Os salmonetes são nossos amigos?

Tal como há mamíferos que nos encantam pelas suas formas, atitudes e expressões, as baleias e muito particularmente os golfinhos, também há peixes com os quais é mais fácil simpatizarmos que outros. 
Se uma boga terá porventura um clube de fãs bastante reduzido, (não pela falta que efectivamente fazem, pois são grandes consumidoras de medusas urticantes por exemplo, mas porque é um peixe a dar para o feio, com mau cheiro…), os salmonetes estão exactamente no polo oposto, são de um vermelho vivo muito bonito e não deixam de ser simpáticos pelos seus longos barbilhos brancos, com os quais revolvem a areia na sua incessante procura de vermes. 

Apresento-vos o personagem principal deste artigo: o salmonete, esse interessante peixe... limpa-fundos. 

Dois salmonetes na sua labuta diária de revolver areia. Procuram minhocas, pequenos vermes que lhes possam trazer o aporte de proteína de que necessitam para viver.


O salmonete, “Mulus Surmuletus”, é um dos mais apreciados peixes da culinária francesa, país onde é chamado de “rouget”, atendendo às cores vermelhas que exibe quando chega à superfície. No fundo do mar, quando olhamos para eles as cores são bem menos garridas, oscilam entre o creme e o castanho escuro, em bandas verticais. Mudam de cores em função da hora do dia, e da disposição de objectos no substrato marinho. Em areia ficam mais claros, com as bandas amarelas mais vivas, em rocha e algas escuras exibem uma vestimenta mais malhada. Os seus barbilhos são uma imagem de marca, e serve-lhe para vasculhar tudo aquilo que pode ter um verme, um pequeno camarão, uma minhoca. Tudo aquilo que possa alimentar um pequeno ser de 20/ 25 cm de comprimento, mas que, em condições óptimas, pode crescer até aos 50 cm e pesar cerca de 1 kg. Podem viver até aos 11 anos, movimentando-se em águas dos 8 aos 24ºC, reproduzindo-se de Maio a Julho, nas nossas costas atlânticas. Na verdade, existem duas espécies, o referido Mulus Surmuletus, salmonete que habita junto à rocha e o Mulus Barbatus, que evolui na vasa, no lodo, e que por isso tem menos qualidade gastronómica. Tratemos dos primeiros, aqueles que nos são mais comuns. 
Vivem normalmente em pequenos grupos, não mais de cinco ou seis exemplares, normalmente dois, alargando-se às longas extensões de areia durante a noite, período em que permanecem mais activos. De dia estão sempre próximos de zonas rochosas, onde dormitam e procuram abrigo contra os inúmeros predadores que os apoquentam. Em caso de perigo, deslizam para os buracos das pedras, solapas de pedra amontoada, tufos de algas, qualquer coisa que os esconda. Também é verdade que muitos dos pequenos vermes que avidamente procuram, acabam por viver próximos da pedra, obrigando-os a trabalhar naquela faixa de pedra/ areia também frequentada por outro predador nosso conhecido, a bica, Pagellus Erythrinus, que luta pelos mesmos anelídeos, e que lhes rouba a comida que levantam.
Muito frequentemente fazem ainda trabalho de sapa para outras espécies oportunistas: o nosso conhecido sargo comum, “Diplodus Sargus”, ou o mais pequenos “Diplodus Vulgaris”, vulgo safia. 
Não é raro conseguir descobrir um salmonete a trabalhar nas obras, que é como quem diz, a revolver a areia do fundo para soltar as minhocas, e outros pequenos invertebrados, e no momento final, um dos seus “ convidados” aparecer de repente a comer o resultado de muitos minutos de esforço. Mostrei este tipo de parasitismo ao meu amigo Gustavo Garcia em poucos centímetros de água, no interior da cratera do Ilhéu de Vila Franca do Campo, em S. Miguel, e ficou maravilhado. Ao pobre salmonete resta continuar a escavar e tentar ser mais rápido da vez seguinte. Sempre que se vê uma nuvem de areia e poalho a levantar no fundo, há grandes probabilidades de se tratar de um salmonete a dar forte aos seus barbilhos, para garantir uma refeição. Estes ditos barbilhos são órgãos muito sensíveis ao tacto e ao paladar, com células sensitivas especializadas nessa função. As nuvens de poalho que levantam têm a ver com a quantidade areia que “provam” e que expulsam depois de guardar para si o alimento que encontram enterrado. 

Nos Açores existem imensos, e por sinal não são muito apreciados. Diferentes lugares, diferentes culturas. Em França atinge preços exorbitantes...


De uma carne extremamente delicada, com forte sabor a camarão, o salmonete é comido grelhado, ou, como os franceses preferem, de tomatada, quando são pequenos. A popularidade que atinge na zona de Setúbal advém do facto de o rio Sado ter uma população residente, que permite capturas durante todo o ano. O preço na banca de mercado é normalmente o dobro daquele que pagamos por robalo, dourada, ou pargo. Li algures que no tempo dos romanos era trocado pelo mesmo peso em prata de lei, e há boas razões para isso.
Tal como outros peixes em tempos desprezados, a sardinha, a cavala, a sarda, o salmonete veio a revelar-se um concentrado de elementos essenciais à alimentação humana. Pertence à categoria dos peixes semi-gordos, com cerca de 4 gramas de gordura por cada 100 gramas de peso. 
De elevado teor de Ómega 3, as suas gorduras polinsaturadas, reduzem no nosso corpo as possibilidades de aparecimento de doenças coronárias, cancros, e doenças do foro inflamatório.
Tal como outros peixes azuis costeiros que felizmente também nadam nas nossas águas, o seu baixo colesterol beneficia decisivamente a nossa saúde, tendo todos os aminoácidos de que o nosso organismo necessita. 
E vai mais longe, o nosso salmonete: é rico em vitaminas B1, B2, B3, responsáveis pela saúde da pele, funcionamento do sistema nervoso, etc. É ainda rico em ferro, que previne a anemia, magnésio, que evita o aparecimento de cãibras nos músculos e fortalece a nossa imunidade a doenças, fósforo, muito importante para a solidez dos ossos e dentes, e potássio, muito importante para o sistema nervoso. E se já acham que por tudo isto seria importante dar ao salmonete um lugar na nossa mesa, ele ainda tem mais uma particularidade: é rico em iodo, importante para o funcionamento da glândula da tiróide, e do nosso cérebro. 
Caso queiramos que apresente uma cor vermelho vivo no nosso prato, devemos retirar-lhe as escamas logo que capturado. Para quem prefere grelhar com escama, o meu caso, sacrifica-se a cor ao seu melhor paladar...
É muito corrente que nos perguntem num bom restaurante de Setúbal: “ Quer os seus salmonetes com molho de fígado?”…e a resposta deve ser um sim convicto, porque melhora bastante o prato. Os fígados são cuidadosamente retirados, e passados pela frigideira em azeite e alho. Esse molho quente é vertido sobre o salmonete grelhado, dando-lhe um gosto acrescido, um mimo para os sentidos. 

Os barbilhos, uma arma poderosa na detecção de pequenos microrganismos. Sem eles o salmonete não poderia alimentar-se.


Reparem na diferença de cores. Alteram em função do meio ambiente, e inclusive da hora do dia. Estes dois peixes podem ter-se encontrado agora mesmo.


Vejam a sequência de fotos feita a este casal. 



Trata-se de um peixe permissivo, que permite uma aproximação muito grande, não é desconfiado, o que o torna um alvo fácil para a caça submarina. 
Já os encontrei bem longe do Sado, em zonas pouco visitadas e em que pode aparecer em cardumes de mais de vinte indivíduos, normalmente todos do mesmo tamanho.

O olhar curioso de um salmonete. Eles sentem uma atracção muito grande por nós, e não fogem, o que é pena, porque muitas vezes morrem por isso. Os outros peixes seguem-nos porque sabem que eles são como os detectores de metais, nunca falham a encontrar comida.


A sua pesca à linha não é fácil, mas é possível. Fiz alguns há muitos anos atrás, a pescar da muralha do porto de Setúbal. Perdem-se por pequenas minhocas...



Na mesa, os franceses pagam uma fortuna por eles, na ordem dos 85 euros/ kg. Porque será?...



Vítor Ganchinho



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