Normalmente procuramos ancorar os nossos barcos em zonas de pedra. É isso que procuramos com a sonda, é isso que temos marcado no nosso GPS: pedras.
Desde logo porque a quantidade de vida é substancialmente superior àquela que existe em planos de areia, sempre menos densamente povoados.
Mas isso não quer dizer que não seja possível encontrar vida na areia, de todo.
Tenho um amigo que é absolutamente radical nesse aspecto: mergulha apenas na areia. As suas razões têm a ver com o seguinte “ Vítor, tudo o que encontro na areia, é sempre muito bom para fazer um petisco”….
Passe o exagero, porque na pedra também é possível encontrar “produtos” de interesse, a verdade é que temos nas nossas praias vida muito interessante: chocos, polvos, linguados, pregados, solhas, salmonetes, santolas, e tudo aquilo que ocasionalmente passa pela areia, para se alimentar, ou que tem como fonte de nutrientes aquilo que normalmente só se encontra ao lado da pedra, e não nesta. É o caso dos sargos e pargos miúdos, quando procuram minhocas, as tainhas quando espreitam a possibilidade de conseguir ovos depositados no leito de areia, as douradas ou pargos sêmolas, quando procuram o lingueirão ou as ameijoas.
Há mesmo alguns peixes que preferencialmente ou exclusivamente procuram os seus alimentos na areia, o caso das bicas, ferreiras, peixe-aranha, etc.
Ora aqui está um magnífico chôco, ao lado da pedra, a espreitar a possibilidade de conseguir resultados positivos com a sua emboscada a um peixinho pequeno, ou um caranguejo perdido. |
O meu amigo Zé Vilarinho é perdido por linguados. Foi com ele, há muitos anos atrás, que aprendi a seguir os rastos que invariavelmente deixam na areia.
Nunca falha, mas tem um senão: podemos seguir o rasto num sentido, e ter de voltar atrás, porque afinal era do outro lado. Mas numa das duas pontas daquele traço tão característico, …está o bicho. Está sempre.
Mesmo as zonas que nos parecem desertas, em alguns períodos, (sobretudo à noite), acabam por receber a visita de ilustres conhecidos.
Robalos, sargos, ferreiras e douradas, entre muitos outros. As praias são quase sempre menos desertas do que aquilo que apresentam durante o dia, com a presença e pressão massiva das pessoas.
Curiosamente, temos aqui um Arnoglossus thori, vulgarmente “carta pontuada”. Pese embora se trate de um peixe plano, o que é facto é que vive sempre na pedra. É apresentado com a excepção à regra. |
Um simpático habitante das ilhas, a plana “carta”, Bothus podas, com a sua paciência infinita para permitir a aproximação das crianças que dão os seus primeiros mergulhos |
Estes esgravulhas não param de levantar areia, na sua faina diária de procurar pequenos invertebrados. O salmonete, pois claro. |
Gato escondido com rabo de fora. |
Uma navalheira, crustáceo que vive sempre no limite entre a pedra e a areia, aproveita todas as oportunidades. Nem que seja o canibalismo de um outro da sua espécie. |
Os polvos são visitas constantes dos areais. Sabem como desenterrar as navalhas, as ameijoas, e por isso nunca estão longe da despensa.
Frequentemente têm uma toca nas proximidades, uma fresta onde se conseguem recolher para comer aquilo que encontram na areia.
O limiar da pedra e areia é uma zona em que frequentemente são vistos pois as suas enormes capacidades de camuflagem, ..deixam de resultar.
Por vezes, são vistos pela última vez. O polvo que passeia na areia é quase sempre uma das primeiras vítimas dos caçadores submarinos novatos.
A dificuldade de captura é quase nula, as hipóteses de escapar muito próximas do zero.
Vítor Ganchinho
Muitos parabéns pelo artigo.
ResponderEliminarGostei especialmente da parte de seguir o rasto dos linguados, consegue explicar me que tipo de rasto é esse?
Bom dia Os linguados são peixes planos que se deslocam por ondulação do corpo. Se estiverem assustados, levantam da areia e fazem uma retirada muito rápida, a dois palmos da areia. Nestas circunstâncias, podem ir parar a 30 ou 40 metros de distância e são virtualmente impossíveis de encontrar nesse momento. Isto porque se lançam para a areia e levantam-na de forma a ficarem cobertos na totalidade, deixando apenas os olhos de fora.
EliminarComo nós somos lentos na água, não conseguimos deslocar-nos a tempo de ver onde aterraram.
Mas se estiverem calmos, sem ninguém por perto, entenda-se uma pessoa ou um predador natural ( os golfinhos comem imensos linguados...), então é bem mais fácil. Porque eles são pachorrentos, e saem de um sítio para outro, arrastando as abas laterais, as barbatanas. Vão sempre em contacto com a areia e isso deixa um rasto. O que tem de procurar na areia lisa, ( areia que está parada, que não se encontra numa zona com agitação marítima) são dois traços paralelos, intermitentes. Essa intermitência corresponde ao esforço de ondulação do corpo, ou seja, toca e a seguir essa parte do corpo ondula, levanta, e deixa de tocar. É isso que faz com que o rasto seja intermitente. Mas o que vê é um conjunto de dois traços paralelos, à largura do linguado. Quando são traços muito próximos, o bicho é pequeno, nem vale a pena seguir. Mas quando são traços largos, significa que estamos na presença de um " cachuxo" de bom tamanho, e vale a pena o trabalho de o descobrir. Os bons linguados são cada vez mais raros, porque se arrasta muito e as redes e ganchorras ficam com eles. Mas de quando em quando encontra-se um de 1,5 kg....
Abraço
Vitor