Costuma-se dizer que quando apanhamos um susto, …mudamos de cor. Isso é mesmo verdade, há uma concentração repentina de sangue nos órgãos vitais e músculos que nos podem ajudar a sair de uma situação complicada. Todo o nosso corpo fica preparado para um esforço máximo. A uma descarga de adrenalina no sangue, corresponde uma activação total das energias disponíveis, e a pele perde alguma da sua cor habitual. Os humanos são assim.
Os polvos são um molusco que habita um mundo em que os sustos e o medo não têm lugar, porque são permanentes. A sua luta pela vida é uma constante. Mas ainda assim e sabendo como é de extrema importância passar despercebidos no meio em que vivem, podem voluntariamente mudar de cor. Qual é o processo, como fazem para se camuflar?
Falamos de cromatóforos, hoje.
Um polvo entocado, no seu buraco residência. Reparem também no outro polvo que está a passear por cima da pedra... encrespado. |
A concha aberta de mexilhão, ao lado esquerdo da foto, não apareceu ali por acaso. Terá sido capturado nas imediações, e foi comido. Os polvos utilizam dois dos seus tentáculos, fazem pressão constante, até o molusco ceder e abrir. É muito frequente que deixem as cascas junto à toca. Nada existe ou acontece naquele meio por… acaso. Nem sequer as pedras redondas que estão em frente à toca são tão inocentes assim. São utilizadas como meio de defesa e foram transportadas das imediações, exactamente para isso. O polvo pega nelas, e coloca-as entre si e o opositor, na circunstância um safio, eventualmente uma moreia. O ataque, quando desferido contra polvos grandes, impossíveis de engolir de uma assentada, é simples: o predador morde um dos tentáculos, cerra as mandíbulas e roda violentamente sobre si próprio, até o arrancar.
Daí a necessidade que os polvos têm de se armar de pedras junto à toca. É com elas que fazem frente aos seus inimigos.
Na verdade, mesmo quando perde e se deixa morder, o polvo consegue sobreviver e regenerar o tentáculo perdido. Digamos que apanha um susto grande, mas sobrevive.
Vamos ver a seguir qual a reacção de um polvo à nossa aproximação com uma máquina fotográfica. Sabendo que o exemplar que está dentro da toca é uma fêmea e que pode estar a proteger a ninhada, deixamo-lo descansar. Vamos ao outro, o …”encrespado”.
Este é o polvo fora do buraco. |
Reparem no mimetismo: porque está cercado de algas de cor mais escura, escolheu tonalidades mais escuras. Nem sequer é algo brilhante, porque já vimos fazer melhor….mas é de notar a sua preocupação em fazer uns “bicos” na pele, a tentar imitar as algas ao lado. Nestas circunstâncias, a sua opção é normalmente tentar esgueirar-se, encostar às algas e ver para que lado pode tentar a fuga.
Ainda está convicto de que a sua posição pode não ter sido descoberta.
Aqui …acabou, o disfarce não fez efeito e já entendeu que o mergulhador o está a fixar. |
A transformação de cores começa. As malhas brancas procuram imitar as redondezas, onde há areia e pedras dessa cor. Quando iniciar a fuga, deverá estar pronto para ser mais “um pouco de areia ou pedra”.
O processo de “branqueamento” continua. As tonalidades vão clareando cada vez mais. Já sabe, pela evolução de posições do mergulhador, que é o centro das atenções, ou seja, tudo o que não queria ser... Começou neste momento a colecionar pedras roladas debaixo dos tentáculos. Em caso de necessidade, utiliza-as.
Posição de estabilidade máxima, com os tentáculos enrolados e bem assentes. |
O efeito é o mesmo que produzimos nas marinas, quando enrolamos os cabos sobrantes: não só lhes damos estabilidade para aguentarem os ventos e oscilações do passadiço, como ainda os retiramos da frente dos pés de quem passa. Nesta circunstância, aquilo que ele quer fazer é mesmo ter pontos de apoio firmes para preparar uma saída rápida.
Reparem na mudança de cores. |
Neste momento já se sente verdadeiramente ameaçado. Se compararem com as primeiras fotos notam uma enorme diferença.
A cabeça escura sobre um corpo branco significa que estudou as suas possibilidades de fuga e não serão muitas, sem se expor.
Aqui completa o processo. |
Os tentáculos traseiros buscam um ponto de apoio por baixo das algas, uma superfície dura onde possa agarrar-se em caso de ataque. Ele sabe exactamente quais são as suas possibilidades a cada segundo.
Este ciclo de mudança de cores corresponde, grosso modo, a um cambio de emoções, do inicial “ pode ser que não me veja”, ao final, “ as possibilidades de não me aleijar não serão muitas”...
Entre um período e outro, passaram cerca de 10 a 20 segundos, como máximo. Esta acção passa-se a menos de 6 mts de profundidade, pelo que foi possível fotografar todo o processo, num só mergulho.
Acabaria por sair para uma pedra próxima, onde entrou numa fresta, mantendo a cor de ameaça, a branca com cabeça escura, que neste momento, em termos de camuflagem está completamente desenquadrada. Enquanto durar a ameaça, vai manter-se assim, e a seguir, volta às cores escuras, mais discretas se considerarmos o entorno. Se estivesse na areia, seria de uma tonalidade mais uniforme, algo como isto:
Versão “parda”, sem contrastes, perfeitamente enquadrada na cor do areão que o circunda. Em areia os tons serão apenas mais amarelados. |
E como funciona esta coisa da “mudança de cor”? O que são então os cromatóforos, aquilo que permite aos chocos, polvos e lulas fazer cambiantes de cor, em função do entorno que os rodeia?
Tratam-se de células especializadas, chamadas de cromatóforos ou cromatócitos, com a capacidade de sintetizar e armazenar pigmentos. Estes pigmentos existem no interior das células e podem reflectir a luz que sobre eles incide, conferindo-lhes esta ou aquela cor.
Os cromatóforos podem ser subdivididos em subclasses, de acordo com a cor que refelctem sob a luz do sol, uma luz completa, com todos os espectros de cores incluídos. Assim, chamam-se xantóforos (amarelos), eritóforos (vermelhos), leucóforos (brancos), melanóforos (pretos/ castanhos) e cianóforos (azuis). Em rigor, pode funcionar como uma exposição de uns, em detrimento do fecho de outros, num sistema de cones que abrem e fecham. Quando somos miúdos, brincamos com origamis. O sistema é muito parecido:
Esta brincadeira de crianças é um sistema utilizado na natureza para coisas muito sérias, que envolvem a vida e a morte de alguns animais. |
Ou seja, por um sistema integrado, em que alguns cones fecham e outros abrem, pode tentar obter a camuflagem certa, de acordo com o entorno que o rodeia.
No fundo, utilizando músculos específicos para essa função, faz uma orientação dos pigmentos para a tonalidade que mais lhe convêm. O resultado final pode ser espantoso, mesmo muito difícil de detectar. Juntando uma pitada de algas, ….e está feito: invisibilidade garantida.
Acreditem, jogando tudo na mais completa imobilidade e nesta mescla de cores, torna-se virtualmente invisível. Apenas olhos muito treinados o podem detectar, até porque este tufo de algas é apenas um das muitas centenas que existem no local.
Vítor Ganchinho