As Estrelas-do-Mar, esses estranhos bichinhos

Para quem gosta de mergulho subaquático, de ir lá abaixo ver o que se passa, ver aquilo que nenhum filme por melhor que seja poderá alguma vez trazer à superfície, o mar tem sempre muito a mostrar. 
Por vezes perguntam-me se gosto mais de ver as douradas, se os robalos ou os sargos grandes. São pessoas que entendem a caça submarina como uma possibilidade de capturar peixes, de trazer algo para casa. 
É uma visão redutora daquilo que leva alguém ao mar, a penetrar num meio líquido desafiante, agressivo, perigoso, mas ainda assim de uma beleza rara. Não são necessariamente os peixes que nos puxam para baixo, mas sim a explosão de vida e cor que podemos encontrar em cada recanto. 

Tudo faz parte daquilo a que chamo a minha segunda casa. Sinto-me muito confortável quando mergulho e mais ainda por fazê-lo em apneia. Quem mergulha a pensar que daí a uns segundos vai ter de voltar acima, aproveita bem melhor o exíguo tempo de que dispõe. Cada segundo conta! E se querem saber, aquilo em que os meus olhos se espraiam não são mesmo as douradas, os robalos ou os sargos. São todas as outras coisas, às quais muitos de vós porventura não dedicariam mais que um fugaz olhar de relance. Há detalhes que são deliciosos!

Vou trazer-vos nos próximos dias um pouco do meu mar, daquilo que vejo, daquilo que sinto quando inspiro ar à superfície e desço às profundidades, até se me esgotar esse gás tão precioso que dá pelo nome de oxigénio. 
Hoje o tema são as incríveis estrelas-do-mar, esses estranhos bichinhos tão pouco conhecidos dos pescadores, mas que merecem seguramente o esforço de ler estas linhas. O mar não são apenas as douradas….

Reparem nas cores que esta foto apresenta. A natureza é algo de assombroso quando decide pintar aguarelas.


O primeiro contacto que temos com estes equinodermes acontece normalmente muito cedo, quando somos jovens e descobrimos estes curiosos seres, que não fogem, não gritam, são lentos e por isso se deixam apanhar tão docilmente. Esse primeiro contacto, que nos permite descobrir este incrível animal, é quase sempre para ele, infelizmente, o último: as estrelas-do-mar morrem ao fim de alguns segundos fora de água. Todos os anos são mortas milhares e milhares de estrelas-do-mar às mãos das nossas queridas criancinhas...
A exposição ao ar, por breves segundos que sejam, provoca-lhes embolias, com consequências fatais. Mesmo que os pais insistam em sensibilizar os seus filhos para as restituir ao mar, é normalmente demasiado tarde. Pior quando são os próprios pais, certamente por falta de informação, a capturar esses animais e a promover com eles a brincadeira na praia. Mesmo dentro de baldes, normalmente com água aquecida pelo sol e por isso sem oxigénio, as estrelas morrem. Não deixa de ser um crime ambiental, e países há que o entendem como tal, e punem, o caso de Itália. O artigo penal 544 italiano diz algo como isto: “Qualquer pessoa que, por crueldade ou sem necessidade, causa dano a um animal, sujeita-o à tortura, à fadiga ou a trabalho insuportável, considerando as suas características etológicas, é punido com pena de reclusão de três a dezoito meses, ou multa de 5.000 a 30.000 euros”. 
Mesmo libertadas, infelizmente essas estrelas vêem a morrer. Teremos de ser capazes de nos consciencializar de que é possível vê-las sem as retirar do seu habitat. E são tantas as formas, os tamanhos, as cores, que vale bem a pena reparar nelas. 
Vamos ver as suas características: são animais equinodermos, ou filo echinodermatas, da classe dos Asteróides. Sim, não é erro, a palavra é essa: asteróides. Possuidoras de um endoesqueleto, são parentes próximas dos pepinos do mar, e dos nossos conhecidos e picantes ouriços. A sua pele é revestida de uma fina camada de epiderme, e é rugosa, dura. Também o seu esqueleto interno é constituído por calcário, o que nos dá a sensação de terem ossos. Não os têm, efectivamente. 
Se há dias vos disse que o polvo concorre facilmente, pelas suas particularidades físicas, ao lugar de “alien” de visita ao nosso planeta, então aqui têm mais um que parece vindo de outras paragens: a estrela-do-mar tem boca, esófago, estômago, intestino e ânus. Respira por branquias. O seu sistema de locomoção é único em todo o mundo, movimenta-se através de um sistema ambulacrário. É um sistema exclusivo dos equinodermos, com aplicação nas funções de locomoção, na respiração, na eliminação de fezes, na circulação e na percepção do meio externo. As patinhas que saem dos seus cinco braços, (algumas espécies tropicais podem ter muito mais), designam-se por cílios, e acreditem ou não, têm velocidade suficiente para as transformar num animal perigoso para outras espécies. 

Não subestimem, trata-se de um animal carnívoro, e um predador implacável! Tal como os extra terrestres dos filmes, não são possuidoras de sangue. Em vez disso, possuem um líquido incolor chamado de hemolinfa, o qual faz as vezes de sangue e também elas possuem a capacidade de regenerar os seus braços. No caso de perda, nomeadamente por ocasião do ataque de um sargo, rapidamente as estrelas conseguem fazer crescer um outro. E espantem-se com isto: de um troço de braço perdido, é possível fazer crescer uma outra estrela. Podem reproduzir-se entre si, ou apenas a partir do seu corpo, de forma assexuada, ou mesmo a partir de um pequeno troço do seu corpo. Eu disse-vos, são estranhas, estas criaturas….e são antigas, ao mesmo tempo. Estima-se que existam há cerca de 450 milhões de anos, o que prova que vieram para ficar, que são um ser vivo com capacidade para singrar e prosperar num meio agressivo. 
Mas não se ficam por aqui: numa manifestação evidente de fuga aos lugares comuns, a estrela pode enviar o seu estômago fora do corpo, para se alimentar. Conseguem imaginar a utilidade que isso tem para as situações em que encontra animais maiores do que o seu próprio tamanho? As estrelas, por não terem dentes, utilizam as suas enzimas digestivas do estômago para digerir a presa. No fundo, o mesmo que fazem os polvos, que amolecem os tecidos internos dos caranguejos, para depois os “sugarem”. As estrelas-do-mar podem atacar parentes próximos, tais como os ouriços. Vejam as fotos seguintes: 

Estrela a atacar um ouriço do mar. Desfaz por completo a carapaça calcária do pobre ouriço, com a força dos seus braços.

Depois de capturado, as possibilidades do ouriço são nulas. Vai ser devorado sem piedade, sujeito pelos braços incrivelmente fortes do equinoderme. O corpo das estrelas é uma sobreposição de diferentes placas.


Alimentam-se basicamente de tudo aquilo que conseguem capturar. Têm uma predilecção por mexilhões, cujas conchas são abertas à força. Tal como muitas espécies de búzios, também as estrelas comem peixe morto, se o encontrarem. 
A reprodução é processada por ovos, que eclodem no exterior do animal, passando por uma fase larvar, em que a predação dizima grande parte dos eventuais futuros adultos. Preparados para algo só acessível a um “alien”? Aí vai mais uma característica bizarra: em situações de stress, ou permanência em ambiente desfavorável, perigoso, as estrelas-do-mar fazem algo muito estranho: expelem as suas próprias vísceras pelo ânus, e só as regeneram semanas mais tarde, quando as condições normalizam e o seu entorno se torna de novo favorável. Se há autores que julgam este processo como algo que possa desviar as atenções de um possível predador, outros admitem que se trata de uma tentativa de poupança de energia, num cenário de escassez. Para um animal que pode levar dias a atravessar uma zona desértica, leia-se um espaço de areia ou cascalho limpo, sem comida, isso pode ser particularmente interessante. 

Estima-se que existam cerca de 1900 espécies diferentes de estrelas-do-mar, e estão em todo o lado, desde poucos centímetros até às fossas abissais, a 6000 metros. Em águas quentes ou gélidas, o que significa uma capacidade de adaptação tremenda às adversidades e condições de cada espaço. Em algumas regiões do planeta são consideradas espécies invasoras, e a sua presença é combatida pelas autoridades marítimas. Noutras zonas, e mercê de níveis de poluição acima do normal, o número de indivíduos tem vindo a baixar consideravelmente. A razão tem a ver com este aspecto: com a água contaminada não conseguem processar as toxinas nem respirar. 

Uma das variantes mais comuns em Portugal. Presente em todo o lado, sobretudo em zonas costeiras, não deixa de ser uma animal interessante.


Com a boca no centro dos seus rugosos braços, a estrela tem aquilo que nós chamamos de “olhos”, nas pontas de cada braço. Não há muitas dúvidas de que conseguem ver e cheirar, e o exemplo prático disso é a forma rápida como acorrem quando existe um peixe morto no fundo do mar. Em caso de escassez de alimento, podem tornar-se comedoras de algas. 

Existindo 1900 espécies não será possível retratar todas neste curto espaço de informação, mas esta não deixa de ser curiosa. Vejam outras abaixo.








Sempre que acontece um acidente com um peixe, a concentração de estrelas sobre o cadáver é habitual. Aqui, a presa já foi devorada e restam apenas os carniceiros, que, por falta de alimento, não irão dispersar.


Fantástica foto, com uma paleta de cores incrível.






E estas são as nossas estrelas de hoje. Vamos ver o que surge amanhã, sendo seguro que, vindo do mar, será sempre algo interessante. 



Vítor Ganchinho



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