Linhas de pesca demasiado grossas

Tenho amigos que compram as linhas em função da sua resistência máxima. 
Não consideram o carreto onde vão montar essas essas linhas, se tem ou não capacidade para suportar muita pressão, a cana que vai ser utilizada, se tem ou não resistência mecânica para trabalhar grandes exemplares, ou sequer consideram o peixe que pretendem pescar. 
O único factor que lhes parece ser decisivo mesmo será o de obter o diâmetro mais alto que a loja tem em stock. O argumento utlizado é absolutamente imbatível: "o que tira grande tira pequeno"...
Na verdade não é bem assim, e aquilo que acabam por fazer é perder oportunidades sucessivas, trabalhar em esforço e esgotar a paciência à espera que a sua baixada desça ao fundo. No fim de tudo, fazer uma má pesca.

Pescar não é apenas uma questão de conseguir fazer mais força do que os peixes. A sê-lo, a vantagem seria sempre dos culturistas, que trabalham com alteres, e têm força a valer. Mas não é só isso...
Vamos hoje ver alguns dados relativos a este tema, para que possam entender a razão de se pescar o mais fino possível, e as vantagens que daí advêm. 

Ora aqui está uma linha que dificilmente parte. Isto sim, é material para o pica-pica!...


Deixamos de lado algo que também tem importância, mas que nunca virá a ser considerado por este tipo de pessoas: o desportivismo, a possibilidade de dar ao peixe alguma chance de sair vencedor. 
Com efeito, uma linha grossa que exceda em 50 kgs a resistência máxima que um pequeno peixe de 1 kg possa oferecer, não oferece dúvidas: nunca parte. 
Passemos pois a aspectos mais terrenos, mas que acabam muitas vezes por influenciar decisivamente o resultado final de uma pescaria: 

Vamos pensar que o nosso atleta pescador está a trabalhar a 60 metros de fundo. É uma profundidade standard, muito utilizada por todos aqueles que fazem pesca vertical, com equipamentos clássicos, ou seja, cana de 3,5 mts, carreto 5000. 
O objectivo é pescar “o que calha”, ou seja, o vulgarmente chamado “pica-pica”, que mais não é do que o expoente máximo da falta de especificidade, e quantas vezes isso rima com falta de conhecimento. 
Pesca-se ao que vier, porque não se consegue definir aquilo que efectivamente se pretende pescar. Ou porque não se conhece o pesqueiro e aquilo que ele pode dar, ou porque se acredita que pode estar ali algo que na verdade nunca está. 
E nestas circunstâncias, atira-se para cima e pesca-se com um fio 0, grosso, que é como quem diz, um PE #8, 0.35mm, com uma resistência de 46.5 kgs. 
Esta pessoa pode eventualmente passar toda a sua vida naquele pesqueiro, e nunca vir a necessitar de um fio com uma resistência superior a 10 kgs. Mas sente-se “despida” se levar menos do que algo com uma carga de rotura de um cabo de camião, pelo que o melhor mesmo é ir por essa via. 
Por sinal, tem uma cana que dificilmente suportaria 1/3 dessa carga. E se a baixada é feita com 0.60mm, à prova de bala, irá no entanto aplicar um nylon no estralho que tem uma carga de rotura real de pouco mais que 9 kgs…..”fio fino, 0.35mm, ou os peixes não picam”…
Resumindo: tem um trançado com resistência de 46 kgs, uma baixada de nylon com 25 kgs, e um “fusível” de estralho com resistência de carga de 9 kgs. 
Quando tem um enrocamento com a sua pesca, está protegido porque aquilo que parte é sempre o fio onde está o anzol, logo, sente-se bem, a pescar bem. E efectivamente, a ordem deverá ser esta, mas não com discrepâncias de valores tão grandes. Se o estralho é fraco, de que serve aplicar fio tão resistente no carreto?

Vamos ver agora mais de perto, numa situação de pesca concreta. 
Ao chegar ao local, repara que está um pouco de aguagem. Isso não quer dizer nada, porque felizmente foi preparado para essa eventualidade. Em vez de aplicar as habituais 140 gramas, aplica 200 gramas e está feito, problema resolvido. Sem sobra de dúvida, a pesca vai ao fundo, e vai rápido. É muito normal que a pescar a 60 mts, uma chumbada de 200 gramas possa descer rápido. 
Mas o resultado prático é este: Por cada cinco picadas, consegue resultado positivo em duas das ocasiões. As outras três passam ao lado, que é como quem diz, para a galeria dos peixes não ferrados, os tais que pertencem a uma excelsa categoria, a do peixe que “está a morder muito mal hoje”….
Esta pessoa sente-se obrigada a compensar com chumbo aquilo que não consegue fazer pela escolha certa da linha. Vai estar todo o dia a levantar mais 60 a 80 gramas de chumbada do que o necessário para pescar naquele pesqueiro. Isso significa literalmente que vai ter de manivelar forte no seu carreto, para levantar um peso que não tem razão de existir. Mais que isso: vai perder peixes que de outra forma conseguiria com facilidade. 
Estaria bem melhor, se, em vez do ditoso trançado 0.35, o tal PE #8 de que falámos acima, o tal que nunca parte e que por acaso nunca faz falta, tivesse optado por um PE #2, 0.20mm, que já lhe daria 29 libras de resistência, ou seja, 13 kgs. 
Muito provavelmente esta pessoa nunca conseguiu uma captura superior a 5kgs. E porventura nem saberia o que fazer se um dia tivesse um peixe de 10 kgs na ponta da linha. Porque os peixes que captura não excedem as 800 gramas, é de supor que poderia ser muito mais eficaz caso tivesse optado por uma linha com muito menos atrito na água, a fazer muito menos seio na pretendida verticalidade, e a possibilitar a utilização de uma chumbada de …70 a 80 gramas. 
Mas não fica por aqui. Logo por azar, a dita pessoa aplica o estralho inferior atado ao destorcedor da chumbada. Não sabe aplicar os croos-beads, nem sabe fazer um nó em T, logo, parece-lhe evidente que o único local para prender a chumbada é aquela argolinha providencial que o destorcedor lhe apresenta. E não vai de modas, é mesmo ali. 
Então, temos uma chumbada de 200 gramas, com um estralho preso do destorcedor. Pensando de forma racional, aquilo que pedimos ao peixe é que engula o anzol, e não note que está a arrastar um peso de 200 gramas pelo fundo, a fazer ruído, a bater nas pedras. E eles notam! Não devemos esquecer que depois de o peixe se decidir a morder a isca, com o anzol escondido, ainda temos uma eternidade de tempo até que essa informação nos é passada. São fracções de segundos que são preciosas, porque fazem a diferença entre conseguir ou não conseguir cravar o anzol. Pensem o acto de pesca ao contrário, de baixo para cima. Pensem o que sente o peixe, quando puxa a nossa linha, que por sua vez tem uma chumbada acoplada. O peixe que nos interessa já viu aquilo mais vezes, porque levou tempo a crescer. Depois de meter o anzol na boca, ainda falta fazer algo. Se quem pesca estiver menos concentrado, é uma eternidade até notar que algo está diferente. O peixe morde e, alguns segundos mais tarde, à superfície, o pescador vai ser informado de que algo fez vibrar a sua cana, que por azar dos Távoras, foi conseguida in-extremis num saldo por um preço incrivelmente baixo, uma pechincha, e que apenas peca por “pingar” um pouco, e por ser um pouco pesada. Por outras palavras, por ter mais plástico que carbono. Quando sente a picada, aplica-se a fundo, e prega o costumeiro esticão. A cana recebe o impulso, vai abaixo vai acima, vai abaixo vai acima, e infelizmente o peixe já lá não está, e é mais um daqueles dias em que os peixes estão impossíveis...
E tudo começa no facto de ter de levantar uma chumbada que excede em muito a carga máxima indicada pelo fabricante para aquela cana. E mais atrás ainda, pela escolha absurda que fez quando comprou a linha. Repito: a linha de pesca não é para segurar carga num camião de caixa aberta. Pressupõe-se que a pessoa tem mãos, e sabe utilizar a embraiagem do seu carreto. 

Aspecto geral da minha bateria de linhas de nylon e fluorocarbonos, distribuídos por diâmetros. Estas linhas servem-me para fazer baixadas e estralhos. Guardo os trançados num outro compartimento, e aplico-os em todos os carretos de pesca, com excepção do equipamento de Big Game.


Em função daquilo que vou fazer, assim escolho a linha indicada, empatando a quantidade de anzóis suficiente para o dia. 
De notar que todos os meus fluorocarbonos estão protegidos dos raios ultravioleta com uma banda opaca, para que não se tornem quebradiços após alguns meses de armazenamento. As luzes fluorescentes provocam tantos danos quanto o sol. 
Caso não tenham a possibilidade de dispor de uma divisão para armazenar todo o material de pesca, é muito importante que coloquem as linhas em local escuro, eventualmente dentro de uma caixa de cartão, opaca. Isso irá proteger as linhas, prolongar o seu tempo de vida útil, e poupar o pescador a uma desilusão no dia em que conseguir ferrar um peixe grande. São detalhes…



Em algumas das canas de light Jigging, utilizo linhas trançadas 0.06mm, e com 11 libras de resistência coloco os pargos de 4 kgs a sêco. 
Caso a opção fosse a de utilizar linhas mais grossas, em muitos casos nem os conseguiria pescar, porque o jig de 12 gramas iria levar muito tempo a chegar ao fundo e não conseguiria a verticalidade necessária para o animar de forma a conseguir essas picadas. Com material mais pesado, a quantidade de picadas reduz drasticamente. 


Pargo feito com uma linha 0.06 mm. O resto é paciência e não entrar em pânico aos primeiros segundos de combate.

Linha YGK, à venda na GO Fishing em Almada, ou através da loja on-line


Esta é uma linha muito boa, que já me deu muitas alegrias. Reparem no detalhe, “Sinking type” descrito na embalagem. São raras as linhas deste tipo. 
Uma linha afundante poupa-nos tempo de descida, ou seja, coloca-nos o jig mais depressa no fundo. Isso pode ser decisivo em dias de vento, em que o barco é empurrado mais depressa do que gostaríamos. 
Quando não conseguimos pescar na vertical, deixamos de fazer jigging, para passar a fazer …jig casting. 



Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. Mais umas belas verdades e de borla. Só não aprende quem não quer. Abraço Vítor e obrigado pela contínua partilha.

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    1. Bom dia Bruno Freire É extremamente comum ver pessoas a pescar com linhas grossas, sobredimensionadas, que aguentariam peixes que na realidade não existem no pesqueiro onde estão. E ainda mais comum que essas pessoas acreditem piamente que um pesqueiro junto a uma cidade, que é pescado todos os dias, que é devassado todos a cada momento por redes, arrastões, etc, tem de ter sempre peixes gigantescos...porque sim. Na verdade não tem. Se tivessem a possibilidade de mergulhar e ir lá abaixo ver, constatariam que estão a pescar num espaço praticamente deserto, em que aquilo que lá anda tem, forçosamente, de conseguir passar pelas malhas finas de uma rede.... Mas eles estão preparados para "grandes" e isso é que conta. Abraço! Vitor

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  2. Respostas
    1. Bom dia Reinaldo Piloto Muito obrigado pelas suas palavras. São para mim um incentivo e um estimulo para continuar a escrever sobre pesca. Todos os dias úteis sai algo, seguramente uns dias melhor que outros. Mas a intenção é sempre a mesma, é ajudar, é partilhar as minhas experiências de mar. Espero poder sair em 2021 mais vezes, 3 a 4 dias por semana e isso vai dar-me tempo para captar imagens, e com isso poder desenvolver ideias. O mais difícil é mesmo a obtenção de boas imagens, suficientemente elucidativas. O resto, aparece assim que me sento ao computador.

      Estou deste lado e se eu lhe puder ser útil em algo, pode contar comigo.


      Abraço!
      Vitor

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