Tempo de sargos!

Haverá peixe mais emblemático e omnipresente nas nossas costas que o sargo?

O Diplodus sargus vive em todo o tipo de habitats, na pedra, na areia, na vaza, perto da costa, em peões longe da costa. Difícil mesmo é encontrar um lugar onde eles não estejam.
Alimentando-se de tudo aquilo que encontra, este esparídeo é de uma versatilidade impressionante, e com isso ganha a possibilidade de deambular por onde lhe parece mais conveniente.
Já aqui esteve no blog, e seguramente vai voltar, porque para peixes deste perfil, nunca será excessivo dizer algo mais.
Se os grandes exemplares podem atingir os 45 cm, para cerca de 2 kgs de peso, a média será um pouco mais modesta, ficando-se pelos 20 a 30 cm. Atingem a maturidade sexual com dois anos, por volta dos 17 cm, e são de reprodução fácil, normalmente bem sucedida.
Podemos encontrar bancos de peixes com milhares de indivíduos, e em algumas zonas muito recatadas, ainda é possível ver como preenchem frestas na pedra até não caber mais um. Já aqui trouxe fotos minhas de caçadas de sargos dos tempos em que havia peixes destes à tonelada. Em Janeiro, mês de excelência para a sua concentração, chegam a densidades de tapar o fundo. Esta espécie é hermafrodita protândrica, que quer dizer que os exemplares jovens são machos, mudando posteriormente para fêmeas.
Se o seu espaço natural são as rochas batidas pelas ondas, onde encontram mexilhões, perceves, ouriços, cracas, poliquetas, equinodermes, etc, também é possível encontrá-los afastados da costa, em pedras isoladas na areia.
Podem ser pescados com enorme facilidade nas rochas expostas à ondulação, em zonas de espuma, através dos tradicionais métodos de pesca à boia, ou à chumbadinha. Aí, a agitação das águas, a concorrência com outros do mesmo grupo, e um pouco de engodo de sardinha, fazem razias nos cardumes residentes. Bem mais difícil é conseguir convencê-los ao largo, com modelos de pesca vertical. Em águas paradas, são desconfiados, esquivos, e por isso não serão um peixe para todos. As baixadas terão de ser forçosamente finas, discretas, e a apresentação da iscada feita com algum cuidado.
Tenho alguns pesqueiros, com pouco mais de 12 metros, onde ainda existem concentrações de sargos todo o ano. São peixes adultos, fortes, e que se deixam enganar com linhas muito finas, fluorocarbonos 0.23mm como máximo, se a água não estiver demasiado limpa. Em condições extremas, águas azuis e paradas, uma cana fina, muito ligeira, de ponteira elástica, e linha 0.18mm em nylon pode resolver. Há que tentá-los com camarão vivo, camarinha, ou melhor ainda o chamado “camarão de Espinho” vivo, que é muito comum nas tocas de safio e está disponível para quem mergulha. É tentar com um anzol não demasiado grande, de arame fino, leve, e um peso não superior a 10 gramas. Deixar cair suavemente em cima da fresta. A seguir, há que trabalhar bem, porque não é pressuposto deixar escapar um único peixe, ou ficam todos alarmados. Os peixes de 1,5 kgs a 2 kgs não chegam a esse peso sem ver muita coisa…e passam a estar mais recatados, a olhar com reservas para a isca que lhe propomos.
O sargo tem a dentição perfeita para a vida que faz: boca ligeiramente protáctil, lançada para a frente, com dentes incisivos fortes, para agarrar a comida. Para quem nunca viu, os sargos agarram um perceve, ou mexilhão, e deixam que seja a onda a fazer pressão sobre o seu corpo lateralmente comprimido, para arrancar da rocha aquilo que pretendem. A seguir, é tempo para utilizar os maxilares com dentes traseiros rombos, desenhados para esmagar. Com isso, tudo o que possa haver na zona, de crustáceos a ouriços, de bivalves a cracas, é tudo dele.
Um sargo da Carrapateira não é o mesmo que um sargo de Sesimbra. O sabor a marisco dos sargos algarvios não tem igual, e deixa a um canto o sargo de viveiro, que é alimentado com ração. Convém consumir de imediato, em fresco, pois a sua carne deteriora-se muito rapidamente quando congelada.

Em certos sítios, os sargos ainda são aos milhares.


Podem misturar-se com salemas, com douradas, ou ainda com ferreiras, em algumas zonas muito especificas.




As cores adoptadas dependem em absoluto do entorno. Podem ser muito claros, ou muito escuros, quase pretos. Normalmente, o sargo que está entocado, em frestas escuras, veste o seu fato mais negro. Aqui podem ver uma versão de sargo areia.




Pastam em cima das pedras, nem sempre comendo aquilo que nos é evidente: algas. Normalmente procuram pequenos búzios, pulgas do mar, minúsculas estrelas do mar, etc.




São de longe o peixe mais capturado no nosso território, por todos aqueles que fazem caça submarina. Quando a água está limpa e se tentam esconder numa fenda escura, a maior parte deles acaba por sofrer com essa opção.




É muito comum que os sargos se distribuam por tamanhos. Há um padrão de peso para cada cardume. Aquilo que interessa a um sargo de 100 gramas não será necessariamente o mesmo que a um sargo de 1,5 kgs.




É um peixe que se defende muito bem em cardume, onde existem sempre alguns mais atentos. Quando um corre e dá o alarme, todos os outros o seguem. Este comportamento é muito frequentemente observado quando aproveitam a maré cheia e estão a comer no limite superior das paredes, e de repente, como que todos impulsionados a um só tempo, arrancam todos parede abaixo. Irão afastar-se o suficiente até entender o que aconteceu. Só voltam a subir depois de terem a certeza de que não há perigo. Não esqueçamos que o tempo de maré disponível para se alimentarem não é infinito, e há pedras a que só conseguem mesmo chegar na maré cheia, quando está bem alta.


Quando a água está meio turva, passam a ser “fantasmas” que vagueiam entre as pedras, sem silhuetas definidas. Aqui um cardume de safias, ou sarguetas, normalmente de tamanho bem mais modesto.


Há 30 anos atrás, a bordo do barco Samirro, do falecido tio Alfredo, pesquei-as com 1 kg, peixes que nunca mais voltei a ver. Hoje encontram-se, mas bem mais pequenas e se por acaso se conseguem com 0.5 kg já são consideradas grandes…




É a pedra que cria os mariscos de que se alimentam os nossos sargos, e por isso estão sempre junto a ela. Esperam as marés cheias, e com a conta de água certa, sobem para comer.
Se é na pedra que os pescamos, e muitos morrem vitimas dos nossos anzóis, também é a pedra áspera aquilo que os faz viver.
Estes peixes chamam “comida” a coisas que nem nos passam pela cabeça. Não esqueçam abrir sempre os estômagos e espreitar lá para dentro. Isso ensina-nos a fazer o que tem de ser feito.



Vítor Ganchinho



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