Nem pensem em pôr as mãos nuas perto de uma. É certo e sabido que vão levar uma ferroada deste caranguejo de pequeno tamanho, mas de força pouco condizente com a sua pequenez.
Não será por acaso que o termo inglês que o define é: “devil crab, “fighter crab”, ou seja, caranguejo –diabo, ou caranguejo lutador.
Trata-se de um crustáceo de nome científico “Necora puber”, de cor castanho-escuro com manchas azuladas, e o seu nome de “puber” advém do facto de a sua carapaça ser…peludinha, aveludada. Os machos são facilmente reconhecíveis, pela sua lingueta triangular e estreita. A fêmea apresenta uma cobertura larga e arredondada, onde protege e oxigena as ovas.
As suas fortes pinças garantem-lhe defesa contra predadores, e ao mesmo tempo servem-lhe de ferramentas para partir bivalves, dos quais se alimenta. Em rigor, mesmo para uma pessoa adulta é difícil penetrar nessas defesas, sem luvas de protecção.
Durante o dia a navalheira está escondida em recantos sombrios, em frestas estreitas onde o seu corpo achatado de 8 a 10 cm de diâmetro entra, mas poucos predadores podem chegar.
Pode ser encontrada desde os 0 metros de profundidade, sempre junto a estruturas rochosas, e não me parece que baixe demasiado em termos de profundidade. Nunca as vi abaixo dos 20 metros quando mergulho.
Em contrapartida, podemos perfeitamente encontrá-la em poças de maré, onde dá caça a pequenos crustáceos, moluscos bivalves, camarões e também algas.
A baixa-mar deixa muitas delas em situações periclitantes, fragilizadas, longe do mar profundo. A sua captura, para além da caça submarina, faz-se essencialmente através de covos, um sistema ancestral mas muito eficaz, que também serve para os polvos: uma cabeça de peixe dentro da caixa de rede atrai inúmeros bichos para o interior da gaiola.
É de entre os caranguejos nadadores, o maior deles todos. As suas duas patas anteriores são espalmadas, de forma a facilitar a sua deslocação/ natação na água.
O nosso caranguejo pilado, um pelágico que ocupa toda a coluna de água, (ao contrário da navalheira, essencialmente um ser de fundo), é bastante mais leve, mais frágil e mais pequeno.
E porventura por isso, uma das presas preferidas dos nossos robalos.
Trata-se de um marisco muito corrente nas nossas águas, muito apreciado, e que tem valor comercial. Desafortunadamente para a espécie e para todos nós, a forma de garantir que a navalheira está cheia e roliça é estar …ovada.
É uma lástima que se continue a trazer para terra um animal que tem em desenvolvimento as suas ovas. Reproduzem-se de Janeiro a Junho, Julho, e deveriam ter como tamanho mínimo cerca de 8 cm, mas oficialmente são de recolha legal aos 5 cm.
O período de defeso legal vai de 15.02 a 15.06, sendo que não será propriamente dos mais respeitados….
Em caso extremo procuram a sua defesa junto de anémonas, que são altamente urticantes. Vantagens de ter uma carapaça e não ter…coceiras.
Encontramo-los muito nas frestas que a rocha forma com a areia, no limite da pedra, onde se conseguem esconder em espaços com pouco mais de 2 cm de altura.
Também nas poças de maré se fixam, esperando a subida das águas. Trata-se de uma espécie que pode ser “pescada” utilizando uma negaça, ou seja, um peixe espetado e bem amarrado na ponta de uma vara.
Introduz-se a vara nos buracos escuros, onde elas se resguardam da luz do dia, e vêem firmemente agarradas ao peixe. Esta antiga técnica possibilitava a captura destes crustáceos a quem deles fazia um complemento do seu regime alimentar, normalmente populações ribeirinhas que podiam aproveitar a baixa mar para se adentrar um pouco mais no mar.
As assimetrias de tamanhos entre machos e fêmeas chegam a ser chocantes. |
Um momento raro: esta navalheira deixa-nos ver as suas ovas, que transporta no ventre. Procura oxigená-las o mais possível, mantendo-as limpas e cuidadas.
Uma mãe …extremosa. Uma forma de as protegermos seria a recusa em adquirir navalheiras ovadas. Também as autoridades deveriam rondar os postos de venda e fazer cumprir a lei.
Não serve a ninguém que se promova o desaparecimento da espécie, e é exactamente isso que se está a fazer quando se traz a terra um bicho destes.
Longa vida a estes bichinhos!...
Vítor Ganchinho
Olá Vitor, obrigado por mais uns artigos de categoria de topo.
ResponderEliminarCá estão as nossas amigas, guardiãs das santolas.
Nem pensar em ir apalpá-las por baixo das rochas sem luvas da construção civil, daquelas de couro grossas (e que não se conseguem usar depois de secas). É mais que certo que vêm navalheiras agarradas aos dedos.
São também deliciosas.
Agradeço a sensibilização para o risco que somos para as outras espécies.
Eu sinto-me mais consciente depois de ler os seus artigos.
Os seus artigos são muito importantes também por isso.
Abraço, Paulo
Bom dia Paulo Se considerarmos os constrangimentos que estes bichinhos enfrentam para conseguirem sobreviver na sua luta diária, penso que não teremos dificuldades em aceitar que comprar navalheiras ovadas é algo que está na nossa mão evitar. Em termos de manutenção da espécie, bem como muitas outras, seria importante que a maioria das pessoas estivesse sensibilizada para recusar a sua compra. Esse é o primeiro passo para obrigar os pescadores profissionais a respeitarem algo que deveria ser do seu próprio interesse, a boa reprodução daquilo que vendem. Sabemos que o não fazem, que o lucro se impõe a tudo, mas é necessário dar um primeiro passo e cada um de nós é decisivo.
EliminarSão milhares de ovos os que estão no casco de uma navalheira, e se não sobrevive nem 5%, ainda assim, já é algo melhor que nada.
Este fim de semana deu peixe a valer! Eu tenho ainda quase uma centena de pessoas para levar á água, e faço o que posso, vou aos poucos. Podia carregar o barco com lotação máxima e despachar o assunto depressa, mas o meu estilo é de levar no máximo 4 pessoas e preferencialmente....menos. Porque quero ter tempo para corrigir, para ensinar a fazer. E para isso, não posso ter pessoas a mais. Sob pena de não poder dedicar a cada um o tempo que merece.
Abraço!
Vitor