Um amigo meu diz-me que vai à praia e não consegue ver nada que os peixes possam comer. Pensei que fosse piada, que estivesse apenas a ligar para mim para conversar um pouco sobre pesca.
Mas não, segundo a sua opinião, a costa não tem nada que interesse a um peixe. Dizia-me “_ só se for lá para os fundões….”
Nada mais errado, pois é precisamente nos baixios que a comida mais abunda. Se quiserem, é precisamente o oposto daquilo que este amigo pensa. E a razão é tão simples e evidente que chega a ser absurda: a “comida” dos peixes só não vive longe do mar, permanentemente fora de água, porque não pode. Porque também ela depende do efeito das marés para por sua vez se alimentar.
A faixa entre-marés é uma zona incrivelmente rica de possibilidades, e os peixes sabem disso. Aproveitam as marés cheias para subir até onde podem, porque sabem que a comida fácil está entre o limite mínimo da maré vazia, e a cota máxima a que as águas chegam na maré mais alta. Essa faixa tem toneladas de comida, para quem a sabe procurar. E se o meu amigo não tem ideia nenhuma de onde e como deve começar a procurar, os peixes sabem e vão directos ao assunto.
Não são propriamente “meninos” que precisem de prato, faca e garfo para comer. Os peixes chamam comida a coisas muito estranhas. Algumas delas nós humanos não nos atreveríamos sequer a considerar a possibilidade de as pôr na boca quanto mais comer. Mas eles não têm supermercados, e por isso “ desenrascam-se” como podem.
O que vamos ver hoje são algumas estranhas criaturas….comestíveis. Venha daí.
Sabellaria alveolata |
Muito apreciado pelos peixes, este anelídeo é um pitéu para os espáridas. Vive em pequenos tubos formados por areia grossa, por vezes até conchas partidas, cimentadas com a viscosidade, ou muco, própria deste verme.
Não deixam de ser curiosos estes “favos” parecidos com colmeias, que podem ter de 30 centímetros até comprimentos superiores a 2 metros. O animal em si terá, na idade adulta, de 3 a 4 cm, e reproduz-se desde o norte de Inglaterra até ao sul de Marrocos.
Entre nós, é bem mais frequente nas costas a norte. Recordo-me de os ter visto pela primeira vez na Nazaré, e de achar curiosa a semelhança com ninhos de abelhas. Não é algo que possamos encontrar muito profundo, antes vive em zona entre-marés, ou uns metros abaixo.
Esta curiosa protecção isola o verme de potenciais pequenos predadores, mas não dos nossos sargos e ferreiras.
Aqui têm o bicharoco que constrói os “ninhos de abelha”. Sabellaria alveolata de seu nome próprio. |
Aqui, temos dois tipos de comida: algumas lapas jovens, de tamanho reduzido e duas colónias de cracas, os pequenos “vulcõezinhos” que podem ver nas laterais inferiores da foto. |
Os mexilhões, um ser incrivelmente dotado para viver nas zonas de rebentação. A sua forma está geometricamente calculada para oferecer o mínimo de resistência à onda. |
Também vos digo que o ser humano não conseguiu até agora produzir uma cola tão forte e eficaz quanto aquela que os mexilhões segregam e que os liga à pedra.
Na foto são visíveis algumas lapas, e uns quantos caramujos. Isto é uma sandes mista para uma dourada, que consegue partir estas conchas todas.
As lapas alimentam-se de algas e podem viver parte da sua vida fora de água, entre marés, movimentando-se quando a água chega ao seu nível, e esperando pacientemente quando em seco. Estas serão as que estão menos expostas a ataques, pois ficam longe do alcance dos peixes durante algumas horas da vazante, mas em contrapartida crescem menos, pois estão limitadas na sua movimentação e consequentemente com menores possibilidades de se alimentarem.
As maiores lapas que conheço estão nos blocos do molhe de Sines: cerca de 10 cm de diâmetro, mas cheias de naftas dos petroleiros…
Como pode o meu amigo considerar que aqui há comida para peixe? |
Os perceves são um manjar para quem tem dentes para eles. |
E também os mexilhões. Isto é proteína de alta qualidade! |
O processo de abertura de um orifício na areia é conhecido: afasta a areia através de um esguicho forte de água que consegue lançar.
A seguir, enfia o pé na areia e incha-o para ganhar espaço. De forma rápida, introduz a concha no espaço ganho e fica enterrada.
Na área em que vivo, Setúbal, é muito comum que as pessoas não comprem, antes a vão capturar na maré vazante. Nos seus buracos, visíveis à superfície, lança-se um pouco de sal de cozinha e espera-se um pouco.
Ao sentir o sal, salta fora da toca e é facilmente capturada. É sobretudo objecto de captura através de embarcações profissionais, que utilizam a técnica de arrasto e as exportam para Espanha.
Na verdade, as “ganchorras” estragam os fundos, matam muito animal que não deveria ser visto nem achado neste assunto. Os peixes seguem a uma distância segura estas pesadas caixas, e aproveitam aquilo que é desenterrado mas fica fora da gaiola de arrasto. Quando virem um destes barcos a operar, normalmente a menos de 20 metros de profundidade, experimentem a lançar um vinil, ou um jig e vão ver se há ou não pargos, douradas, sargos, a seguir …os trabalhos.
Vítor Ganchinho