Faço pesca à dourada há alguns anos. Provavelmente demasiados.
Quando poucos sabiam da existência deste peixe na Vereda, quando ainda se pescava por cá com lingueirão, navalha, com ameijoa bomboca, eu já as pescava com caranguejo. Porventura alertado por amigos que tenho em França, pessoas que as pescavam na baía de Arcachon, perto de Bordéus. Não é de hoje a minha tendência para saber como se faz noutras paragens, para tentar experimentar e inovar deste lado.
Foram anos de grandes alegrias, em que a uma péssima qualidade de imagem, por deficiência das câmaras, os “Kodaks”, e dos sempre imprevisíveis rolos de 24 ou 36 fotografias, correspondia uma incrível qualidade dos peixes, com muitas douradas na casa dos seis kgs.
Na altura, sem limitações de peso, recordo-me das chegadas de caixas e caixas de peixes às docas de Setúbal. Falamos de médias 70/ 80 kgs de douradas por pessoa, sendo o seu comércio feito regularmente junto dos melhores restaurantes da cidade. Ter meia dúzia de douradas expostas na vitrina de peixe, todas acima de 5 kgs, era algo diário e bastante comum. As douradas ao sal passaram a atrair gente que vinha de longe, de Lisboa, de Beja, para uma refeição de peixe de mar. Já nessa altura era proibido vender peixe, mas o espírito inventivo dos portugueses ultrapassa sem dificuldades aquilo que está escrito nos papéis: uma compra de meia dúzia de peixes no mercado, com a respectiva factura, servia de documento de compra para dois dias de peixe exposto.
Trata-se de um peixe nobre, que merece uma gestão cuidada, e um respeito que não se vê aos dias de hoje. |
Como ponto prévio quero dizer-vos que não é a minha pesca favorita, tenho no pargo um desafio que me excita mais, pela sua força, pela sua combatividade, pelo tamanho que pode alcançar, e sobretudo pela agressividade que demonstra no momento de atacar. Mas reconheço condimentos técnicos na pesca à dourada para ser considerada um bom desafio. Não é em definitivo um peixe para todos. Por deficiência de equipamento adequado, ou por falta de conhecimento técnico, a verdade é que apenas uma pequena franja de pescadores consegue resultados de excepção. De toda a tribo de gente que sai de casa bem cedo para tentar pescar douradas, é de reconhecer que a maior parte não consegue fazer mais do que meia dúzia de peixes de pequeno tamanho.
E é aqui que quero chegar: a diferença entre a pesca de hoje e aquilo que já se fez há uns anos, digamos 20 a 25 anos. Tenho a certeza de que aqueles que pescaram as douradas naquela altura, e muito provavelmente alguns deles terão já falecido, ficariam escandalizados com aquilo que se está a fazer hoje. Chamar de pesca às douradas isto que está a acontecer nos dias de hoje é uma caricatura ruim do que já se fez nesta zona.
Para tirar dúvidas, se é que as tinha, aceitei o convite de um amigo de longa data, para sairmos às douradas. Se é verdade que fui preparado para pôr a seco alguns peixes de bom tamanho, com material de pesca adequado a isso, rapidamente percebi que estava sobre dimensionado, e que teria de reajustar o equipamento sob pena de vir para casa sem um único peixe. As douradas grandes já foram, agora pescam-se peixes juvenis que não excedem a metade de quilo, quando lá chegam. E isso deixa quem esteve presente nos “outros tempos” com um travo amargo na boca. Não é o mesmo, a excitação de uma picada passou a ser a de pescar mais um peixe, a fazer número, e não a de pescar UM PEIXE. Hoje pesca-se para o número, não para o troféu, porque já são raros os peixes dignos desse nome.
Ao fim do dia, 27 douradas estavam dentro da caixa, e aquilo que senti era um sentimento amargo, o de estar a participar em algo em que não acredito: na extinção de um peixe nobre, que merece uma gestão cuidada por parte de todos aqueles que têm poder e responsabilidades na matéria. Foi o meu primeiro e o meu último dia de douradas este ano.
Pescaria feita pelo autor a norte do cabo Espichel, em 2020. Apenas pequenos exemplares. |
Fazer pesca à dourada com artificiais é algo diferente.
Utilizar um jig metálico para motivar a picada de um destes espáridas, é ter uma sensação que a pesca com isco natural nunca conseguirá proporcionar.
Pescar com artificiais poderia ajudar a recompor os stocks de peixes, e permitir a captura de maiores exemplares dentro de poucos anos. |
Dourada pescada com um jig de 20 gramas, côr sardinha, da All Blue. À venda na GO Fishing. |
Na verdade, podemos ter na nossa zona um dos melhores, se não o melhor spot de pesca de douradas da Europa. Mas não o sabemos gerir. Não sabemos o que fazer, excepto tirar de lá douradas.
Qualquer tipo de preocupação com a sustentabilidade dos cardumes é nula, uma ilusão, e o fim é altamente previsível: a redução dos efectivos, a escassez, a extinção que se adivinha.
Quanto mais tardarem medidas sérias de gestão, mais danos irão ocorrer junto dos reprodutores, os poucos que ainda existem. Um dia, a saída para as douradas será mais uma saída para o mar, sem resultados.
A continuar assim, brevemente será apenas …uma memória. Os franceses pescam-na quer no Atlântico quer no Mediterrânio, o Cabo Finisterra será porventura o seu melhor lugar, e pescam muito menos peixes que nós.
Escrevem-se tratados de pesca à dourada, com muito menos informação que aquela de que nós dispomos. Mas é perceptível a sua preocupação em conseguir exemplares dos 2 aos 5 kgs de peso, restituindo à água os de tamanhos inferiores.
Quando me falarem de pesca, falem-me de gente graúda, com agressividade, que venda cara a sua derrota. Os pargos, pois sim….
Quando todos estão concentrados em pescar “douradinhas de palmo”, quando temos dúzias de barcos acantonados sobre um mesmo cardume, …os outros peixes agradecem, e aplaudem.
Vítor Ganchinho
Uma triste realidade escrita a acabar com uma foto de sonhoeno final.
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EliminarBom dia Bruno Freire Gerir stocks de peixes é algo que se faz, desde que se queira efetivamente fazer. Para o bem comum, seria importante deixar em paz as douradas durante uns 3/ 4 anos, e aí, o número de exemplares de grande porte seria bem mais comum. Eu vi douradas demasiado grandes para considerar que aquilo que estão a fazer agora é algo a que se possa chamar de "pesca à dourada". Estamos a retirar juvenis dos pesqueiros de onde saiam douradas de seis kgs. Mas como de costume, as pessoas preferem optar por uma politica de terra queimada, de um dia de comida e dez dias de fome. Não sabemos gerir.
No sábado que vem, das 10h às 11h, vou estar na GO Fishing Almada para algo inovador: uma apresentação de um tema, ao vivo. Vai ser uma sessão experimental, pelo que algo pode correr menos bem, mas vamos tentar responder em direto a questões que possam vir a ser colocadas. Vão ser dadas explicações de como fazer, aqui no blog. Podem ser utilizados telemóveis.
Abraço
Vitor
Bom dia caro Vitor,
EliminarEste assunto já falamos entre nós, vai ter um desfecho tal e qual ao que foi por si mencionado!
Em Setúbal não é só a Dourada que corre esse perigo, também o choco está a cada ano que passa, mais escasso!
Vamos efetivamente ter o que merecemos!
O nosso problema é de facto em grande parte, cultural e comportamental!
A nós, apenas nos compete fazer a nossa parte.... divulgar, alertar, aconselhar e ... educar! Para que no horizonte, exista a esperança de dar aos nossos filhos um dia de pesca para recordar!!!
Essa apresentação na GO FISHING é presencial? ou pode ser acompanhada por alguma plataforma?
Grande abraço,
A. Duarte
Bom dia António Duarte
EliminarVou estar a manhã toda na GO Fishing em Almada, sendo que durante as 10 e 11 horas da manhã, irei estar numa espécie de estúdio de TV, com duas pessoas do staff a ajudar na parte técnica, no circuito de televisão. Pode obviamente ser assistido no local, tenho muito gosto nisso, e também pode ser seguido em diversas plataformas. O Hugo Pimenta vai encarregar-se de divulgar a forma de aceder ao evento.
Há pessoas que têm dúvidas sobre isto ou aquilo, e que, de suas casas, ou a partir do telemóvel, podem colocar questões. Como o mar vai estar acima de 3,5 mts, ....não vão certamente estar a pescar às douradas...em princípio.....
Vamos também fazer um "live" a partir do mar, em que eu irei falar um pouco sobre os equipamentos, as técnicas e a seguir faço a demostração da sua efetividade. Nunca foi feito no nosso país, vamos ter um canal de televisão nacional a dar apoio, espero que saia bem e sobretudo que gostem. A GO Fishing tem o dever e obrigação de fazer mais e melhor, porque temos meios para isso, porque gostamos de fazer diferente, e estas ações vão nesse sentido.
Abraço!
Vitor