Lançar âncora

No mar, as decisões são com o comandante do barco. Se boas ou más, são as dele, a responsabilidade nunca é de quem pesca. É ele quem escolhe o local e manda lançar a âncora!
Lançar uma âncora é indiscutivelmente um ato de responsabilidade. Nesse lançamento estão depositadas as esperanças de quem espera avidamente que os resultados sejam bons.
Largar âncora significa decidir e tentar cumprir as expectativas de quem se levantou bem cedo para tentar a sua sorte nesse dia. Nem sempre se consegue, e quanto mais pessoas no barco mais possibilidades existem de tudo correr mal.
Ou porque o barco rodou à corrente e ficou com meia-nau fora da pedra, ou porque o vento tratou de o empurrar para a zona “que não era”, ou porque a dimensão da pedra apenas permite que metade dos pescadores embarcados pesquem sobre ela.

A situação agrava-se porque quem paga, e quantas vezes apenas meia dúzia de euros, exige resultados, e não se conforma de ver os outros a pescar enquanto ele está sem sorte nenhuma. Depois, porque sim, porque criou expectativas e quer cumpri-las.
E por fim, porque precisa, porque pagou os 20 euros e tem de garantir que são largamente compensados, ainda que com peixes pequenos e “bugigangas” sem interesse nenhum.
O papel do comandante da embarcação é ingrato, porque ele não vende peixe, vende a deslocação ao local onde espera que haja peixe.
Passando por cima de questões que se prendem com a experiência de mar que possa ter ou não, (e os nossos comandantes na sua esmagadora maioria conhecem os locais e são competentes!), ainda se coloca uma outra possibilidade: a de o resultado total dos pagamentos recebidos não permitir a esse capitão a deslocação a um dos seus melhores sítios, …porque são longe e exigem muito dispêndio de combustível.

Não há milagres: quando alguém quer pagar pouco, muito pouco, e pretende pescar peixe de qualidade, grande e muito, algo no processo tem de ficar prejudicado.
Ou a opção é ficar nos sítios do costume, onde se pescou ontem e anteontem, e que são perfeitos desertos mas ficam perto do porto, ou a alternativa é mesmo pagar mais para permitir uma deslocação livre, mais longínqua, mas com peixe a sério, e que vá ao encontro dos interesses de todos.


Esta âncora ficou de tal forma cravada que não foi possível à traineira conseguir recuperá-la.


Se as contas são feitas com um lápis muito fino, ou seja, se aquilo que sobra entre as despesas do barco e aquilo que se recebeu nesse dia é pouco, muito pior fica o mestre quando constata que vai perder o seu ferro.
Por vezes, a âncora agarra de tal forma que não há forma de a conseguir retirar. Com ou sem fusível, a verdade é que os ferros ficam lá, agarrados para sempre.
Porque mergulho, sei onde estão uns quantos, depositados no fundo do mar por gente que tudo terá feito para os resgatar. Quando a agarra é forte, dificilmente se consegue fazer melhor que fazer meia hora de voltas e revoltas e …cortar o cabo.

Há mesmo pedras que são conhecidas pela frequência com que retêm as âncoras dos barcos. O nome de “Rapa-âncoras” dado a uma pedra em frente à Lagoa de Albufeira já diz algo.
A Pedra do Garçone, a 350/ 460 metros de fundo, cerca de 30 minutos ao largo de Sesimbra está de tal forma cravada de ferros, redes e cabos que dificilmente larga uma âncora que sobre ela seja lançada. Acaba por ser uma armadilha para ferros, pois a única solução de uma âncora enredada numa rede velha, é cortar…em cima, à superfície, ao nível do barco.
Se o pesqueiro tem 400 metros de fundo, um barco tem de largar um mínimo de 500 metros de cabo para fundear. É fácil adivinhar que quantidade de cabo irá somar a todos os outros que já lá estão...
As correntes marítimas encarregam-se de os entrelaçar, de dar voltas a bicos de pedras, tornando o local num labirinto de encalhes que nada poupa.


Quando as âncoras caem em espaços muito estreitos, a possibilidade de enrocarem é grande. Muitas vezes não saem mesmo.


Pode acontecer que o cabo da âncora passe por baixo de uma ponta de rocha. Quando o barco roda à corrente, caso a âncora entale aqui, as possibilidades são muito próximas do zero.


Este é um fundo muito típico de Setúbal: pedra não demasiado alta, mas com alguns esconderijos para os peixes. Quanto mais acima e perto da costa lançamos âncoras, mais possibilidades existem de que a pedra seja menos alta, pois o desgaste e erosão provocados pela agitação marítima são superiores ao que se verifica em pesqueiros a 80/ 100 metros.


Em fundos deste tipo, com calhau rolado ou pequenos blocos, as âncoras nunca ficam. De uma forma ou de outra acabam por largar.


Já em pedra muito fracturada, é perfeitamente possível que o ferro fique entalado, ou mesmo o cabo, e assim fique inviabilizado o seu levantamento.


Por vezes, a experiência do marinheiro resolve a questão, outras vezes, nem isso.
Costuma-se dizer na gíria que a verdadeira força não é a do mar em fúria que tudo destrói, mas sim a do rochedo, impassível, que a tudo resiste!
Por vezes, não se perdia se a rocha fosse um pouco mais macia...



Vítor Ganchinho



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