Os polvos, esses incríveis e inteligentes seres

Disse-vos que voltava à carga com os polvos e aqui estou a cumprir o prometido. 
O polvo, um molusco de que já aqui falámos anteriormente, é dos mais incríveis seres do nosso planeta. Para além de uma inteligência absurda para um ser que vive uma vida tão curta, (os polvos na melhor das hipóteses têm três anos de vida máxima, sendo dois o padrão normal), e por isso tão pouco tempo para aprender a viver, dão-nos lições de sabedoria a cada instante. 
Na verdade, se quiséssemos desenhar um animal perfeito não ficaríamos muito longe deste octópode. 
Bem sei que para muitos de vós aquilo que vêem naqueles bichinhos pouco mais é do que um bom arroz. Ou o famoso “polvo à lagareiro”, ou coisas à “Zé do Pipo”, enfim, poupem-me a saber o que fazem aos meus queridos polvinhos. Para mim, eles são super-heróis, são criaturas admiráveis que nunca me cansarei de estudar sempre que posso colocar os olhos debaixo de água. 
Tenho deles a melhor das impressões, e a admiração que se pode ter por algo que ao mesmo tempo é inteligente, é forte, é elástico, é matreiro, é discreto e capaz de fazer muitas coisas que nós humanos seriamos perfeitamente incapazes. 
O artigo de hoje dá um foco especial ao acto de camuflagem. Mas falar de polvos é estar a tratar de um ser superior, que eu chamaria de um “intelectual do mar”. Ora vejam o porquê: 

Depois de agarrados à pedra, é muito difícil arrancá-los da sua posição. As suas ventosas aderem fortemente a qualquer superfície que lhe dê apoio.

Quando larga a rocha, e decide partir, o polvo trata de esconder a sua fuga utilizando para isso um efeito de nuvem escura. No fundo, larga uma granada de fumo, que lhes cobre a retirada. 
Os predadores procuram-nos sempre no meio da nuvem, mas eles já estão longe. Aqui abaixo, o início desse processo.



Por efeito de um sifão que expele água de esguicho, conseguem desaparecer em segundos. 
Reparem como juntam os tentáculos, para oferecer menos atrito à deslocação. Para um animal que vive a fugir aos seus predadores não deixa de ser importante esta capacidade de procurar refúgio em zonas de difícil acesso. Normalmente procuram frestas estreitas, buracos escuros, ou zonas baixas, sítios que lhes dão segurança, por serem inacessíveis ao predador que os persegue. 



Neste caso, um polvo que já teve um mau encontro, algo lhe danificou um tentáculo. Pode ter sido um safio, uma moreia, um pampo, ou mesmo a entrada brusca em algum lugar estreito, com mexilhão. O corte é visível, e ao fim de dias, regenera completamente. De resto, os polvos conseguem regenerar os seus tentáculos. 
Nos filmes de ficção científica isso acontece sempre aos alienígenas, mas aqui é a realidade, é algo que acontece todos os dias, numa rocha ou praia perto de si. 


O padrão de cores pode variar de tudo branco até tudo castanho escuro, muito escuro, sendo os cambiantes de cremes, cinzas e vermelhos os mais comuns.

Estas cores são obtidas através de um engenhoso sistema de abertura e encerramento de cones, os cromatóforos, que permitem ao animal a obtenção de um efeito de camuflagem notável. 


Polvo que sabe que foi descoberto. Adoptam esta postura e cor sempre que sabem que a camuflagem já não lhes serve de nada.

A partir deste momento, estão prontos para o combate. Tentam fazer-se maiores, tão grandes quanto possível, para meter medo. Eles sabem que ou encontram um local seguro, ou a sua vida corre perigo. É isso que estas cores e este formato representam. 


Este animal já foi corrido do seu local inicial, escapou para este refúgio, e abandonou a cor de camuflagem.

Quando ficam com estes “óculos escuros” é porque sabem que as coisas dificilmente poderão ficar bem, já vai haver problemas sérios. Provavelmente não haverá nas redondezas nenhum refúgio suficientemente bom. 


Para este pequeno polvo, uma tainha de 600 gramas é um almoço ajantarado, e só a vai largar quando já não tiver nada que comer. A rádula, o bico de papagaio que corta as presas, fará o seu trabalho, possibilitando a este polvo a obtenção de proteína em quantidade suficiente para o fazer crescer. 

Um polvo grande passa a ter mais poder, mais capacidade de força para abrir bivalves, mais capacidade de defesa porque as pedras grandes já podem ser levantadas, etc. 
Por isso o objectivo é sempre o de comer o máximo possível, para crescer. Ser grande é ser mais capaz, e significa segurança acrescida. Os polvos de 11 kgs, o máximo que já encontrei nas nossas águas, comem facilmente os pequenos, os polvos de 5 kgs. 

O olhar matreiro de um polvo que ainda acredita que controla a situação. Sente que a união das duas pedras em que se apoia tem um buraco suficientemente bom para o esconder, e sabe que lhe basta deixar-se deslizar um pouco para lá chegar. Este polvo não está assustado, está apenas expectante, e irá reagir em função do nosso passo seguinte. Se formos embora fica onde está, se nos aproximarmos, inicia a fuga.


Fase seguinte esta, a de um polvo que sabe que já foi visto, mas acredita que podemos vir a ter medo dele. Estas malhas tigradas são absolutamente espectaculares. Não se dá ao trabalho de se ouriçar demasiado, porque sabe que foi visto, a mimetização já não adianta, agora é tempo para um jogo de apanhada e fugida.


Polvo em sossego. Trata-se muito provavelmente de um polvo femea, e pode ter a sua postura por cima, no tecto da fresta.

Os polvos sopram com a água expelida pelo seu sifão os ovos, para os manterem oxigenados e limpos. Tratam-se de cachos finos, escorridos, que oscilam com a corrente, e que um dia irão dar origem a um exemplar adulto. Sabemos que apenas uma ínfima parte irá chegar à idade adulta, os predadores são imensos, e as defesas não são muitas. Os polvos canibalizam-se entre si, e isso limita enormemente a sua proliferação. Após a desova, as femeas deixam de se alimentar, apenas protegem a ninhada e isso é-lhes fatal. Ficam fracas e expostas a qualquer predador, sendo o safio o seu pior pesadelo. Em zonas com meros, o polvo é autenticamente aspirado pelo efeito de sucção da sua enorme boca. Já cacei meros com polvos ainda vivos dentro do seu estômago. Quando arpoados, os meros regurgitam a comida que engoliram, e isso pode dar origem a um salvamento inesperado de um destes octópodes. 


Reparem no detalhe do olho. Não sabemos tudo sobre a visão do polvo, mas sabemos o suficiente para considerar este um animal espantoso a esse nível.

Têm um tipo de visão que estruturalmente não é muito diferente da nossa e são sensíveis às cores. A visão binocular permite-lhes, entre outras coisas, sair de uma poça de maré e chegar a outra, caminhando por terra, em seco, se necessário. Passam de rocha em rocha, procurando as poças que retêm os pequenos peixes e sobretudo a sua perdição alimentar: os caranguejos. 
Este foi encontrado numa zona baixa, de águas mexidas: reparem nos calhaus que estão polidos, lavados, sem algas. Isso indica baixa profundidade. 
Um dos tentáculos toca uma casca de lapa, mas não é caça recente. Este polvo está assustado, exibe as cores indicativas disso mesmo.


Espectacular foto de um polvo a tentar disfarçar-se de alga. Reparem como ele assume as cores e padrão da alga que está à sua frente, e se firma nos tentáculos para ganhar altura e poder ver em frente. Com um pouco de mar, com tudo a mover-se ao mesmo tempo, areia, algas, anémonas, …acredito que 99 pessoas em 100 não o conseguirá ver.

Por pouco que vos pareça, esta é uma incrível foto, que nos dá imensa informação. Os braços das anémonas urticantes tombados, a areia que está em suspensão, significam um dia de mar forte, com força de fundo, a varrer. Os polvos, porque respiram por um sifão, evitam estar em zonas de rompente com estas condições. Quando o mar levanta, afundam o suficiente para que passem a uma zona mais estável, mais confortável. Nestes dias, normalmente ninguém leva camaras para dentro de água, por se achar que nem vale a pena. De todas as fotos que podem ver acima, esta é de longe a mais difícil de conseguir.  

Quando voltarem a comer o vosso arroz de polvo lembrem-se de que estão a comer um mestre do disfarce, um Houdini que se consegue libertar das algemas em muito menos tempo do que qualquer ser humano o conseguiria fazer. Os polvos, em muitos e variados aspectos, são francamente superiores a nós, humanos. 



Vítor Ganchinho



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