A salema, um peixe mal amado

É de desconfiar de um peixe que aparece nos supermercados à venda por 1.99 euros….já com 23% de Iva incluído. Não pode ser grande coisa.

A salema, salpa salpa,  não é de todo um peixe apreciado. Há boas razões para isso. Alimenta-se sobretudo de plancton, de microalgas, de dinoflagelados, e porque estes acumulam toxinas, podem provocar-nos a nós humanos, problemas sérios que podemos não saber resolver. Mas comecemos por apresentar o convidado de hoje do nosso blog: a salema. 



 

Peixe perciforme, a “Salpa salpa” pode crescer até aos 50 cm e pesar até cerca de 2 kgs. São bojudas, ovalizadas, e vivem uma vida recatada, sem grandes preocupações com os humanos. Não as queremos. 

Em termos de pesca lúdica, tem um interesse muito relativo. Os seus pequenos dentes afiados causam problemas às linhas daqueles que resolvem desafiá-las com uma iscada de …algas! 

Cortam facilmente os nylons mais finos, e quando se fixam num pesqueiro, podem ser um problema sério. Porque não serão de todo uma espécie procurada por quem pesca de barco, passamos à frente nas técnicas de pesca em si. 

Os cardumes, bastante numerosos, procuram comida deambulando pelas pedras. Percorrem distâncias significativas, sempre junto à costa. 

São hermafroditas protândricas, e assim mudam de sexo a meio da sua existência, de machos para fêmeas. Trata-se de um carnívoro arrependido, ou seja, enquanto jovens, são predominantemente carnívoras, passando depois de uma certa idade a vegetarianas convictas. 

Alimentam-se de algas, sobretudo de “Ulva lactuca” e de “Osmundea pinnatifida”, o que lhes confere um sabor pouco agradável. No Mediterrâneo estão a ajudar o homem, pastando uma erva invasora, a “Caulerpa”, que está a competir com as pradarias de posidónias. 

Porque costumamos vê-las nos primeiros metros de água, poucos admitem que este peixe atinge profundidades tão significativas quanto os 200 mts de fundo!! É francamente estranho, mas os registos bibliográficos dizem-no. 



 

Encontram-se com frequência alevins em pequenas poças de maré, com 3 a 5 cm de comprimento, e já nessa fase de pequenos peixes, são visíveis as suas riscas douradas sobre um corpo dourado brilhante. 

Aguentam a vida difícil da zona entre marés, suportando momentos em que a água estará mais quente e pouco oxigenada. É nitidamente um peixe de cardume. Penso mesmo que nunca terei visto uma salema isolada. 

Não sendo um peixe particularmente bem protegido por algum tipo de espinhos, armadura, ou velocidade de natação, acaba por ser uma presa fácil para os predadores. Todavia, os cardumes são sempre grandes, o que indica que 

terão qualquer outra forma de defesa de que apenas suspeitamos. Veja abaixo algo que pode ajudar à explicação deste fenómeno. 




Posso contar-vos algumas particularidades sobre este estranho peixe: porque se alimenta de alguns tipos de algas muito particulares, a sua carne acumula toxinas que podem provocar alucinações. De resto, o seu nome deriva do árabe “halamma”, traduzido à letra algo como “sonhador”. Se há sonhos bons, estes serão tudo menos isso, já que são conotados com …pesadelos. Aconteceu um episódio estranho, em que dois homens comeram salema num restaurante mediterrânico e passados minutos estavam a sofrer de alucinações, que terão durado cerca de 36 horas. 

Estes assustador registo psicoactivo foi reportado às autoridades e constava de efeitos alucinogénios auditivos e visuais. Teve uma grande cobertura mediática na altura. A salema, o peixe comido por essas pessoas, baixou de cotação até roçar o zero. Chama-se a este efeito alucinogénio algo como “Ictioalienotoxismo”, e esta bizarra palavra define concretamente problemas psíquicos causados pela ingestão de peixe envenenado. A ciguatera é um efeito próximo, mas causa problemas diferentes, do foro do sistema nervoso central. Também esta doença é devida à ingestão de algum tipo de peixe predador que por sua vez se alimente de presas infectadas por comerem determinados tipos de algas. O sistema funciona por bioacumulação de compostos psicoactivos ingeridos através dos microrganismos vegetais e animais. Provoca sensações que são descritas como próximas do LSD, à conta da triptamina. Posso dizer-vos um pouco mais sobre isto: trata-se de um alcalóide monoamínico bioactivo, que está presente em plantas e fungos. É quimicamente relacionado com o aminoácido triptofano, e pode ser encontrado no cérebro dos mamíferos, funcionando como um neurotransmissor. As sensações psicadélicas referidas pelos pacientes levaram a estudos muito detalhados, e foi possível apurtar com exactidão a que se deviam. De resto, já os romanos se referiam à salema como sendo um peixe consumido como droga “recreativa”. É pois antigo, dos tempos do Império Romano, o conhecimento deste tipo de efeitos e propriedades estranhas da “Salpa salpa”.    




As salemas são muito pescadas no norte de África, Marrocos, Mauritânia, Senegal, e tidas como um peixe muito saboroso. Chegam a “pescá-las” utilizando cartuchos de dinamite! Não deixa de ser estranho! Entre nós, todas as receitas conhecidas passam por lavar vezes sem conta, retirar as peles interiores negras, e esfregar bem com limão. Quando se trata de fazer uma marinada de limão bem forte, aquilo que se está a dizer é que o peixe em si não vale nada, mas que pode ser comido se disfarçarmos o seu sabor. Ainda assim, no Senegal é pescado à rede, para secar, para futura venda como peixe seco nas povoações mais remotas, afastadas da linha de costa. Recordo-me de levar o meu amigo senegalês aos Açores, e, tendo ele a possibilidade de arpoar badejos, encharéus, lirios, garoupas, etc, até porque descia facilmente até aos 50 metros em apneia livre, me aparecer frequentemente com …salemas!.... 




Entre nós, é residente durante todo o ano, embora os registos o indiquem como mais frequente no final do Inverno, princípio da Primavera. 

Mistura-se com sargos e douradas sem incómodo, mesmo com as tainhas, já que não competem pelo mesmo tipo de alimentação. 




Aqui as podem ver, sempre próximas dos seus tipos de algas preferidos. Sei de pescadores que as vendem aos turistas no Algarve, como “ douradinhas da pedra”, ….o que não deixa de ser uma canalhiçe….mas enfim. Para quem come basicamente peixe de aquacultura, …pode não ser  o pior que já comeu. 




Quando assustadas, disparam todas ao mesmo tempo para o fundo, e nadam como se de um único corpo se tratasse, coordenadas na perfeição.




Aqui podem ver como um pequeno robalo aproveita o trabalho das salemas, a sua deslocação sistemática sobre as pedras, para, a coberto de uma suposta camuflagem, 

ir aproveitando as oportunidades que inevitavelmente surgem. As salemas levantam pequenos peixes, que incomodados por estas acabam por perder o seu efeito de camuflagem e por se movimentar o suficiente para serem detectados. 




Perfeitamente visível a forma como acompanha os outros peixes. Estamos a vê-lo de cor diferente, cinza contra esverdeado, mas não substimem esta situação: 

vistos de baixo, todos estes peixes são brancos…o ventre das salemas e do robalo são iguais, e o tamanho idêntico. Para um pequeno peixe que esteja abaixo, é difícil entender o que está a acontecer. 

E mesmo que as presas estejam por cima, a acção, a dinâmica de vários peixes em deslocamento torna complicado entender o robalo ali. 



 

Vejam aqui a situação contrária, em que o cardume de salemas está por baixo. O peixe rei vê mal para baixo, e o robalo, em contrapartida vê muito bem para cima…..

Estão criadas as condições perfeitas para uma caçada fácil. Se os robalos se misturam, …eles sabem bem o porquê….




É um peixe que pontualmente, no caso de haver temporal junto à costa, tem de sair para o largo, onde se torna mais vulnerável. Os grandes predadores aproveitam a oportunidade e 

reduzem os efectivos do cardume. Mas há muitas, trata-se de uma espécie que não inspira cuidados de maior. 


Para quem gosta de salema e acha que é uma especialidade, que é um peixe delicioso, etc, não se perde de provar….robalo. 


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