Os caça-fantasmas

Para aqueles que têm curiosidade em saber o que existe no mar, todos os dias são bons. Mergulhar é algo muito apelativo, absorvente e divertido. O tempo nunca chega. 
Gostamos de meter a cabeça debaixo de água e ver aquilo que vai por lá, …sobretudo quando as águas estão limpas, e transparentes. 
Mas Portugal tem poucos dias de mar com visibilidade máxima, digamos de 20 metros verticais. 
Aquilo que é normal é termos águas…semi-verdes, com 4 a 5 metros de visibilidade. Após algum tipo de agitação marítima, podemos reduzir para 1 metro, ou menos.
Isso significa que temos fitoplâncton, temos poalho, temos matéria orgânica em suspensão. O que é extremamente positivo. Sem isso, não teríamos zooplâncton, e sem ele, muito certamente a quantidade  de peixe seria drasticamente inferior. Mas isso tem um custo: não temos águas de azul turquesa e não podermos ombrear em visibilidade com as Maldivas. Pela parte que me toca, e mesmo com águas verdes, prefiro estar do lado de cá. 
E os nossos peixes? Como fazem eles para detectar as suas presas? Como podem alimentar-se se não têm visibilidade suficiente para ver o que vai pelos fundos, aquilo que podem caçar?

Cardume de sargos a deambular pelo fundo. Para eles, e com as armas que têm, isto é até visibilidade a mais...


Grosso modo, este é o nível standard de visibilidade em zonas calmas, ou fundas.


Os peixes que mariscam têm sempre a noção exacta da localização das mexilhoeiras, das perceveiras, e por isso, estão sempre garantidos. 
Eles nasceram muito provavelmente na zona, ou perto, e sabem onde devem deslocar-se para comer. Em princípio a possibilidade de erro é nula, a comida está fixa. 
Mas os carnívoros que perseguem peixe miúdo já actuam sobre uma presa em movimento, e isso torna um pouco mais aleatória a sua localização. 
Embora existam spots muito querençudos, os alevins e espécies de pequenos peixes forragem procuram movimentar-se em zonas baixas, onde podem ir tão baixo quanto necessário, poucos centímetros de água, se pressionados, ou com esconderijos, buracos, onde podem escapar dos seus caçadores. 
As plantas aquáticas são um refúgio perfeito para quem precisa de comer sem ser comido. E que presas existem à disposição dos nossos predadores? Quem são eles, como fazem e o que caçam?


Peixes miúdos procuram sempre estar perto de saídas para espaços rasos, onde os grandes peixes não querem entrar.


Pequenos robaletes na sua faina diária de encontrar comida que os faça crescer. Vão onde for preciso para garantir a sua alimentação, sendo que preferem habitar zonas ribeirinhas, onde a quantidade de peixe miúdo é sempre uma constante.




Desde logo, o jogo de gato e rato é algo que nos peixes já vem de série: eles, os caçadores, têm argumentos técnicos para ultrapassar o factor “sem visibilidade”. A sua linha lateral dá-lhes informações preciosas sobre aquilo que se passa em seu redor. Conseguem ter a noção de gosto, paladar, tamanho, sentido de deslocação, e velocidade de marcha. E tudo graças a esse estranho e eficiente sistema a que chamamos de “linha lateral”. Porque já aqui o analisámos em detalhe, ver números anteriores, não nos vamos deter em demasia sobre ele. Mas importa dizer que é o super sentido a que recorrem quando as águas estão com visibilidade reduzida. 
Para um robalo, uma amostra que passa é um livro aberto, em termos de tamanho, de vibrações, de direcção, e da possibilidade, ou não de a conseguir interceptar. E quando acham que sim,…atacam. 


Atitude muito típica: antes de mais, há que “desaparecer” de cena, adoptando cores neutras, sem contraste, o mais próximas possível dos fundos.


Os robalos, como este da foto, são exímios a fazer isso: ficam como que transparentes e apenas o olho é detectável por outros olhos habituados. O mimetismo que conseguem é impressionante, e só temos a verdadeira noção do contraste quando olhamos para uma foto de um peixe pescado em águas turvas e outro pescado em águas lusas. Um é branco/ esverdeado, o outro é preto/ antracite. O mesmo tipo de peixe….


Este é o estado em que caçam os nossos robalos, na maior parte dos dias. Daqui, só para pior, porque eles também caçam com visibilidade muito inferior a isto. Dentro dos rios, (e podem subir dezenas de quilómetros rio acima), a visibilidade pode ser ainda inferior.


Baila a caçar peixe miúdo no meio das algas. Os olhos apenas servem para ajustar o ataque, no último instante. Tudo o resto é feito através de sensores.


Não será fácil conseguir capturar peixes pequenos escondidos nas algas, mas a verdade é que é possível todos os dias.




Temos pouca noção da quantidade de peixe miúdo que existe. Desde logo porque os nossos olhos não os procuram. 
Quando pescamos à linha estes peixes não nos incomodam, alimentam-se de minúsculos seres em suspensão na água, e quando mergulhamos o nosso sentido está todo focado em peixes grandes. Pelo que não os vemos. Mas eles estão lá e os nossos robalos sabem disso. 


Ei-los, os caça-fantasmas. A apenas alguns metros, tratam-se de sobras, de silhuetas, que chegam a tornar a identificação da espécie algo difícil. Aqui, temos um banco de salemas a passar de uma pedra para outra. 


Para predadores com tamanho, uma salema não é uma presa demasiado grande. Os grandes robalos podem engolir tainhas com mais de 1 kg. O que torna todas as nossas amostras pequenas, ….autênticos “jaquinzinhos”.



Vítor Ganchinho



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