Os golfinhos e o seu sistema de ecolocalização

Gostamos de golfinhos. 
São de longe um dos mais fascinantes animais do planeta, e a par das tartarugas, um dos que goza de melhor reputação nos media. Todos são a favor. Desde o mais sénior à criança de mais tenra idade, todos nutrem por eles a estima e o carinho que se reserva apenas às estrelas brilhantes. E os elogios são merecidos. 
Outros habitantes marinhos não podem dizer o mesmo, e porventura merecem também a nossa admiração. 
Na verdade, as razões que nos levam a apreciar uns mais que outros não são tão lineares assim. Gostar de golfinhos é algo fácil, porque toda a gente gosta, porque é politicamente correto, porque as criancinhas são ensinadas a gostar, e porque são animais que gozam de um estatuto de proteção que nos leva a querer-lhes bem. E gostamos deles, na maior parte dos casos, pela imagem que têm e porque….sim. 
Mas a maior parte das pessoas não sabe o que eles fazem no mar. Admitem que terão de se alimentar, como todos nós, e terão apenas coisas boas a referir. Aí, é a boa imagem que impera, e eles têm os créditos todos, já foram feitos inúmeros filmes que toda a família adora ver. 
Mas essas pessoas não têm uma vaga ideia da mortandade que os golfinhos fazem em cardumes de peixe miúdo. Tive oportunidade por diversas vezes de mergulhar em sítios onde eles estavam a cercar bancos de cavalas e carapaus. É uma chacina, e só param quando não conseguem comer mais. Serão centenas e centenas de quilos de peixes que são trucidados em poucos minutos. Os restos baixam ao fundo, onde são disputados por todos aqueles que aproveitam estas ocasiões, nomeadamente os pargos, os safios, as abróteas, sargos, etc. É peixe fresco, acabado de matar. 



E não se ficam por aqui, outras espécies sofrem também algumas agruras com eles, nomeadamente os chocos.
Os golfinhos detectam-nos com muita facilidade, mesmo quando estão enterrados. A maior parte das pessoas não sabe como. Posso explicar-vos, em traços largos: 
O golfinho, animal do qual se conhecem 37 espécies diferentes entre animais de água doce e salgada, possui uma capacidade comum às baleias, a ecolocalização. Esta “habilidade”, ou capacidade, também chamada de “bio sonar”, é um sentido que nos é estranho. Trata-se de uma complexa capacidade biológica de medir distâncias e calcular tamanho e textura de objetos ou obstáculos que estão em frente ao animal. Consiste na emissão de ondas ultrassónicas, e na análise da quantidade de tempo que decorre entre o lançamento desses ultrassons e o retorno à fonte desse eco, depois de refletido no obstáculo ou presa. Poderão não entender a importância da utilização deste mecanismo, mas se considerarem que a captura de chocos dentro do rio Sado é feita com visibilidades de quase zero metros, (as águas são mesmo muito turvas em alguns dias), ou que o sistema pode ser utilizado à noite, como um radar, passam a considerar que para esse animal isso pode ser importante. É baseado neste princípio que os homens desenvolveram objetos que hoje nos são familiares e extremamente úteis: a sonda, que nos informa se temos ou não peixe no pesqueiro, o radar, que nos dá a informação em dias de nevoeiro se há ou não um barco à nossa frente, a ultrassonografia, que nos permite ver antecipadamente se vamos ser pais de um menino ou uma menina….

Eles têm uma percepção perfeita da posição, velocidade e direcção do barco.


E como funciona isso do bio sonar, na prática?

O golfinho tem a capacidade de emitir sons de alta frequência, ultrassónicos, na faixa dos 150 Khertz, sob a forma de estalidos. Esses cliques, que já quase todos ouvimos e que nas séries televisivas sobre golfinhos são uma vulgaridade, são gerados pelo ar inspirado e expirado pelos sacos nasais, situados no alto da cabeça do animal. Tanto quanto sabemos esses sons são controlados, amplificados e enviados para a frente através de uma ampola com óleo, chamada de “espermatócito”. É este mecanismo que envia os feixes de ondas sonoras para a frente, no meio aquático. O som propaga-se cinco vezes mais rápido na água que no ar, o que permite uma resposta muito célere. Há uma ação e uma reação quase imediatas. O som atinge a presa ou objeto, e é refletido de volta. A captação desse reflexo é feita por um órgão adiposo, um tecido recetor situado na mandibula inferior do golfinho. A partir daí, os sons são passados ao ouvido interno, ouvido médio, e seguem para o cérebro, que os descodifica. As informações acústicas geradas por este estimulo são de uma utilidade extrema pois permitem ao golfinho situar barcos, boias, redes, cardumes, outros animais, predadores, etc. Logo a seguir à receção do primeiro eco, o animal emite outro e outro e a cada chegada de retorno, fica a saber que está mais perto da eventual presa, porque o tempo que decorre entre a emissão e a volta é menor. Até que tem contacto visual. As capacidades destes mamíferos são de tal forma evoluídas que lhes dão a possibilidade de usar este sistema em zonas de muitos ruídos ambiente, nomeadamente vários barcos que se cruzam no seu espaço, de monitorizar vários objetos ao mesmo tempo, e de saber o tamanho, a textura, e se aquilo que lhes interessa está em movimento ou não. Um sistema provavelmente perfeito….. 
Por isso não admira que consigam detetar tão facilmente os chocos. Quando têm muitos à disposição tornam-se “belicosos” e passam a comer-lhes apenas a cabeça. Encontram-se muitos decapitados, por vezes até a boiar, ainda frescos, e já se sabe quem o fez. Por outras palavras, nós gostamos muito de quem decapita os nossos chocos, …esses sim, coitadinhos que têm de fazer-se à vida e capturar peixinhos pequenos para se alimentarem todos os dias. Coitadinhos dos peixinhos pequeninos, que por sua vez comem os outros que ainda são mais pequeninos…



Conseguem vê-los? Imaginem o que estará a fazer este salmonete no meio de dezenas de pequenos peixinhos de 1 cm de comprimento…..que não têm medo porque acabaram de eclodir. 
Chegamos à máxima fundamental da vida: peixe grande come peixe pequeno.

Na próxima publicação vou falar-vos de salmonetes. 


Vítor Ganchinho



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