Temos os peixes na penúria!

Vocês sabem que é verdade: os nossos queridos peixes passam as “passas do Algarve” connosco. 
Não falo daquilo que fazemos aos peixinhos depois de os pescar, que francamente não é bonito: analisando friamente, nós espetamos anzóis na sua boca, puxamo-los bruscamente dos fundos onde vivem felizes, matamo-los por asfixia, arrancamos-lhe as escamas, esfaqueamos a sua barriga com uma faca afiada, raspamos as suas entranhas até não restar mais nada, esfregamos as suas feridas com sal, e, como se não bastasse, ainda os queimamos numa fogueira. E comemo-los, mortos. Qualquer homem das cavernas faria igual. Convenhamos que não dá de nós uma imagem muito civilizada. 
Agora um pouco mais a sério: para aqueles que vão mais vezes ao mar, e consequentemente pescam com mais assiduidade, é claro e óbvio que vamos assistindo a uma degradação progressiva dos stocks de peixe. E ninguém faz nada. 
Quem sai hoje a pescar e visita pesqueiros que há meia dúzia de anos estavam carregados de vida, não deixa de regressar desapontado com a evolução daquilo que vê, com a presença cada vez mais diminuta de espécies que eram bastante comuns nas nossas águas, e com o tamanho médio daquilo que se consegue capturar. 
O agravamento é significativo, é sistemático, e perfeitamente visível a olho nu. Devemos por isso baixar os braços e pensar que não vale a pena lutar? Nunca!
Está na mão de cada um de nós ajudar a que se consiga um ponto de equilíbrio entre a extração de peixe, o usufruto de um bem que é de todos, e a sua preservação para o futuro. 
Este é mesmo um trabalho de todos. Mais tarde ou mais cedo teremos todos de nos mentalizar no sentido de criar um movimento colectivo de respeito pelo peixe, pelo meio ambiente. No fundo, de dar uma mão, de ajudar naquilo que pudermos para que continue a haver vida no nosso mar. 
E como pode cada um de nós colaborar? No dia a dia de cada um de nós, pequenos gestos são muito importantes: reduzindo poluentes, reciclando por sistema, tomando consciência que tudo aquilo que utilizamos diariamente, detergentes, lixívias, embalagens em plástico, vai tudo parar ao mar se não quisermos ter consciência ecológica. Mais do aquilo que se mata pela pesca, é aquilo que não nasce por acção humana. Os produtos químicos matam mais que milhões de anzóis. É banir por completo anzóis tamanho “mosca”, é libertar peixes pequenos, é fazer pesca dirigida em vez de pescar “pica-pica”, enfim, uma série de procedimentos que, a médio e longo prazo, nos podem trazer algumas alegrias, a todos nós. Porque bastariam alguns anos de boas práticas para reverter a situação, a natureza recupera muito depressa, se lhe dermos essa possibilidade. Veja-se o caso do atum vermelho, que esteve praticamente extinto, e hoje é uma espécie que já pode ser pescada sem problemas de maior. Há zonas já com excesso de atum! Mas não se pode pensar que nós fazemos e os outros não fazem. Porque nós também somos os outros …dos outros. Há muita gente que insiste em levar para casa peixinhos imaturos, que não lhe irão servir de grande coisa. 
Poupando a uma morte prematura exemplares que ainda não reproduziram, já estamos a ajudar. Perpetuar uma espécie é uma obrigação cívica de cada um de nós, para que reste algo para os nossos filhos. 

Se pescarmos peixes pequeninos, nunca os conseguiremos pescar com este tamanho. Excelente dourada capturada à chumbadinha por Bruno Cabrita, com caranguejo, um pescador que sabe bem o que faz. 


Passo as medidas mínimas dos peixes, para que tenham ideia do quanto falta trabalhar neste assunto, até estar em mínimas condições:




Estão a ver a loucura que é poder pescar um safio com….58 cm?....é uma enguia fininha….
Ocorrem-me estas palavras de amargura, por ver pessoas a preparar a época das douradas que se avizinha, e saber que essas pessoas já estão a comprar anzóis minúsculos, ainda mais pequenos do que os utilizados no ano passado. 
Todos sabemos onde as douradas vão desovar, ou tentar desovar, todos sabemos como se pescam, e onde se pescam. Na verdade, avizinha-se mais um morticínio de peixes curtos de tamanho e curtos de capacidade reprodutora. Os grandes exemplares esses já foram pescados há muito. Adeus douradas de 7 kgs, adeus caixas de femeas ovadas com meio quilo de esperanças. Ao matarmos uma dessas douradas, acabamos também com a esperança de vida de cerca de 1 milhão de ovos. 
O mesmo se passa com os robalos. Ano após ano, os locais de reprodução são saqueados por gente que se aproveita da fragilidade da espécie, que desova em grupo para maximizar as possibilidades de sucesso. Quando estão todos juntos, e num só lance, uma traineira pode fazer toneladas. E aí acaba, a bem de uma pessoa, a pesca de milhares de pessoas que se dedicam a este tão emblemático peixe. Não vejo que venha mal ao mundo por termos um defeso durante a época de postura do robalo. Os franceses estão já encolhidos a quase nada, um ou dois exemplares por dia, e nós vamos por esse caminho. O tempo da captura e solta vai chegar, a bem ou a mal. Quando pescamos o peixe, o fim da pesca já foi concretizado. Já sentimos a emoção que esse peixe pode provocar. Se o soltarmos, estamos a dar uma possibilidade à natureza de seguir o seu caminho. Sem ser fundamentalista, porque eu também trago um peixe ou outro para casa para cozinhar para a família ou amigos, parece-me que seria importante trazermos menos peixe em quantidade e mais em qualidade. Uma aposta em exemplares com a maturação feita, peixes adultos, que já reproduziram, seria uma aposta ganha para todos. 
Basta que se libertem diariamente alguns peixes, que cada pescador cumpra consigo próprio um pacto de ecologia, e ao fim de cada dia esse número representa milhares de futuros reprodutores aptos a seguir a sua vida. 
Não vale a pena pensar que a pesca profissional não o faz. Na verdade, encontram-se peixes no mercado que deveriam envergonhar quem os pescou. Mas seguir o mesmo fio de comportamento é ser igual, é fazer o mesmo. 
A lei portuguesa, através do Regulamento (CE) nº 850/98 artº 48º, nº 3 e do Decreto Regulamentar nº 43/87, é muito pouco restritiva no que diz respeito a tamanhos mínimos. E é um apena, porque perdemos todos. O conceito legal é o de permitir 10 kgs de peixe + maior exemplar. Isso significa que, caso existam erros de aferição em medidas mínimas legais, temos gente a encher uma caixa de miudezas. Ou seja, desde que se cumpram as medidas mínimas, e até perfazer este peso total, estamos todos legais. Se uma dourada com 19 cm é considerada um peixe legal, …pois uma salva de palmas para o legislador, que não tem ideia nenhuma daquilo que está a fazer, nem tem culpa de o terem escolhido para opinar sobre o assunto. Eu colocaria como mínimo algo como 40 cm. E passaríamos a ter um número de douradas para pescar muito acima daquilo que temos hoje. Uma dourada de 1 kg coloca muitas vezes mais ovas que uma dourada de 19 cm, que tem 200 gramas. E para que serve uma “legal” bica de 15 cm? O que vai alguém fazer com um peixinho juvenil desses?
A alternativa é apelar à consciência das pessoas, no sentido de as sensibilizar para que libertem essas pequenas douradinhas, que em rigor não lhes servem para nada, e que na natureza servem para muito. 

E todos nós sabemos o que quer dizer “apelar à consciência de cada um”….



Vítor Ganchinho




3 Comentários

  1. Ola Vitor.
    Apesar de ser um tema controverso, nao tenho dúvidas em promover a pratica de um periodo de defeso.
    É criminoso encher o barco com uma pescaria eficaz de peixes na desova, e para muitos (inconscientes) é a altura mais desejada.
    Nao serve de nada apenas tentar traze-los à razao e falo de pescadores lúdicos com instrução, como advogados, arquitectos e medicos para alem dos pescadores profissionais.

    Abraço, Paulo

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  2. PS. Nao consigo marcar o "gosto" em alguns posts a partir do telemovel. Este é um deles.

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    Respostas
    1. Bom dia Paulo

      Em tudo aquilo que depende de bom senso, de razoabilidade, de de alguma reserva no que diz respeito a excessos, ....estamos conversados. Nem vale a pena. Deste lado há gente a pescar 30 douradas, ovadas, que pesam ..300 gramas cada uma....
      As grandes, as que põem milhares de ovos, já foram todas, agora estão a queimar as que, na falta de "gente graúda", acabam por entrar em processo de desenvolvimento das ovas.

      Nem vale a pena explicar-lhes que estão a fazer a cama onde se irão deitar.

      Abraço
      Vitor

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