Tudo gente de boa boca

As oportunidades de um peixe encontrar comida não são as mesmas durante todo o ano. Se há momentos em que os stoks de alimento disponíveis chegam para todos e sobram, outros há em que esse alimento é mais escasso, e existe a necessidade de o peixe recorrer às reservas.
Normalmente os períodos de menor disponibilidade correspondem a um resfriamento acentuado das águas superficiais, que o obriga a afundar e procurar termoclinas mais favoráveis, bolsas de águas mais quentes que o desgastem menos em termos de manutenção de temperatura corporal.
Nunca esquecer que os peixes são animais de sangue frio e por isso a sua temperatura interior corresponde à temperatura da água circundante.
Um outro factor que obriga a sair de cima da comida é um temporal repentino que chega à costa, e impossibilita fisicamente o peixe de estar no seu local habitual de alimentação. Perante ondas de mais de seis metros de altura, nenhum peixe fica na zona de rebentação de um pesqueiro baixo, é obrigado a deslocar-se para o limite de agitação máxima suportável. Pode não ser longe, depende em primeira instância da profundidade do pesqueiro, mas não é no sitio onde costuma estar e que corresponde quase sempre à zona onda a comida está disponível.
Mas também pode ocorrer falta de alimento por esgotamento de recursos, por haver um excesso de exemplares concentrados num spot relativamente pequeno.
É o caso de alguns dos pontos onde levo clientes GO Fishing às suas primeiras experiências de pesca. Vejam abaixo um caso em que nitidamente a quantidade de peixe é demasiada:




Aquilo que se nota é uma perda de peso evidente, quer nos maiores quer nos peixes mais pequenos. Ficam magrinhos. Por outro lado, também é evidente uma maior apetência para acorrerem aos nossos iscos, quaisquer que sejam.


Um par de pampos mostra interesse numa iscada de tripas de cavala. Também é verdade que já os pesquei com uma rodela de chouriço e uma pele de maçã, pelo que não será tanto pelo que se lança, mas sim pela congénita boa vontade deles.


Raramente aqui vos trago peixes demasiado fáceis, por entender que esses deverão ser reservados para miúdos, jovens que fazem a sua primeira saída de mar, ou mesmo adultos que nunca tiveram a possibilidade de entrar num barco e estão tecnicamente menos capacitados a responder às exigências dos nossos peixes mais difíceis.
Para os pescadores pro, aqueles que sabem a música toda, que encarem este artigo com boa disposição, com a ligeireza que ele forçosamente tem de ter por se dirigir especialmente a senhoras, crianças, idosos, etc.
Falamos hoje de pampos, “Balistes carolinensis”, de garoupinhas, “Serranus cabrilla” e de gente deste tipo, os fáceis, gente que quando pica, vai à morte, sem cuidados especiais, sem querer saber de anzóis e linhas, e que cumprem na perfeição aquilo que se espera de um peixe não muito esquivo: que faça alguma força, que “esperneie” um pouco, para fazer parecer ao pescador debutante que é capaz, que está mesmo a pescar e a constatar que afinal a pesca pode ser muito fácil.
Nós sabemos que à medida que subimos a um patamar de dificuldade superior, as facilidades desvanecem-se e a dada altura já estamos a sofrer muito para conseguir uma só picada.
Vou este ano tentar fazer aquilo que o ano passado não consegui: um atum de mais de 100 kgs, a pescar na zona de Sesimbra.
Vi-os vários dias, estive muito próximo deles …a não mais de 20 metros, mas sempre com o equipamento errado, já que estava a pescar outras espécies. E tenho a certeza de que vou ficar muito feliz se tiver uma só picada, uma só, de um destes peixes, mesmo que os tenha de procurar durante vários dias.
Não é o caso destes peixinhos que vos trago hoje, os pampos, que são “crentes” na nossa bondade e não levantam dificuldades nenhumas.
São nitidamente um peixe perfeito para que alguém aprenda a pescar. E que comem eles? Repito o título: são gente de muito boa boca...
O pampo é um peixe que cada vez mais passa todo o ano connosco. Há muitos anos atrás, apenas o recebíamos em Junho e saía a meados de Outubro. Agora passam o ano todo por aqui, fazendo as suas migrações perpendiculares à costa, afundando para cotas em que o frio não os incomode demasiado.
Isso acontece, dependendo dos anos, em Outubro ou Novembro. A dada altura deixam de ser vistos nos seus poisos normais, a pouco mais de 10 metros de fundo, e passam a ser acidentalmente pescados em fundos de 50/ 60 metros.


O mexilhão não agrada apenas a sargos e douradas. Também os pampos o têm em boa conta, e por isso não largam as mexilhoeiras. Conseguem partir estas cascas com enorme facilidade e comer o seu inquilino. Esta é proteína da boa.


Outro isco de excelência para pampos. Os perceves levam grandes sovas dos cardumes de pampos, que os adoram. É tudo uma questão de dentes e eles estão super bem armados para isto. E também para as carapaças das santolas, das navalheiras, das lagostas, …etc. Entre nós, poucos peixes mordem como o pampo. 




Estes peixes podem estragar-nos um dia de pesca num determinado pesqueiro, se estivermos na disposição de insistir. Porque são muitos, porque são vorazes, porque temos um peso limite para fazer, 10 kgs maximos, e porque os outros peixes sentem receio de estar no meio deles. Quando chegam ao pesqueiro, os nossos problemas começam. Não pela qualidade da sua carne, que é perfeita para quem gosta de filetes de peixe frito. O pampo é o rei do fliete!




Mas os iniciados contam com um outro aliado, que se prende nos anzóis a si próprio: as garoupinhas, “Serranus cabrilla”, que têm uma boca suficientemente grande para abocar qualquer anzol que seja enviado para o fundo. E o que comem as nossas pequeninas garoupinhas?
São bem mais caçadoras que os pampos, gostam de montar emboscadas, de esperar as suas oportunidades, e pese embora o seu reduzido tamanho, compensam com agressividade a falta de peso.
Operam numa zona relativamente restrita. Estabelecem um território, onde apenas elas caçam, e vigiam-no, expulsando os concorrentes. As lutas são constantes e têm boa razão de ser: os espaços são muito limitados, e o alimento que chega à zona tem de ser um exclusivo seu. Se isso significa engolir uma presa a seguir a outra, pois seja. No caso acima, esta tinha um pequeno peixe na boca e achou que seria de aproveitar um camarão que, por azar dela, era em vinil e estava armado de um anzol.
Reparem no detalhe da foto, é interessante ver os dentes afiados que este pequenos peixe tem, e que levam a que a comida que entra na boca tenha muita dificuldade em sair.


Uma das garoupinhas que pesquei já este ano, tinha isto no estômago: uma pequena lula, um peixe já meio decomposto e na boca tinha uma poliqueta ainda viva, e que mordeu na mão. Podem ver as pinças ainda abertas. Certamente foi puxada com brusquidão, pois apenas 3 centímetros estavam dentro da boca do peixe. O resto terá ficado no casulo...


Este conteúdo estomacal foi retirado de um robalo, e é a prova, para quem ainda tem dúvidas, de que os nossos peixes de maior tamanho também comem pequeníssimos peixes, de 2 ou 3 centímetros. 


Em parte isso explica as razões do sucesso da técnica de pesca Light Rock Fishing, LRF, que utiliza pequenos vinis e jigs de tamanho miniatura. Vou continuar a fotografar aquilo que sai da boca destes peixes, para vos mostrar que o robalo leva muito a sério os pequenos peixes que lhe passam perto.



Vítor Ganchinho



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