Para quem faz pesca à linha e tem do mar uma visão de fora para dentro, ou seja, de pessoa que sai no seu barco e olha o mar em baixo pela perspetiva de quem está de fora, nunca será fácil entender a multiplicidade de habitats que existem e as enormes diferenças de estilos e ritmos de vida dos nossos peixes. É mesmo muito comum que quem lança as suas linhas à água não tenha ideia nenhuma do que existe debaixo da superfície do mar. Tanto assim que acredita piamente na existência de peixes em todo o lado, que o peixe está sempre a aguardar a chegada dos nossos iscos, e no fim, tudo se resume a sorte, essa palavra tão cara aos portugueses.
Nada mais errado. Nem há peixe em todo o lado, nem os pesqueiros têm todos o mesmo perfil, nem os peixes contam com as nossas iscas para a sua vida normal. E muito menos a pesca é uma questão de sorte.
Para ajudar a desmitificar opiniões e crenças de pescadores que nunca meteram a cabeça dentro de água, aqui vai alguma informação sobre um tipo muito particular de peixes e organismos marinhos. Falamos hoje dos habitantes dos buracos, aqueles que se sentem mais confortáveis quando protegidos dentro de grutas, rasgos na pedra, inclusive reentrâncias na vasa.
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Fundo de grutas. Estes locais são procurados pelos peixes noturnos para se esconderem durante o dia. |
Caracterizemos pois o tipo de peixes que nos interessam para este ensaio, começando ainda assim por falar dos outros.
Os peixes pelágicos são aqueles que caçam de dia e normalmente repousam à noite. Conhecemo-los como habitantes das águas abertas, seres que se deslocam normalmente ao largo, aproximando-se pontualmente da costa para comer. Dificilmente veremos um dia lírios, anchovas, bicudas, atuns, espadartes, tintureiras, etc, dentro de buracos. Não faz o seu género, se a expressão me é permitida. A maior parte destes peixes vive em água livre, são tipicamente indivíduos de águas azuis. Que não necessariamente peixes de cardume. Muitos destes são de facto solitários, o que não os diferencia só por si dos peixes de buracos, que também o são na sua esmagadora maioria. A maior diferença reside sobretudo no facto de grande parte deles não esperar pela noite para dar inicio à sua atividade. Os peixes de buraco sim, têm um ritmo essencialmente noturno. Ainda que não seja estranho que aconteçam capturas diurnas, (todos nós pescamos safios , abróteas, etc, durante o dia), sendo estes peixes noturnos. Já aqui vos dei a minha opinião sobre a questão das marés ser mais importante que o ciclo dia/ noite. Na natureza a noite não é encarada como uma divisão entre dois dias, apenas um momento de oportunidades diferentes, que obriga a diferentes capacidades.
Seria desgastante um ciclo de vida que abarcasse as 24 horas de cada dia, em regime non stop, com os peixes a ignorar o seu próprio relógio biológico. Também já aqui vimos que algumas espécies caçam indistintamente durante o dia ou noite, o caso dos robalos, que inclusive têm uma atividade crepuscular muito intensa. Mas esses são aqueles que podemos considerar quase como “híbridos” e que são exceções à regra. Consideremos que, para efeito simples de caracterização, existem alguns tipos de peixes que vivem à noite, e outros de dia.
Desses que “trabalham” de noite, temos registos fotográficos, temos a experiência de pesca e o sentido e certeza de que lhes agrada sobremaneira o período escuro da noite para caçar as suas presas. Vejamos quem são:
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Safio malandro a esperar pela noite. Não sei se conseguem ver as antenas dos camarões que estão alinhados na plataforma debaixo da sua boca. |
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Pequeno safio anichado numa fenda da rocha. |
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Grutas normalmente visitadas por peixes de buraco, que no seu interior encontram os rasgos onde se podem abrigar, esconder e descansar de noites mal dormidas... |
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Scyllarus Arctus, conhecidos entre nós por nomes tão diferentes quanto bruxas, ferreirinhas, cigarra-do-mar, cavaquinhos ou santiagos, ……estes pequenos crustáceos são muito interessantes. |
Atingem normalmente os 12 a 16 cm de comprimento, para um peso não superior a 50/60 gramas. São parentes próximos dos cavacos açorianos, os grandões Scyllarides Latus, que chegam a atingir 45 cm, e cerca de 2 kgs de peso.
Habitam fundos dos 2 aos 50 metros e estão normalmente em grupo, em grutas ou fendas escuras onde permaneça um safio grande, por exemplo. Fazem um trabalho de limpeza, aproveitando os restos de peixe deixados pelos safios.
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Aspeto geral de uma gruta onde convivem caranguejos, santolas, camarões, cavaquinhos, e sempre um peixe grande, uma abrótea, um safio, um mero, algo que vai fora e traz comida para esta gente toda. |
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Reparem nos camarões à esquerda da foto. Os sargos adoram-nos... |
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O mundo das grutas é algo que esconde segredos, e onde se pode sempre esperar de tudo. Quando a pressão de pesca é grande, estes são os últimos refúgios dos nossos peixes. |
Aqui, as nossas linhas não chegam. Mas estas zonas escuras abrigam alguns dos peixes que podemos conseguir lançando relativamente perto, porque eles nunca estão distraídos e quando sentem o cheiro de isca por perto, muitas vezes arriscam uma dentada. A maior parte das vezes a última.
Amanhã vou trazer-vos …lagostas.
Vítor Ganchinho