Como é procurar peixes debaixo de água?

Fazer mergulho faz, indiscutivelmente, confusão a muita gente. A maioria dos pescadores de linha nunca tentou sequer submergir o seu corpo debaixo de água. Têm uma visão distorcida da realidade, porque nunca tentaram, ou fizeram uma primeira tentativa e correu mal. O primeiro óbice é a questão da compensação:
Ao entrarmos na água sofremos o efeito da pressão, que aumenta de acordo com a profundidade. A 10 metros, temos a pressão de duas atmosferas, ou seja, o dobro daquilo que sentimos à superfície.
Os nossos tímpanos são pressionados para dentro, e há que os colocar direitos. Para isso, efectua-se a manobra de Valsava, e fica feito. Repete-se a cada 3 metros, até chegar ao fundo. Para cima, não é necessário fazer nada, é automático, o corpo trata.
Em rigor, podemos fazer isto toda a vida, sem ter problemas. Mas não podemos esquecer-nos de fazer uma vez, sob pena de rompermos os tímpanos. O meu conselho, de alguém que mergulha vai para 40 anos, é de que não tentem fazê-lo sozinhos.
Nove em dez tentativas correm mal, por falta de orientação. Com um amigo que explique as diversas técnicas, a progressão é rápida e em pouco tempo estão aptos a caçar os primeiros peixes.
Mas para quem não se atreve, e prefere continuar a pescar com cana e carreto, ou tem demasiadas dúvidas e está indeciso, podemos sempre tentar explicar como se faz. O pescador de linha olha o mar de fora para dentro e na maior parte dos casos não se sente seguro com água acima da altura do peito. Mas tem curiosidade.

Há perguntas que são sacramentais: “Quantos minutos ficas debaixo de água?”….e “Qual a profundidade máxima a que já foste?”...

Em rigor, nada disto interessa. Os minutos que o caçador submarino fica debaixo de água nunca são muitos, e não indiciam mais do que uma capacidade acrescida de manter a respiração natural bloqueada. Só isso. Há pessoas que fazem em pouco tempo aquilo que outros nunca conseguirão fazer em muito tempo, até porque o instinto de caça não foi distribuído pelos humanos em partes iguais. Há quem seja mais apto, mas o tempo é só uma das variáveis, embora ajude ficar mais alguns segundos. A diferença de capacidade entre um caçador que faz um minuto de outro que faz dois é… o dia e a noite.
E no entanto não significa tudo, não garante eficácia. O objectivo de quem mergulha não é o de ficar muito tempo, é o de encontrar e trazer o peixe para cima.

E também há quem a poucos metros de água consiga obter resultados, vulgo descobrir peixes, que outros que baixam muitos metros nunca conseguirão ver. Tudo depende das circunstâncias, e não é necessariamente quem desce mais quem traz mais peixe. Da mesma forma que não é por se pescar à linha mais fundo que se pescam peixes maiores. Na verdade, o mergulho e a pesca à linha são a mesma coisa: pesca.

Pode parecer um contra-senso mas não é. Vamos hoje tentar ligar o mergulho em apneia e concretamente a disciplina de caça submarina, ao que os pescadores de linha fazem quando lançam as suas amostras ou as suas chumbadas com anzóis. Vão ver que não é tão diferente assim!




A segurança no mergulho é um acto individual. Cada um é responsável por si, e não adianta nunca, em circunstância alguma, pensar que o colega do lado, se o houver, vai resolver-nos uma situação complicada. Não há meio termo: ou o caçador tem a perfeita consciência daquilo que está a fazer, ou…morre.
Na melhor das hipóteses, o caçador que entra num buraco estreito a perseguir um sargo, deverá contar que nesse mesmo momento, o seu colega estará a fazer o mesmo a 50 metros de distância e não o está a ver.
E por isso não o pode proteger.

Só conheço uma forma de obrigar um caçador a zelar pelo outro: fazer com que exista apenas uma arma para duas pessoas. Isso obriga a que, por uma questão de mero egoísmo e interesse próprio, um colega esteja atento ao desenrolar do mergulho do outro. O objectivo é apenas o de aguardar pela sua vez, pegar na arma e fazer a sua descida. O romantismo de dizer “ estava a ver-te e a zelar por ti a partir da superfície” é algo para inglês ver, e que não corresponde à verdade de todo.
Desde logo porque a partir de uma determinada profundidade a visibilidade é nula, da superfície não se vê o fundo. Logo, as probabilidades de deixar passar os segundos que podem ser fatais, é algo que está sempre latente.
Com duas pessoas e duas armas, o resultado normal é que cada um vá para seu lado, para não ser incomodado pelo outro, e para que possa descer em sítios ainda não visitados. Isso é o normal, aquilo que acontece sempre.




Este é o desenrolar habitual de uma caçada: uma distância suficientemente grande entre caçadores para não se verem nem ouvirem o colega do lado.
Por outras palavras, para impossibilitar o apoio ou socorro ao colega, em caso de necessidade. Repito: o mergulho em apneia é uma actividade solitária, feita por vezes em grupo.




O caçador desce ao fundo e espreita debaixo das pedras, por algum peixe que possa estar escondido. Implica saber muito sobre marés, ventos, sobre entradas de peixe à costa, conhecer os fundos como a palma das mãos, ter boa capacidade física, ser emocionalmente estável, ter uma boa memória fotográfica para fixar os buracos que metem peixe, etc. Na verdade não é assim tão diferente de fazer pesca à linha, pois também o pescador lúdico tem de saber lidar com uma série de dados, para conseguir resultados de excepção. A diferença é que aqui utiliza-se uma arma, basicamente um tubo com um punho e dois elásticos propulsores, que empurram um arpão de aço inox, normalmente de 6 ou 6,5mm de diâmetro, bem afiado, com uma barbela que impede o peixe de sair depois de arpoado.
Os caçadores acabam por ter de respeitar os momentos de maré, caçando na enchente mais junto a terra, mais baixo, e saindo para o largo na vazante, procurando o peixe que já comeu e afundou, ficando resguardado nos buracos. E aí, caçam mais fundo.
Temos muita gente em Portugal a caçar abaixo dos 30 metros, sendo que é expectável que alguém que comece não ultrapasse os 10 metros. Chega e sobra para fazer uns quantos peixes bons, assim se tenha olho e capacidade física para função.
Se há quem aposte tudo em meia dúzia de mergulhos muito fundos, cuja recuperação é demorada, na casa dos 6/ 8 minutos entre cada imersão, também há quem prefira caçar mais baixo, mas faça apneias sucessivas, a não ultrapassar os 50/ 60 segundos, com recuperações de um minuto e meio. Tudo depende da capacidade física, do estado do mar, e também do tipo de peixe que se procura.




Aqui temos uma situação em que a pessoa escolheu um fundo muito baixo. É francamente mais difícil mergulhar aqui, dado que o corpo é constantemente impulsionado para a superfície. O fato de neopreno é uma boia, flutua, e por isso essa força tem de ser contrariada através da utilização de um cinto de chumbos, normalmente com cerca de 10% do peso do caçador. Não esqueçam que, entre outras coisas, teremos de contar com o ar que está dentro dos pulmões, dos intestinos, das cavidades faciais, seios perinasais, etc. Tudo nos empurra para cima. A uma determinada profundidade iremos encontrar o ponto neutro, o nosso zero de flutuabilidade. A partir daí, o peso do cinto irá fazer-nos descer cada vez mais depressa, para o fundo e torna a subida mais penosa. Por isso, deve haver um equilíbrio entre a profundidade média a que se vai caçar e a quantidade de chumbo.
Também a espessura do fato tem uma influência decisiva: para águas frias de Inverno, normalmente utiliza-se um casaco de 6,5 ou 7mm, e umas calças de 5mm. Temos de proteger melhor os órgãos vitais quando a água está fria.
No Verão, e com águas mais quentes, podemos descer para calças de 3mm e casaco de 5mm. Tudo depende da temperatura que temos de enfrentar. Nos pés uns botins de 2.5mm, e nas mãos, luvas de protecção, sempre.




Depois de descobrir algo com interesse, o caçador prepara o disparo, introduzindo a arma no buraco. Acertar num alvo parado é francamente fácil.
Dada a posição relativamente estável do caçador, é de bom tom disparar a uma zona vital do animal, seja um sargo, uma dourada, um robalo, um safio, etc.




Quando as águas estão limpas, transparentes, a tendência do peixe é para entocar, ou seja, para se esconder dentro de rasgos nas pedras.
Chama-se a isso “ caça ao buraco”, mas pode acontecer que o caçador prefira chegar ao fundo, entalar-se entre duas pedras, e fazer uma espera, a ver o que anda nas imediações.
Isso chama-se “caça de espera”, também conhecida na gíria pelo termo francês “agachon”. A caça ao buraco desgasta mais pela quantidade de movimentos que implica, ( o caçador desde que desce está a consumir oxigénio e a sua reserva é apenas o ar que leva nos pulmões), a caça de espera, (dado que há que vencer os momentos de desconfiança do peixe, que se aproxima curioso para ver o que caiu ali, mas só depois de sentir segurança), implica mais tempo em baixo. Mas este acréscimo de tempo é compensado pela imobilidade total, ou seja, menor consumo de oxigénio.
Também é possível fazer caça a peixes que se encontram a nadar no azul, entre duas águas, se quiserem entre o fundo e a superfície. A isso chama-se “caça na caída” e é algo muito técnico, implica saber descer sem demasiado ruído, sem muita turbulência.
Quando temos o pico da maré cheia, os sargos e as douradas estão a comer à superfície. A sua tendência é a de subirem até ao limite máximo onde a água chega, para conseguirem os melhores perceves, mexilhões, etc. Aí, e porque estão meio distraídos com o acto de se alimentarem, podem ser caçados sem que o caçador tenha sequer de mergulhar. Acharão que é mais fácil que caçá-los em baixo. Errado! Implica muito mais técnica, mais sigilo, saber fazer tudo de forma muito mais discreta. Os sargos têm sempre vigias, e ao primeiro vislumbre de perigo, correm todos a esconder-se nas pedras do fundo. Na verdade, e porque o caçador acaba por fazer algum ruído com a respiração, eventualmente com alguma água que entre e tem de sair do tubo, mais as barbatanas que podem tocar na rocha, etc, esta técnica é das mais difíceis. Chama-se “caça à índio” e é feita em apneia, ou seja, enquanto o caçador avança, não respira. Irá fazê-lo a seguir, depois de disparar. Nessa fase, apanha ar, volta a montar a arma, coloca o peixe no enfião, e avança mais um pouco, sabendo que os peixes que havia nos metros a seguir, já foram todos para o fundo. Mais à frente, irá encontrar outros cardumes, que lhe darão nova chance de disparo. As paredes do cabo Espichel são perfeitas para esta técnica, pela quantidade de reentrâncias e de …sargos e douradas. Os molhes são também zonas perfeitas para esta técnica.




Por vezes transporta-se uma lanterna que se fixa ao braço com um elástico. Quando fizer falta, está sempre à mão. É bastante útil quando se caça ao buraco.
Por vezes uma santola descuida-se na sua camuflagem entre as algas e vira petisco. A caça submarina feita ao lado de pessoas amigas, pode ser extremamente interessante e divertida.
Portugal é mundialmente um dos expoentes máximos da caça-submarina de competição, e temos campeões da Europa e do mundo. Os nossos rapazes sabem fazer.




Trago aqui esta foto, para explicar que fazer mergulho de garrafas é uma coisa, fazer caça submarina é outra. Quem mergulha de garrafas está lá em baixo para ver, para fotografar, mas não pode capturar qualquer tipo depeixe ou crustáceo. Quem vai fazer caça submarina não pode por lei utilizar garrafas de ar, sob pena de ver todo o seu equipamento ser apreendido e pagar a multa correspondente.
Se querem saber a minha opinião sobre isto, a opinião de quem já viu fazer caça com garrafas, é esta: comparo isto à pesca à bomba, com explosivos. A sensação que essas pessoas devem ter é a de quem mata coelhos dentro de uma gaiola!
O interesse é nulo, a figura é triste, e quando se chega a isso, não se pode baixar mais. É uma lastima que se continue a infringir a lei, a troco de garantir meia dúzia de notas de euro nos bolsos. A maior parte das pessoas que o faz pretende vender o peixe.
É gente que acaba por ir pela calada, durante a noite, e assassina peixes que não mereciam tão baixo opositor.
A caça submarina é uma actividade nobre, quando feita em apneia, poder contra poder, as capacidades dos peixes contra a nossa capacidade física, técnica e inteligência. É um tipo de pesca que apenas é diferente nos meios, porque não utiliza canas e carretos, mas idêntica nos fins: conseguir meia dúzia de peixes para uma refeição com a família ou amigos.

Muito fica por dizer. Pretendeu-se dar aqui apenas uma ténue ideia do que é fazer caça submarina.
Caso algum dos leitores tenha alguma questão a colocar, agradeço o envio das questões para o blog, e como habitualmente, serão todas respondidas.



Vítor Ganchinho


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