Como se não bastasse o facto de serem perseguidos por predadores dia e noite, por redes e aparelhos, por pescadores de linha, os pobres dos nossos peixes são ainda acometidos por doenças e parasitas que os deixam em estado de penúria. Entre os peixes que mais sofrem com estes “inquilinos visíveis” por exemplo as pulgas-do-mar, contam-se as choupas e as douradas.
Estas duas espécies são acossadas por uma infinidade de pequenos “inquilinos”, e porque estamos agora numa altura crítica para ambas, período de reprodução, lembrei-me de vos dar mais alguma informação sobre este assunto.
Estima-se que existam muito mais parasitas que animais vivos, o que só por si dá bem uma ideia da magnitude daquilo que estamos a tratar. São aqueles que conseguimos ver, mas são muito mais os invisíveis: minúsculos protozoários, diminutos crustáceos, e mesmo anelídeos, uma chusma de espécies capazes de parasitar os nossos queridos peixes.
Na verdade, quase todos os peixes, quer selvagens quer de criação em viveiro, apresentam problemas e são hospedeiros de qualquer destas formas vivas que vivem à conta do corpo de outros.
Não nos ficamos a rir, porque também nós humanos temos milhões de bactérias no nosso corpinho santo, invisíveis à vista desarmada, mas também piolhos, e esses sim, perfeitamente visíveis.
É de parasitas que iremos tratar hoje, esses maravilhosos seres que vivem em nós, em todos os animais terrestres e obviamente, em todos os peixes do mar.
Com efeito, vivem quer na superfície exterior, na pele, quer nos órgãos internos, e são um bom indicador da qualidade, ou falta de qualidade, das águas em que estes se movem. Afectam todos os processos metabólicos do ser vivo: o sistema alimentar, o sistema nervoso e ainda o aparelho reprodutivo.
Espécies que vivem em ambiente selvagem têm menos propensão a ter problemas de parasitação, mas as espécies criadas pelo homem, porque são criadas em espaços reduzidos e em grandes concentrações de exemplares, têm mais tendência a desenvolvê-los.
Estima-se que os custos mundiais provocados por parasitas oscilem entre os mil milhões e os nove mil milhões de euros de prejuízos directos. São os parasitas e suas infecções aqueles que mais contribuem para a sustentabilidade e viabilidade económica das explorações de aquacultura de peixes. Os tratamentos são onerosos, e porque feitos em meio aquático, obrigam a grandes dispêndios de antibióticos, remédios, no fundo, de verbas. Não serão inócuos estes lançamentos de antibióticos no meio natural, no mar. Para além disso, criam a imagem de uma forma de produção industrial de comida que sai para o prato já infectada, o que não ajuda ao negócio. Em termos de marketing, passar a imagem de peixe de aquacultura igual a doenças, não ajuda em nada as vendas.
A este nível, não falamos de peixes, dos nossos queridos peixes, falamos de produto, falamos de produção rejeitada, porque não é apresentável ao consumidor. Sei que este conceito de peixe versus produto vos parece estranho, mas quem trabalha em aquacultura não pensa em peixes para pescar, para obter emoções, para garantir a excitação de uma picada.
Os parasitas têm um impacto directo sobre a resistência orgânica a factores de stress, afectam a capacidade de reprodução, mesmo a susceptibilidade a outras infecções, provocadas por outros microorganismos. O salmão que se tem vindo a tornar tão popular entre nós, é dos peixes com mais tratamentos químicos que conhecemos. Com muito melhores características alimentares temos por cá a nossa sardinha, a nossa cavala, a um preço francamente mais baixo. É uma questão de opção firme e de conhecimento. Para além de tudo, também alguns dos parasitas que habitam os peixes acabam por provocar doenças em humanos. Por isso o trabalho dos cientistas que se ocupam desta área da produção de alimento é tão importante, e fundamental para o ganho de confiança do consumidor.
Também a nós pescadores de linha estes assuntos nos interessam porque, quanto mais peixe de aquacultura for consumido, mais “folga” existe para o peixe que nos interessa, o peixe selvagem, o peixe que nós conhecemos e queremos continuar a pescar.
De quando em quando, aparece-nos um exemplar que teve menos sorte com parasitas num dos nossos anzóis. Pode acontecer com qualquer um dos peixes que pescamos nas nossas pedras habituais, mas nesta época em concreto, são as choupas as maiores vitimas. Logo a seguir serão as douradas, mais fracas quando acabam a postura, e que por isso perdem peso. Os cardumes de douradas de Janeiro e Fevereiro apresentam frequentemente pulgas e outros estranhos comensais, que se aproveitam das suas fragilidades. Vejam esta choupa:
Pobre animal, foi sugado pelos parasitas até ficar neste estado. |
É muito comum que tenham uma ou mesmo duas pulgas-do-mar alojadas na cabeça, ao lado do olho.
Também pode acontecer que uma delas esteja cravada na sua língua, quase impossibilitando o processo alimentar.
Este pequeno peixe acabará por recuperar, mas vai levar meses até voltar a ser o que era. Restituído por mim à água, obviamente. |
Vítor Ganchinho