A navalheira - Tenazes de aço!

Nem pensem em pôr as mãos nuas perto de uma. É certo e sabido que vão levar uma ferroada deste caranguejo de pequeno tamanho, mas de força pouco condizente com a sua pequenez.
Não será por acaso que o termo inglês que o define é: “devil crab, “fighter crab”, ou seja, caranguejo –diabo, ou caranguejo lutador.
Trata-se de um crustáceo de nome científico “Necora puber”, de cor castanho-escuro com manchas azuladas, e o seu nome de “puber” advém do facto de a sua carapaça ser…peludinha, aveludada. Os machos são facilmente reconhecíveis, pela sua lingueta triangular e estreita. A fêmea apresenta uma cobertura larga e arredondada, onde protege e oxigena as ovas.
As suas fortes pinças garantem-lhe defesa contra predadores, e ao mesmo tempo servem-lhe de ferramentas para partir bivalves, dos quais se alimenta. Em rigor, mesmo para uma pessoa adulta é difícil penetrar nessas defesas, sem luvas de protecção.




Durante o dia a navalheira está escondida em recantos sombrios, em frestas estreitas onde o seu corpo achatado de 8 a 10 cm de diâmetro entra, mas poucos predadores podem chegar.
Pode ser encontrada desde os 0 metros de profundidade, sempre junto a estruturas rochosas, e não me parece que baixe demasiado em termos de profundidade. Nunca as vi abaixo dos 20 metros quando mergulho.
Em contrapartida, podemos perfeitamente encontrá-la em poças de maré, onde dá caça a pequenos crustáceos, moluscos bivalves, camarões e também algas.
A baixa-mar deixa muitas delas em situações periclitantes, fragilizadas, longe do mar profundo. A sua captura, para além da caça submarina, faz-se essencialmente através de covos, um sistema ancestral mas muito eficaz, que também serve para os polvos: uma cabeça de peixe dentro da caixa de rede atrai inúmeros bichos para o interior da gaiola.




É de entre os caranguejos nadadores, o maior deles todos. As suas duas patas anteriores são espalmadas, de forma a facilitar a sua deslocação/ natação na água.
O nosso caranguejo pilado, um pelágico que ocupa toda a coluna de água, (ao contrário da navalheira, essencialmente um ser de fundo), é bastante mais leve, mais frágil e mais pequeno.
E porventura por isso, uma das presas preferidas dos nossos robalos.




Trata-se de um marisco muito corrente nas nossas águas, muito apreciado, e que tem valor comercial. Desafortunadamente para a espécie e para todos nós, a forma de garantir que a navalheira está cheia e roliça é estar …ovada.
É uma lástima que se continue a trazer para terra um animal que tem em desenvolvimento as suas ovas. Reproduzem-se de Janeiro a Junho, Julho, e deveriam ter como tamanho mínimo cerca de 8 cm, mas oficialmente são de recolha legal aos 5 cm.
O período de defeso legal vai de 15.02 a 15.06, sendo que não será propriamente dos mais respeitados….




Em caso extremo procuram a sua defesa junto de anémonas, que são altamente urticantes. Vantagens de ter uma carapaça e não ter…coceiras.




Encontramo-los muito nas frestas que a rocha forma com a areia, no limite da pedra, onde se conseguem esconder em espaços com pouco mais de 2 cm de altura.
Também nas poças de maré se fixam, esperando a subida das águas. Trata-se de uma espécie que pode ser “pescada” utilizando uma negaça, ou seja, um peixe espetado e bem amarrado na ponta de uma vara.
Introduz-se a vara nos buracos escuros, onde elas se resguardam da luz do dia, e vêem firmemente agarradas ao peixe. Esta antiga técnica possibilitava a captura destes crustáceos a quem deles fazia um complemento do seu regime alimentar, normalmente populações ribeirinhas que podiam aproveitar a baixa mar para se adentrar um pouco mais no mar.


As assimetrias de tamanhos entre machos e fêmeas chegam a ser chocantes.




Um momento raro: esta navalheira deixa-nos ver as suas ovas, que transporta no ventre. Procura oxigená-las o mais possível, mantendo-as limpas e cuidadas.
Uma mãe …extremosa. Uma forma de as protegermos seria a recusa em adquirir navalheiras ovadas. Também as autoridades deveriam rondar os postos de venda e fazer cumprir a lei.
Não serve a ninguém que se promova o desaparecimento da espécie, e é exactamente isso que se está a fazer quando se traz a terra um bicho destes.

Longa vida a estes bichinhos!...



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Olá Vitor, obrigado por mais uns artigos de categoria de topo.
    Cá estão as nossas amigas, guardiãs das santolas.
    Nem pensar em ir apalpá-las por baixo das rochas sem luvas da construção civil, daquelas de couro grossas (e que não se conseguem usar depois de secas). É mais que certo que vêm navalheiras agarradas aos dedos.
    São também deliciosas.

    Agradeço a sensibilização para o risco que somos para as outras espécies.
    Eu sinto-me mais consciente depois de ler os seus artigos.
    Os seus artigos são muito importantes também por isso.

    Abraço, Paulo

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    1. Bom dia Paulo Se considerarmos os constrangimentos que estes bichinhos enfrentam para conseguirem sobreviver na sua luta diária, penso que não teremos dificuldades em aceitar que comprar navalheiras ovadas é algo que está na nossa mão evitar. Em termos de manutenção da espécie, bem como muitas outras, seria importante que a maioria das pessoas estivesse sensibilizada para recusar a sua compra. Esse é o primeiro passo para obrigar os pescadores profissionais a respeitarem algo que deveria ser do seu próprio interesse, a boa reprodução daquilo que vendem. Sabemos que o não fazem, que o lucro se impõe a tudo, mas é necessário dar um primeiro passo e cada um de nós é decisivo.
      São milhares de ovos os que estão no casco de uma navalheira, e se não sobrevive nem 5%, ainda assim, já é algo melhor que nada.

      Este fim de semana deu peixe a valer! Eu tenho ainda quase uma centena de pessoas para levar á água, e faço o que posso, vou aos poucos. Podia carregar o barco com lotação máxima e despachar o assunto depressa, mas o meu estilo é de levar no máximo 4 pessoas e preferencialmente....menos. Porque quero ter tempo para corrigir, para ensinar a fazer. E para isso, não posso ter pessoas a mais. Sob pena de não poder dedicar a cada um o tempo que merece.

      Abraço!
      Vitor

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