A criação de peixe em aquacultura

Para quem pesca no mar, para quem assume a sua inteira devoção pelo peixe selvagem, bravio, pouco ou nada domesticável, nada mais estranho que encarar a possibilidade de vir um dia a comer um peixe criado em cativeiro, alimentado a farinhas.
Confesso que não me rendo a tal ideia. E no entanto, esse é um futuro que a humanidade deveria assumir como garantido. Vai ser assim, e sem sombra de dúvidas. A necessidade de obter proteína para o exponencial aumento de bocas a alimentar, a isso obriga.
É sabido que o nosso planeta produz hoje em dia mais peixe do que carne de bovinos. O sector da aquacultura multiplicou a sua produção 14 vezes, desde 1980, para números globais de 66 milhões de toneladas, a números de 2012. Hoje será bastante mais.
Para que tenham uma ideia do número que vos apresento, isso constitui quase metade de todos os peixes e mariscos comidos pela população mundial. Vai aumentar. A previsão aponta para 35% de incremento de consumo de pescado nos próximos 20 anos.
E a natureza não consegue responder a esta demanda, os criadouros de peixe selvagem estão a ficar esgotados, pelo que resta a produção industrial desse bem precioso: o peixe.
Nos pesqueiros tradicionais, a frota pesqueira profissional excede em 40% o limite máximo tolerável. Há barcos a mais, redes a mais, arrastões a mais! Os números são assustadores: são pescadas por ano 143 milhões de toneladas de pescado. Se quisermos juntar a isto o facto de serem os peixes de maior valor comercial os mais castigados, temos que muitas espécies estão já num ponto de não retorno: maior proximidade à extinção total que ao ponto de equilíbrio sustentável. Fizemos demasiado mal aos oceanos, destruímos demasiados habitats naturais. Sem esquecer a poluição crescente, devemos considerar que uma actividade piscatória que requer quase 20 biliões de euros/ano de subsídios para não pescar, é uma actividade que há muito excedeu os seus próprios limites. Em Portugal, pagamos subsídios para que as frotas de pesca da sardinha, por exemplo, não saiam ao mar.


Valorizamos muito pouco o peixe que felizmente ainda temos. Tratamo-lo tão mal que mais parece sermos confessos adeptos de peixe criado em aquacultura.


Algo está errado quando o método de criação em cativeiro permite a utilização de antibióticos, pesticidas, etc. As doenças geradas dentro das gaiolas de criação, passam cá para fora. A febre de produzir mais e mais, leva a excessos que acabam por afectar irremediavelmente a vida marinha selvagem. São as grandes concentrações de peixe em cercados com espaço limitado que promovem o aparecimento de doenças, tal como acontece em terra com os aviários, as explorações intensivas de gado, etc. O critério válido para estes produtores é o de manter vivo o peixe. Se está vivo, é vendável e isso significa lucro.
Sabendo que hoje somos 7.4 biliões de pessoas e em 2050 seremos cerca de 9 biliões, é fácil constatar que teremos de revolucionar os métodos de produção de alimentos. A biotecnologia impõe-se aos métodos tradicionais.
Do trabalho de pesquisa que fiz para vos escrever este artigo, apurei que, apesar de tudo, seria possível à vida marinha recuperar parte daquilo que foi destruído, caso tivéssemos a possibilidade de parar um pouco. Mas já estamos na fase de enviar navios aos polos, carregar com 200 toneladas de krill, pequeno camarão que serve de base alimentar a toda a fauna piscícola da região, para produzir rações.
A pesca excessiva irá conduzir-nos irremediavelmente a um beco sem saída. Diz-se que hoje em dia, encontrar uma forma mais sustentada de alimentar o peixe criado em cativeiro, pode ser mais importante do que definir onde é que o iremos criar.


Quanto vale um cardume de peixes em liberdade?


Podemos explorar alguns detalhes da criação de um peixe de que tanto gostamos, o robalo.
No nosso país, já há anos produzimos peixe em tanques. Houve mesmo quem fosse mais longe e desse uso às nossas antigas salinas, por facilidade de processos, e redução de custos.
Este fantástico peixe, nosso adversário manhoso e combativo companheiro de tantas jornadas de pesca à linha, começa a sua vida através de uma reprodução controlada, quase que in vitro, partindo de reprodutores seleccionados. Os “pais” são trabalhados em maternidades, provocando-lhes uma antecipação de comportamentos reprodutivos através da sobreexposição à luz, através de sistemas artificiais, de projectores de iluminação. Logo que se dá a eclosão dos ovos, e depois de fecundados pelos machos, estes são recolhidos das águas superficiais dos tanques e levados para zonas de alevinagem. E é aí que se irá decidir sobre a evolução positiva da pequena cria. A larva irá perder o seu saco vitelino após 6 dias contados a partir da eclosão. A partir deste momento, passa a depender da quantidade e qualidade de alimento que lhe seja fornecida.
Trata-se de um trabalho extremamente técnico, e que pode, por erro humano, deitar tudo a perder. São fornecidos alimentos, constituídos por algas e zooplâncton microscópico, os rotíferos. Simulando aquilo que o nosso robalo selvagem consome quando está por sua conta numa zona lagunar, ou um estuário de um rio, por exemplo, são então fornecidos alimentos à base de artémia, pequenos crustáceos abundantes nessas zonas. Esta artémia é também produzida na exploração de aquacultura.
Quase dois meses depois, o protótipo de robalo estará prestes a iniciar a sua terceira fase de vida: passa a uma unidade onde será alimentada à base de óleos e farinhas de peixe, numa mistura granulada fina. Não esquecer que o objectivo é criar um peixe com o mínimo possível de custos, e o mais rapidamente possível. Garantir a sobrevivência das larvas nesta fase é toda uma ciência e implica conhecimentos técnicos por parte dos engenheiros da exploração. Na fase seguinte os alevins já estão numa outra unidade de criação, a de criação de juvenis. Irão estar aqui durante dois meses, até atingirem um peso entre as 2 e 5 gramas! Há entidades que produzem até este ponto, sendo então os alevins vendidos para outras explorações, que tratam de os fazer crescer. Chegar a esta fase já é uma vitória da ciência.
O processamento de engorda será o último passo, e normalmente é feito em gaiolas instaladas a curta distância da costa. Custa-nos pensar que um peixe tão nobre quanto o robalo, pode ser “criado” desta forma, tão programada, tão standarizada, mas é assim que acontece.
E é vê-los, todos iguais, todos da mesma cor, tamanho e com o peso certo de…dose. Se o robalo selvagem pode atingir os 13 kgs, eventualmente 14 kgs como excepção, o robalo de aquacultura é capturado nos tanques quando atinge um peso entre os 300gr e os 500gr, aquilo que irá dar origem a um prato de peixe para uma pessoa. Teria nesta altura uma idade de um a dois anos, sendo o seu crescimento condicionado por factores alimentares, qualidade das águas e também da sua temperatura.




As cavalas são abundantes na natureza. Portugal tem muitas toneladas deste peixe na costa, e isso deve-se em grande parte ao facto de ter um valor comercial muito baixo, na ordem dos 20 cêntimos /kg em lota.
Mas estamos a começar a fazer a sua captura para exportar para pisciculturas que engordam atuns, apreciados pelos asiáticos, ou para a produção de farinhas para criação de gado. O princípio do seu fim?....





Conseguimos conceber um mar vazio de vida? Faz sentido um mar sem peixes?...



Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. Boa tarde Vítor,

    Espero encontra lo de boa saúde.
    Na minha opinião, estes artigos são de fato de grande interesse e do qual me preocupa cada vez mais.
    A sustentabilidade é um problema de interesse mundial e ao qual muito pouca importância se tem dado.
    Num futuro muito breve, todos nós vamos pagar a fatura bem cara!

    Abraço,
    A. Duarte

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    1. Boa tarde António É verdade que já houve uma pessoa que comentou que eu escrevo todos os dias sobre o mesmo assunto. Quero acreditar que não, ....penso que não. Este tema da aquacultura e da sustentabilidade da pesca como hoje a conhecemos é algo que nos deve preocupar a todos. Aquilo que estamos a deixar para os nossos filhos é algo de muito preocupante.
      Espero que não venham a considerar que as pescas que hoje fazemos e catalogamos de ruins, não venham a ser ...muito boas.

      Vou continuar a escrever, a colocar letras a seguir a letras, mesmo que o tempo me seja cada vez mais escasso. Estou a sair para o mar muitos dias, e ao chegar, depois de limpar todos os equipamentos e o barco, não sobra muito. E a vontade de dar aos dedos, com o corpo cansado, também não é muita.

      Mas estou a pensar em assassiná-lo. Quando é que saímos à pesca? Ainda não tem o seu equipamento de LRF? Preciso de umas quantas fotos do futuro "defunto", para ilustrar o texto. O Carlos Campos já está todo "escortanhado", já me dá pena de lhe bater.

      A semana que vem vai ser muito boa, há um conjunto de condições que vão puxar peixes do fundo para as nossas pedras mais baixas.

      Abraço!
      Vitor



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  2. Boa tarde Vítor,

    Realmente o amigo Carlos Campos, já é merecedor de canonização!
    Homem de superior humildade e dotado de uma resistência sobre-humana. Só assim se entende a sua capacidade de resistir a tanta pancada, de fazer jus ao melhor lutador de MMA!

    Vamos a isso, é um privilégio partilhar da sua companhia, do seu conhecimento e acima de tudo, da sua sempre boa disposição e humor.

    Vamos lá dar banho aos pingarelhos e ver se finalmente consigo matar o borrego!

    É de forma muito apreensiva e conservadora, que encaro o futuro dos meus filhos.
    O legado que lhes deixaremos poderá ser pesado!

    Estes seus textos são uma excelente intervenção no sentido de alertar os mais distraídos.

    A perseverança apresentada, com a escrita diária destes textos, é de se lhe tirar o chapéu!

    Abraço
    A. Duarte


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    1. Grande António Duarte Estou a pensar que o Carlos Campos só pode ser um super-herói disfarçado de pessoa normal. Ele aguenta muita pancada, e tem um poder de encaixe muito superior ao Mike Tyson. Agora a seguir vai já levar outra, a tal situação de ele andar a vender caranguejos pilados como sendo santolas, aos turistas.

      Mas vamos a isso, quando tiver disponibilidade, vamos ao mar e a seguir eu trato do assassinato. Francamente é algo que já não me custa, porque já estou habituado. Eu escrevo a dizer mal como quem respira. A bem dizer, é uma espécie de " serial killer", sem remorsos.....

      Um bom fim de semana!

      Vamos ter na semana que vem vários dias bons, vou sair 4 dias seguidos.
      Abraço!
      Vitor

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