Como funcionam as gaiolas para polvos

Dir-me-ão: mas isto é pesca?

Tudo aquilo que está relacionado com o mar, é pesca. As gaiolas são pesca da mesma forma que os motores marítimos, os combustíveis, os chapéus, tudo é pesca, porque tudo se encaixa numa lógica de abrangência, de conhecimento, de cultura marítima. Quando passamos com os nossos barcos por bóias, podem sinalizar panos de redes estendidos sobre o fundo, aparelhos com linhas de anzóis para robalos, aparelhos para safios, ou gaiolas, (ou covos), para polvos. 
Em zonas mistas de areia e pedra, é muito natural que sejam covos, os quais são trabalhados pelas traineiras através de meios mecânicos. Normalmente utiliza-se um alador para os recolher, que mais não é que um motor que faz girar um cilindro, onde se enrolam várias voltas de um cabo mestre. Pendentes deste cabo, que pode ter dezenas ou mesmo centenas de metros, existem caixas de polvos, que mais não são do que simples armações de metal, cobertas a rede de plástico, e que se destinam a capturar polvos recolhidos ao seu interior. 

É isso que me parece ser interessante ver hoje, o seu detalhe de funcionamento. 

Caixa de polvos com um exemplar lá dentro. Reparar no canto superior direito da caixa.


O sistema de funcionamento é básico e muito simples: Existe um compartimento que alberga um bocado de peixe, normalmente uma cavala, uma cabeça de peixe, ou qualquer peça sem valor culinário, vulgo restos, e que são obtidos no mercado de peixe. Digamos que tudo serve, desde que não tenha valor. Nesta foto acima, podem ver esse compartimento no centro da gaiola. 
A tampa, em rede verde, aperta com um elástico ao fundo da gaiola, não sendo acessível de nenhum dos lados. É importante que o peixe/isca se mantenha, porque pode perfeitamente ocorrer que mais do que um polvo entrem na mesma caixa. À direita da foto, existe uma entrada no topo, que permite ao polvo descer sobre ela, mas que torna a saída difícil, já que a rede aponta as agulhas para baixo, sem descer ao fundo.

Os polvos acabam por dar voltas e voltas sobre a base da gaiola, sem encontrar uma saída.


Uma pedra atada na base da caixa faz com que o sistema fique normalmente com o topo para cima, ou seja, com a portinhola de entrada acessível a polvos das redondezas que estejam à procura de comida. 
Os polvos dão algumas voltas e acabam sempre por subir à caixa, e assim, encontrar a entrada que lhes possibilita esgueirarem-se para o seu interior. E ali ficam até que esta seja levantada. 

Os peixes mais pequenos, com corpos fusiformes, conseguem meter a cabeça e puxar nacos do peixe que atraiu o polvo à caixa. À medida que o peixe/ isca se vai desfazendo, mais e mais pequenos peixes se concentram à sua volta.


As manchas brancas que podem ver, são peles de algo que está ainda dentro do compartimento da isca. Se as gaiolas ficarem muto tempo por levantar, e o polvo morrer lá dentro, estes pequenos peixes, camarão, búzios, etc, acabam por entrar na caixa e comer o malogrado polvo.


Este tem ar de malandro, sem dúvida. Vejam o olho dele...


Infelizmente ficam muitas gaiolas presas nas rochas, o que significa poluição marinha.


A parte metálica desfaz-se relativamente rápido, mas os plásticos serão um dia mais alguns micro plásticos a flutuar no oceano. 
Estas caixas, mesmo abandonadas, ficam a matar seres vivos durante bastante tempo, os polvos entram e morrem lá dentro, atraindo outros...
Mal por mal, seriam bem preferíveis os antigos alcatruzes, potes em barro aos quais recolhiam os polvos, por os considerarem um bom sítio para se protegerem dos predadores, e ao mesmo tempo, um excelente ponto de partida para as suas emboscadas. 
Depois de levantados, os alcatruzes são novamente lançados no mesmo sítio, e pescam indefinidamente, sem causar danos particulares ao meio ambiente, ...até se partirem com uma tempestade. 
Para aqueles que não sabem, os polvos não largam o pote facilmente, pois as suas paredes lisas oferecem-lhes uma superfície bastante aderente, onde se agarram “com unhas e dentes”. Até ao momento em que levam com um esguicho de vinagre vertido pelo pescador, o dono dos alcatruzes, e acaba o assunto. 



Muitas vezes a mergulhar encontrei gaiolas com polvos, e alguns dos meus amigos perguntavam-me por que razão eu lhes virava as costas sabendo que havia polvos grandes lá dentro. 
A resposta é simples e aqui fica registada: eu estava ali por prazer, para me divertir. O resultado das minhas caçadas sempre foi para mim algo indiferente, pois mais sargo menos sargo, mais polvo menos polvo, a minha vida estava garantida quando chegasse a casa. Mas para as pessoas que largaram aquelas caixas ali, não. Para esses, a sua vida dependia do sucesso de essa caixa ter ou não algo dentro que pudessem vender. 
Ao chegarem a casa essas pessoas tinham as contas da farmácia, as roupas dos filhos, os cadernos dos filhos para pagar. 
Por isso, mesmo quando os amigos me pediam para lhes ir buscar “aquele polvo”, sempre virei costas e segui adiante. Há muitos polvos fora das caixas.



Vítor Ganchinho



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