O poder de camuflagem dos habitantes do mar

Diz-se na gíria dos advogados algo como: “um mau acordo é melhor que uma boa demanda”, o que traduzido para linguagem de gente comum, significa algo como isto: 
Reduzir as possibilidades de perdas pode ser melhor que testar a possibilidade de uma vitória. Muitos dos animais marinhos, porque vivem num mundo de permanente luta e agressão, e em que o confronto físico pode ser mau para ambas as partes, optam por se tornar invisíveis, por desaparecer de cena, evitando uma luta que podem, ou não, ganhar. 
Os peixes e moluscos jogam com armas estratégicas que passam muito para além do simples confronto físico. A tinta dos chocos, lulas e polvos, o mimetismo de um linguado, pregado ou solha, o rigor estático de um rascasso, enfim, inúmeros exemplos muito próximos de nós, e que nos mostram claramente que na natureza uma saída de palco pode ser muito mais interessante que um confronto de forças. 

Gostaria de poder mostrar-vos hoje alguns exemplos de situações em que os animais marinhos optaram claramente por passar incógnitos. Mas quero fazê-lo com exemplos concretos de peixes que vocês conhecem, que vos dizem algo, dos quais conhecem as formas e cores. Vejam a seguir: 

Magnífica foto de um rascasso encaixado num tufo de algas.


Muitos destes casos, e dado o mimetismo de cores, apenas são visíveis porque o animal está perfeitamente isolado, para que o possam ver. Se quiserem, isto significa que no seu ambiente natural, com metros e metros de área para pesquisar, muito provavelmente não teriam a possibilidade de conseguir ver mais do que um ou outro. 
A camuflagem é uma arma terrível, e eu posso garantir-vos que apenas olhos muito treinados e conhecedores podem detectar a maior parte destes seres. 
Recordo-me de um caso gritante: o meu amigo Francisco Amante, de Beja, a dada altura estava comigo no Senegal, a fazer caça submarina. Descobri um mero a cerca de 16 metros de profundidade, e de tal forma fácil que o fui chamar para que ele fizesse o seu primeiro exemplar. Tratava-se de um buraco no chão de areia, redondo, e onde a cabeça do bicho era perfeitamente visível. Marquei o sitio com a minha boia, e o chumbo ficou a poucos centímetros da toca. Depois de mergulhar várias vezes, e sempre a dizer-me que não estava lá nada, resolvi descer com ele e mostrar o animal. E mesmo comigo a apontar, a cerca de meio metro de distância, …não conseguiu ver. O mero tinha 15 kgs, não era assim tão pequeno. Isto diz bem daquilo que pode acontecer quando os nossos olhos não sabem ver, não conseguem fazer a leitura daquilo que está à nossa frente. 

Um salmonete que passa muito bem por mais uma “pedra”….pese embora à superfície nos apareça de vermelho vivo.


Não são só as cores, são também as formas. Os polvos ouriçam a pele para se fazerem confundir com as algas e pedras circundantes. 
Os chocos, os linguados, etc, levantam a areia para que lhes caia em cima e os cubra. Os reflexos do sol, as matizes dos fundos, as algas e os seus movimentos, tudo contribui para que os nossos olhos não sejam capazes de distinguir formas que, noutro enquadramento, nos seriam perfeitamente familiares. 

Pese embora em deslocação, estes sargos não deixam de garantir alguma discrição, confundindo-se com o meio circundante. 


Estas salemas, a vinte metros de distância, são virtualmente invisíveis. Caso se mantenham estáticas, o predador passa e não as vê.


Pequeno bodião verde, anichado num esconderijo de algas e pedras.


Difícil não é ver este ratão a procurar comida enterrada, é sim ver o peixe que está à espreita a ver se algo sobra para ele.


Uma raia que deixou muita coisa à mostra. Em condições normais, este animal consegue enterrar-se de forma a deixar apenas os olhos fora da areia.



Porque tenho pelos polvos uma paixão assolapada, um amor que já vem de décadas, vou propositadamente deixá-los para um capítulo seguinte, e em regime de exclusividade. 

Amanhã não percam, o polvo, o rei do disfarce.



Vítor Ganchinho



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