Os dentes dos peixes dizem-nos tudo... Se soubermos ler.

São pequenos detalhes, mas que fazem a diferença. Temos de tudo no nosso mar, para todos os gostos, desde dentes finos para morder, a dentes rombos para esmagar. 

Da subtileza de um salmonete que rebusca na areia algum verme, à força bruta de um pargo sêmola, que mastiga um lingueirão com casca. 

Conseguimos entender que há diferenças entre a boca de um robalo, e de uma dourada. Se o primeiro basicamente necessita de conseguir abocar e engolir, e por isso tem uma boca grande e uma fila de dentes finos e afiados, feitos para morder e segurar, a segunda , a nossa conhecida dourada, tem dentes concebidos para apanhar a comida e a seguir moer com os seus poderosos molares, antes de engolir. 

Assim, temos que existem peixes que fazem da captura o seu modo de vida, enquanto que outros se preocupam menos com este factor, e muito mais com aquilo que terão de fazer a seguir, depois de terem conseguido encontrar o seu alimento. Por outras palavras e para que sigam o meu raciocínio, enquanto que um serra, um robalo, um lirio, têm de fazer um esforço para encontrar e morder um pequeno peixe, uma sardinha, uma cavala, um carapau, uma dourada terá muito menos dificuldades em encontrar a sua comida, um banco de mexilhão, um ouriço, uma pinhoca de perceves, são alvos fixos, estáticos, que não obrigam a correr atrás, mas….obrigam a um esforço acrescido para que se consiga libertá-los das suas carapaças e comê-los. Concretamente, não basta morder a comida, há que a trabalhar, que a moer, que a esmagar. Podem os dentes de um robalo ser iguais a uma dourada?! Não, ….nem pensar….

O tema de hoje versa a estrutura bocal dos nossos peixes e aquilo que é possível inferir da sua organização e tipologia dentária. O tema é interessante, venha daí!




Os dentes que vêm aparecer na boca deste pargo são os que mordem, os que agarram. A seguir, o resto do trabalho é feito pelos molares, e isso diz-nos que se trata de um peixe que para além de peixes, também pode comer crustáceos, seres com carapaça. Consegue esmagá-los, recorrendo à força das suas maxilas. 

O pargo é um predador muito comum na nossa costa. Pesco-os de pouquíssimos metros de água, 5 a 6 metros, até aos 180 metros de fundo. Tamanhos diferentes, estados evolutivos diferentes, e seguramente tipos de alimentação diferentes. São muito pouco exigentes, mordendo desde os nossos jigs ou vinis a imitar peixes, a isca natural: navalha, ganso, tiras de lula, sardinha, cavala, caranguejo, etc. 




Temos um pargo de características muito especiais, o pargo sêmola, ou semia, “ Pagrus auriga”, o nosso pargo de riscas que pescamos frequentemente com caranguejo, e que é um peixe que relativamente à sua alimentação nos põe muito poucas dúvidas: quer ser tentado com crustáceos! Comem camarões com casca, navalhas com casca, caranguejos com casca, e tudo aquilo que lhes possamos lançar….com casca. 

Quando arranjarem um, reparem bem na armadura de dentes molares que têm, e irão perceber porque razão para eles, a casca não é problema. Este ferrei-o com caranguejo. Sim, inteiro, …com casca. 

É um pargo africano, que pode crescer aos 9 kgs, e muito comum no Senegal, Mauritânia, e Marrocos. Passou a criar nas nossas águas há uns anos, sendo que os vejo com alguma frequência em baixios, a 6 / 10 metros de fundo, com tamanhos miniatura, 5 a 7 cm de comprimento. É isto que me leva a pensar que criam por cá, sendo que os vejo todo o ano, independentemente da temperatura das águas. 

Também são muito fáceis de caçar, para quem tenha bom pulmão, já que se aproximam de forma franca e desinibida quando estamos parados no fundo, à espera. Tenho caçadas memoráveis, com vários peixes destes no mesmo dia. 




A tintureira, peixe muito vulgar entre nós, é um limpador de lixo. Reparem nos pontinhos escuros que tem bem marcados nesta foto. Trata-se das ampolas de Lorenzini, sensores extremamente dotados, que lhes servem para detectar tudo: odores, peixes mortos, cardumes, peixe ferido, etc. Quando digo tudo, é mesmo tudo, e inclui correntes eléctricas produzidas pelo funcionamento de órgãos como o coração. Em condições que as favoreçam, são perigosas. Se durante o dia têm como reacção ao ver-nos na água o afastamento, o manter uma certa distância, já de noite não é bem assim. 

Não esqueçam que podem crescer até aos 4 metros e têm maus instintos. Já as ferrei aos 140 metros de fundo, e é frequente que baixem a apanhar as iscas, ou que na subida nos roubem os peixes do anzol. Com sorte, perdemos apenas o estralho. 

Os seus dentes cortantes e afiados estão concebidos para quilo que fazem: morder e engolir presas como peixes, lulas, outras tintureiras e até gaivotas. Não são necessariamente um peixe solitário, por vezes aparecem em cardumes de alguns indivíduos, à superfície, sem recear a aproximação aos barcos. Podem estragar-nos a pesca do dia….porque estes dentes cortam as nossas pescas, cortam os nossos peixes ao meio e não raro, ficamos apenas com uma cabeça pendurada no anzol. 

Isso com sorte, porque aquilo que é normal é ir a baixada embora, com chumbada, destorcedores, ….




O tubarão mako, Isurus Oxyrinchus, também conhecido por anequim, é um terrível predador. Pode atingir a impressionante velocidade de 88km/h na água, o que o torna um dos mais rápidos peixes dos mares. 

Aparece em águas acima dos 16ºC, mantendo o seu organismo a uma temperatura mais elevada que a temperatura da água circundante. Isso torna-o um visitante comum dos nossos espaços marítimos. 

Os marinheiros antigos conhecem-no por marraxo, sendo peixe para atingir um pouco mais de 4 mts, para um peso possível de 580 kgs. Reparem nos sensores do focinho. 

Para quem o ferrar a bordo de uma embarcação semi-rígida, o meu conselho é o de cortar a linha e adeus. Já tive problemas com um e custou-me um retorno rápido a terra e um remendo no barco. 

Com peso, e com uma armação de dentes conforme podem ver, pode ser perigoso. Alimenta-se de peixe pelágico e outros tubarões. 

Estes dentes não são para brincadeiras, trabalhem o peixe com um alicate de pontas longas, com luvas e muito cuidado. Mais uma vez se trata de dentes que servem para morder, e não para mastigar.  




Desde que comecei a pescar com carretos eléctricos, as pescadas passaram a fazer parte do meu portfólio de capturas. Pesco-as com sardinha, sendo um peixe ocasional, não as procuro especificamente. Os seus dentes mostram que é um carnívoro, a boca grande e bem armada diz-nos que vive de caçar peixes. Não está preparada para mastigar, mas sim para morder. A seguir, engole as presas. Não tenho dúvidas de que as conseguirei ferrar com iscos artificiais, nomeadamente com vinis ou jigs, desde que a oportunidade me surja. É algo que tenho curiosidade em experimentar. Admito que tenham um comportamento muito idêntico ao peixe espada branco, que morde e bem os nossos artificiais. 




Quando tirei esta foto, nunca pensei que as cores ficassem tão boas. Um pequeno rascasso que se lançou a um camarão de vinil. Este peixinho é voraz, e em termos de dentadura tem aquilo que é preciso para ser bem sucedido: uma boca muito grande, duas maxilas armadas com dentes finos que prendem bem, e uma enorme capacidade de sucção das suas presas. 

Para juntar a este cocktail, basta adicionar …não água , mas sim o facto de ser um peixe que reduz ao imobilismo e camuflagem a sua estratégia de caça. Deixa-se ficar quieto, e quando tem a sorte de ter algo a jeito, faz um ataque fulminante e aboca a presa. Que pode perfeitamente ser um camarão vindo de um buraco de safio. Na circunstância terei deixado cair o meu vinil mesmo junto a este….




O goraz é um peixe apaixonante! Tem tudo aquilo que um peixe deve ter, em termos de combatividade, de força, de voracidade, e também de uma absurda imprevisibilidade. Num dia estão como loucos e mordem tudo, e noutros, estão lá mas não picam de forma franca. Este peixe apresenta uma boca muito pequena para o corpo que tem, com dentes finos, preparados para morder, sem caninos e com os dentes alinhados em filas. Os seus molares são de tamanho reduzido, o que indica um peixe que morde e engole a maior parte das suas presas. Ainda assim, é um carnívoro convicto. 

Adora fundos mistos de lama e rocha, e não é por acaso: alimenta-se de crustáceos, moluscos, pequenos peixes e vermes. Pode pescar-se com sardinha, mas também com ganso. Eu utilizo frequentemente, por uma questão que tem a ver com a longa viagem que fazem os anzóis iscados até ao fundo, com lula de arte, a lula de 5/ 6 cm, fresca. Aguenta melhor e não é tão fácil de  roubar. Mas adoram sardinha, sem dúvida. Os anzóis não devem ser nem demasiadamente grandes, sob pena de falharmos muitos toques, nem demasiado pequenos, pois iremos perder muitos peixes na viagem para cima. Este peixe debate-se desde que é ferrado até que chega à superfície, pelo que o furo do anzol vai sempre alargando. Costumo utilizar os anzóis SOI-W da FUDO, no tamanho 4/0 ou 5/0, dependendo do tamanho dos gorazes que estão a sair. Pescamo-lo fundo, dos 120 metros até aos 600 metros, onde termina a plataforma continental, com tamanhos que podem ir até aos 5 kgs. 

É um peixe muito disseminado pelas nossas pedras mais fundas e brilha na cozinha, assado no forno. Poucos são melhores. 

Deve pescar-se com carretos eléctricos de boa qualidade. Ver máquinas Daiwa Leobritz 500 no painel de carretos na loja on-line da GO Fishing Portugal. Pequenos, leves e rápidos….




Este penitente é um sacana! Este pequeno tubarão com ar choroso, olhos grandes e ar tristonho, conhecido entre nós por “Cão do Monte”, ou Cadmonte, nome científico “galeus melstomus”, é o responsável por muitos dos nossos piores pesadelos quando vamos pescar com carretos eléctricos. Não é o tubarão patarôxa, que habita as mesmas águas, também nos incomoda, mas ao menos brilha nas caldeiradas. O cadmonte vive dos 55 aos 1200 mts(!) de fundo, e alimenta-se de invertebrados, dá luta aos camarões, pequenos polvos (o polvo-cabeçudo das profundidades deve sofrer com ele…), e ainda pequenos peixes de profundidade. É um velhaco que acaba sempre por descobrir as nossas iscas antes dos outros peixes. 

Se houver alguns no pesqueiro, já se sabe que vão subir antes do resto do peixe. 

Os seus dentes são minúsculos, mas aboca com ganas e para nosso infortúnio, não larga de maneira nenhuma. Há que o trazer à superfície e libertar. 

Os sesimbrenses adoram fazer peixe seco com ele, secam-no com sal. A sua pele curtida era usada como acessório de …cabedal!



 

Aqui temos porventura dos dentes mais fortes do nosso mar! O pampo, Balistes carolinensis, é um filho da mãe! Estes dentinhos ratolas que podem ver na foto, partem anzóis, cortam dedos, linhas, e tudo o que que lhes meterem à frente. As maxilas são tão fortes que podem partir com enorme facilidade as carapaças das navalheiras, santolas, lagostas, ameijoas, ouriços, mexilhões, etc. Para estes dentes, tudo é manteiga! Uma dentada de um pampo pode ser um caso sério. As marcas essas ficarão para muito tempo, senão para sempre.

Já experimentei e eles fazem isso: uma lata de Coca-Cola espalmada, metida perto da boca e eles mordem e cortam. Fica feito um V na chapa. O pampo é um peixe fascinante, cureácio, duro a combater, com uma rusticidade a toda a prova. 

Tenho sítios onde os cardumes de centenas de indivíduos estão em permanência e normalmente levo lá clientes que saem pela primeira vez a pescar. É diversão garantida!  

Aviso sempre que quem tira os anzóis sou eu…




O pargo capatão, mesmo quando é juvenil, já apresenta dentes incisivos bem proeminentes. Aqui as dúvidas são poucas: trata-se de um peixe que caça e por isso necessita destes caninos. 

Precisa de garantir antes de mais que fica mesmo com a presa. E estes dentes servem para isso mesmo. A seguir, irá desfazer a presa um pouco, antes de engolir, com os seus pequenos molares. 

Tenho uns pesqueiros onde aparecem a morder nos jigs ligeiros, com exemplares até aos 4 kgs de peso, e é uma pesca muito interessante. São particularmente brutos a morder, e isso traz emoção ao acto de pesca. 




A bica, “Pagellus erythrinus”, um espárida da mesma família das douradas, pargos, sargos, etc. Reparem nos dentes. Este peixe alimenta-se principalmente de anelídeos, crustáceos, pequenos moluscos, e também de peixe miúdo. A sua boca comprida, proeminente, permite-lhes caçar alevins, da mesma forma que os seus molares lhe permitem moer pequenos seres da areia, da vasa. Adoram camarões. 

Pesco-as de forma exclusiva, com jigs. Em determinadas zonas, é certo e sabido que vão aparecer, e porque têm um comportamento muito padronizado, podemos prever que as vamos ferrar. Tenho pesqueiros onde são infalíveis e procuro deixá-las descansar, quando entendo que já basta de corridas. São loucas por camarões de vinil, com cabeçote de tungsténio, e também são fáceis com jigs ligeiros. Mordem de forma brusca, e normalmente ficam bem cravadas. 




O nosso robalo, Dicentrarchus labrax peixe mítico, alvo nº 1 para muitos pescadores, é um peixe cuja boca não engana: Nasceu para morder, para ser agressivo. 

Graças a uma tremenda acuidade visual, consegue ser eficaz tanto de dia como de noite. Está tremendamente bem adaptado à vida nos estuários, com pouca visibilidade, e quando está nos seus dias, come mesmo sem ter fome. Não é raro que tenha o estômago cheio, a boca cheia e ainda assim se lançe sobre as nossas amostras. Noutros dias, e porventura por estar saciado, nas mesmas condições, despreza os nossos iscos e faz-nos sofrer. É tipicamente o peixe que morde e engole, a questão mastigação nem se coloca. 




Este peixe desafia os nossos equipamentos. A picada é franca, bem definida, e acontece sempre com o peixe em movimento. 

Aqui temos uma boca tipo “sola de sapato”, rija, autêntico cabedal. Quando o anzol penetra bem, normalmente não desferra. Os dentes são residuais, não passam de  uma superfície à espera, mas ainda assim, suficientemente eficaz. É muito frequente que os anzóis abram, pelo peso do peixe, pela pressão que coloca sobre a nossa pesca. 

O atum é um oponente valoroso, com manhas, que tanto está a lutar à superfície como afunda até ao limite do possível. O momento crítico é quando chega junto ao barco, com o anzol já algo fragilizado, e quantas vezes com a linha já bastante coçada. Quando vêem o barco, ganham uma alma nova e dão sempre um pouco mais, pelo que é de bom tom estar preparado para um último arranque. 




Outra boca estranha! As raias envolvem a comida com o seu corpo, e mordem com uma boca que é apenas áspera, mas pelos vistos suficientemente eficaz. 

Nem sequer é uma picada discreta, imagino que não seja fácil sê-lo com um corpo destes em forma de bolacha, com a boca do lado inferior do animal, oposto aos olhos. 

Esta foi pescada a norte do Espichel, quando estava a cerca de 50 metros de fundo, e estavam a aparecer choupas, besugos….




Pois fiquem sabendo que já me aconteceu trazer uma sardinha presa no meu anzol, pela boca. Não deixa de ser estranho, pois trata-se de um peixe que se alimenta sobretudo de plâncton, micro-algas, copépodes e outros crustáceos, quase sempre por filtração. Mas também faz predação, e terá sido aí que uma delas se lançou cobre um dos meus anzóis, eventualmente um anzol branco. 

Talvez não saibam, mas as sardinhas alimentam-se furiosamente das suas próprias ovas! Fazem posturas significativas, a temperaturas de água entre os 14 e os 15ºC, e de duas em duas semanas, durante meses. Como os ovos são pelágicos, ou seja, flutuam nas camadas superficiais da coluna de água,  ao sabor das correntes, ficam expostos a uma miríade de predadores, que os aproveitam. Inclusivé as próprias sardinhas! Esta boca pequenina, desprovida de dentes, também pode fazer muito mal….

Este tema não fica esgotado aqui, muito mais detalhes haveria a considerar, muito mais peixes e diferentes maxilas poderiam ser analisados. 

Mas o compromisso que tenho com o editor do blog, o Hugo Pimenta, é o de não escrever demasiado….mas escrever todos os dias. Amanhã há mais. 

3 Comentários

  1. Espectáculo. Interessante e muito bom de ler.

    ResponderEliminar
  2. Obrigado pelo artigo, tenho acompanhado o blog e é um prazer ter tanta e variada informação num formato fácil de ler.

    Também eu já trouxe uma sardinha pela boca numa das poucas saídas de pesca embarcada que fiz; estava a pescar aos diversos com uma montagem de 3 anzóis, e veio acompanhada por uma cavala e um carapau!

    Um abraço,
    Ricardo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa tarde Ricardo Na verdade, em teoria, seria impossível pescar uma sardinha, olhando às iscas e anzóis que utilizamos. Mas também seria impossível eu casar com uma sportinguista do Montijo, e no entanto temos duas filhas lindas....e pescadoras.

      A vida tem disto.



      Abraço!
      Vitor

      Eliminar
Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال