A falta que nos fazem as laminárias

Sou dos tempos em que toda a distância que separa a Praia da Figueirinha da Pedra da Anicha, era uma densa e impenetrável floresta de algas laminárias. 
Também os fundos de Sesimbra ao Cabo Espichel estavam forrados desta alga. As baías, mais protegidas do vento dominante, da ondulação, da corrente, e por isso mesmo com maior densidade de plantas largas, metiam milhares de peixes que encontravam no seu interior um espaço seguro para se refugiarem, para montarem emboscadas e para se reproduzirem. As algas proporcionavam um ambiente meio labiríntico, escuro, tapado, que atraía santolas, navalheiras, robalos, sargos, bodiões, e tantos outros peixes que, ou por entre os caules, ou acima das ondulantes laminárias, faziam a sua vida com relativa segurança. Longe vão os tempos em que o peixe-rei, os cabozes, e uma panóplia de pequenos peixinhos em fase de crescimento, juvenis de diversas espécies, ali encontravam abrigo das condições de mar e protecção contra os predadores. 
Hoje, as laminárias são raras, e o peixe é obrigado a mudar de estratégia para conseguir um esconderijo. 



O Inverno traz consigo dias mais curtos, e por isso menos propensos a permitir grandes crescimentos de vegetais marinhos. Também a força das tempestades acaba por partir e arrancar as poucas algas que existem. E a natureza acaba por ser obrigada a baralhar para dar de novo.
De uma situação em que as algas favoreciam o aparecimento de fitoplancton, zooplancton, pequenos moluscos, e peixe de reduzidas dimensões que se alimentava destes seres microscópicos, passamos a uma fase em que nada existe, e em que esta riqueza se perdeu. 
Podemos pensar que o aquecimento global não ajuda, que a poluição provocada pela construção de fábricas junto à orla costeira não ajuda, que os arrastões destruíram muito os fundos, mas a explicação certa será porventura uma mistura de tudo isto. A verdade é que não há. Aqui e ali, por vezes encontra-se um talo, uma raiz de laminária, mas nada de comparável com o que existia. 
Para que tenham uma ideia da importância de existirem ou não algas na costa, posso assegurar-vos que é a diferença entre termos muito ou nenhum peixe numa determinada zona. Tudo ou nada. 
Nesta altura do ano em que nos encontramos, e porque as águas já estão a baixar a sua temperatura, dos 20ºC vamos rapidamente passar para os 15º C e daqui a dois meses estaremos nos 13ºC…era corrente termos cardumes de robalos, de sargos, de safias, a entrar na laminária e que por ali ficavam por longos dias. Tomavam estes espaços protegidos da acção do homem como refúgios seguros, de onde lançavam os seus ataques a presas de passagem, ou fixas às estruturas. A questão segurança é ainda mais importante quanto maior for o tamanho do peixe. Quando chegam a velhos percebem bem se estão ou não seguros. E nas laminárias, os peixes grandes sentiam-se seguros. 
Haver buracos na rocha tapados com laminárias era um seguro de vida para muitas espécies. Quando as algas desapareceram houve a necessidade destes peixes encontrarem outro tipo de refúgios, e os buracos nas rochas passaram a ser os mais evidentes. Até que os caçadores submarinos conseguiram encontrar lanternas subaquáticas, estanques e passaram a poder ver dentro dos buracos escuros. E aí acabou-se a segurança. Hoje em dia acredito que o comportamento mais natural do peixe de água livre que entoca regularmente, e falamos de sargos, de douradas, de robalos, é o de se esconder em frestas, buracos mais ou menos escuros, que os protegem das redes, dos arrastões, etc, mas que são acessíveis, quando a profundidades até aos 30 a 40 metros, grosso modo, aos caçadores submarinos. Pelo menos aos melhores, já que os menos aptos pouco baixam dos 5 a 10 metros. Mas quando descobertos, estes peixes que insistiam em ficar dentro e em não sair de maneira nenhuma do seu refúgio, passaram a escapar de imediato, assim que pressentem que anda por ali aquele estranho ser que tem um arpão, uma máscara e uma lanterna na mão. 
E saem de imediato, ao primeiro tiro dentro da sua cova. Em água livre, peixes como a dourada ou o pargo, por exemplo, são francamente difíceis de conseguir enganar. O que fazem é afastar-se e com isso ganham a vida e a possibilidade de irem procurar outro refúgio não conhecido. 
Quando havia laminárias não era assim. 

Não deixava de ser espectacular ver a quantidade de vida que se juntava debaixo destes talos de algas.


Também em termos de produção de oxigénio estas macroalgas eram importantíssimas. Fixas aos estratos rochosos ou outras estruturas duras, as laminárias aproveitavam os nutrientes do solo e cresciam a um ritmo muito elevado, de muitos centímetros por dia. Recordo-me bem de haver extensas zonas cobertas com esta biomassa, e do cheiro a maresia característico que libertavam. Seguramente que mesmo as pessoas que não faziam mergulho se recordam, de ver extensas mantas de algas na zona entre-marés. 
Porque cresciam em profundidades relativamente baixas, muito iluminadas por acção da penetração do sol, produziam por efeito da fotossíntese mais oxigénio do que aquele que necessitavam, sendo o excedente libertado para o meio ambiente. Mais que isso, anulavam gás carbónico, por efeito dessa mesma fotosíntese. 
Também as próprias algas entravam no primeiro nível da cadeia alimentar, proporcionando “combustível” para o desenvolvimento de inúmeros tipos de peixes. Havia toda uma reacção em cadeia, em que os herbívoros, alguns peixes, moluscos, caranguejos, etc, utilizavam este manacial de comida, e por sua vez eram caçados e davam a oportunidade de criação e crescimento a predadores de topo. Era toda uma sequência que começava na laminária e que se estendia em cadeia, até nós, humanos. 
E perdeu-se….
Muito provavelmente porque fizemos o suficiente para acabar com as nossas grandes algas. 

Gostaria que ficassem com uma ideia genérica sobre o panorama da exploração das algas no nossos país. Temos uma enorme região costeira, uma riqueza imensa de biodiversidade, estamos num cantinho de mar que é privilegiado do ponto de vista de localização, de bom tempo, com muito sol, e por isso com muita possibilidade de fazer crescer macroalgas. E estranhamente, não temos hoje indústria que explore esta possibilidade. Sei que ainda existe em Setúbal uma empresa, a Iberagar, uma multinacional que explora este tipo de actividade, mas recorre a algas importadas. Bem longe vão os tempos dos barcos de apanha de alga, as traineiras amarelas, que davam trabalho a mergulhadores e a muita gente que operava a partir da apanha no mar, transporte para terra e secagem. Havia todo um circuito de pessoas que actuava na fase posterior de preparação do agar-agar, um composto utilizado na indústria farmacêutica, alimentar, e inclusive cosmética. Fomos o primeiro produtor europeu e um dos maiores a nível global, mas por alguma razão, o processo terminou no fim do século passado e não mais foi reactivado. 

Seria interessante saber porque ficámos sem as nossas laminárias e tantas outras algas que desapareceram. 



Vítor Ganchinho



5 Comentários

  1. Respostas
    1. Bom dia Bruno Freire



      Vamos ter agora uns dias "mexidinhos", o mar vai levar uma volta, com esta depressão. Tudo faz falta. Uns dias de mar agitado mudam os fundos, tapam pedras e descobrem outras, e o peixe vai fazer aquilo que sempre fez: aguentar!
      É uma espécie de "baralhar e dar de novo", que não pode ser ruim, porque sempre lhes dá uns dias de sossego.

      É aproveitar para afiar os arpões....



      Abraço
      Vitor

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  2. Caro amigo Vitor,

    Este enigma já me passou pela cabeça várias vezes. Lembro-me há 30 anos a esta parte, dos passeios de barco com o meu tio, onde saía-mos da praia do peixe em Cascais com destino à boca do inferno

    Foi numa dessas saídas que aprendi a nadar, à força e de forma muito pouca ortodoxa é um facto, mas com resultados rápidos (fui lançado barco fora e obrigado a regressar à embarcação por meios próprios)!

    Lembro-me perfeitamente de olhar para dentro de agua e ver as referidas laminárias até praticamente à tona da Agua. Ou seja eram laminárias com uns bons metros à vertical!
    Eram metros e metros de extensão dessas laminárias, como se de uma selva densa se trata-se!

    Recordo-me também do cheiro intenso, emanado pelas algas aquecidas pelo astro rei, entre marés.
    Foi nesse clima e ambiente que dei os meus primeiros passos no mundo da pesca.

    Bons tempos esses...

    Grande abraço!

    A. Duarte


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    1. Boa tarde António Duarte

      Na verdade, ficamos todos a perder com o desaparecimento das laminárias. Eram um criadouro de peixe, de fixação de peixe, de mariscos, etc.
      Quando não há este tipo de substrato vegetal, o peixe acaba por sair de perto da costa, e vai procurar outro tipo de refúgios. Tudo na vida deles gira em torno de segurança, alimentação e reprodução. As laminárias davam-lhes isto tudo, ... junto à costa.

      Mais uns tempos e vamos poder voltar a pescar normalmente.

      Melhores dias virão para todos nós.

      Abraço!
      Vitor

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