhar restos de pele e carne que ficam agarrados às paredes. As santolas agradecem.


Um dos habitats preferidos das santolas são as paredes de rocha, onde conseguem subir com facilidade utilizando as suas garras. Em caso de necessidade, lançam-se parede abaixo, procurando fugir à ameaça. Normalmente nas pedras do fundo há reentrâncias que podem escondê-las, caso não sejamos suficientemente rápidos a adivinhar onde caíram.


Em termos de disfarce preferido, as santolas não hesitam: um molho de algas presas ao “velcro” da carapaça vai sempre bem, e serve para as esconder dos seus principais predadores. Não fosse o bicho homem um predador terrível, e muitas delas chegariam a santolas seniores, bem velhas.


Animal em processo de alimentação. Os campos de mariscos têm sempre algo que lhes agrada. As santolas também se alimentam de peixe morto que ficou em redes velhas que ficam perdidas pelo fundo.


Um parente próximo da santola é a sapateira, que é bem mais rara entre nós. Basicamente falamos de animais fugidos de explorações de aquacultura, viveiros de mariscos, e pouco mais. 
Sei que há zonas no norte do país em que ainda aparecem, mas são casos isolados, nada que se possa considerar consistente. As sapateiras que se comem no nosso país são importadas de França e engordadas em viveiros. Admite-se que a libertação de ovas destes viveiros possa provocar o aparecimento de algumas unidades no mar aberto, mas não é algo que se encontre na natureza quando se quer encontrar. 


A sapateira, outro "aracnídeo" possível em Portugal.


Disfarce muito mal feito. Estas santolas menos cuidadosas, normalmente morrem cedo, os caçadores submarinos encontram-nas com facilidade.


Podem aqui observar a zona de trabalho típica de uma santola. Na circunstância trata-se e uma navalheira, parente próximo do nosso protagonista de hoje, mas o campo de batalha é este. As algas que veem acima são as favoritas das santolas para compor o seu disfarce. Agarram a tudo, inclusive aos fatos de mergulho dos caçadores submarinos.


Dou-vos um doce se forem capazes de descobrir esta santola em plena natureza!! O disfarce é de tal forma bom que apenas um olho muito sabedor tem a possibilidade de discernir que as algas que estão no meio das outras algas,... na verdade escondem uma santola.


Há zonas do nosso país que são muito atreitas a ter santolas. Quem não conhece as santolas da Pedra da Galé, na Carrapateira. Porque é uma zona de águas muito batidas, passa-se um fenómeno curioso: as santolas começam a subir a parede, de cerca de 21 metros de altura. Sendo a mobilidade reduzida, levam algum tempo a chegar à zona onde se encontram os mariscos, os perceves, as lapas, os mexilhões, etc. A parte superior desta formação rochosa, por força das enormes correntes e vagas que se abatem sobre ela, é praticamente lisa. Ao chegar ao topo, e porque a aguagem é muita, acontece normalmente que as santolas aí cheguem com as carapaças carecas de algas, limpas, o que faz com que sejam perfeitamente detetáveis a longa distância. Acontece o mesmo na Baixa do Cabo Espichel, ou na Pedra do Gigante em Sagres, os exemplos são inúmeros. 

Espero que tenham gostado. 



Vítor Ganchinho



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