Se relativamente a marés temos uma uniformidade de comportamento das águas ao longo da costa, com descidas e subidas a níveis similares, já no que diz respeito à movimentação de fluidos existem assimetrias entre zonas interiores, e pontas de rocha avançadas. As baías são, por definição, zonas com menor incidência de correntes, de turbulência.
Isso não as torna nem mais nem menos importantes para a nossa fauna, apenas diferentes. Há uma imensidão de seres vivos que não poderia viver em zonas de água muito agitada, por não estarem minimamente adaptados a isso.
Da mesma forma que o inverso também é uma verdade incontestável, há muitos que não poderiam viver em zonas de mar calmo.
O que hoje vamos ver é que tipo de flora e fauna habitam as nossas reentrâncias mais abrigadas, e de que forma a orografia pode influenciar a vida daqueles que as habitam.
Zonas interiores são pouco propícias à criação de alguns tipos de moluscos e bivalves apreciados pelos nossos peixes que habitualmente mariscam. Falamos de perceves, de mexilhões, de cracas, de lapas, etc. Aparentemente as condições são idênticas, mar é mar, mas há locais em que sim, e outros em que não. Os bivalves necessitam de águas com bastante dinamismo para poderem sobreviver. A sua alimentação, e até a respiração, dependem directamente da quantidade de água que conseguem filtrar. A água entra-lhes na cavidade paleal e inunda as brânquias, que retêm o fitoplâncton, zooplâncton bem como outros minúsculos microrganismos e partículas existentes em suspensão. É através da circulação intensiva de água que conseguem respirar e alimentar-se. Mas se tratamos de águas quase paradas, esse efeito de filtragem fica prejudicado. Não há passagem de água e consequentemente de alimentos e oxigénio, e por isso as condições de vida em baía abrigada são muito difíceis ou impossíveis. Passando por cima de condições ambientais que interessariam a esta equação, como a temperatura das águas (ligeiramente mais alta nas baías), a quantidade de luz disponível, e sobretudo a taxa de oxigénio dissolvido na água, (muito superior em zonas de turbulência), ainda assim há toda uma exigência de líquidos em movimento, transportadores de partículas, a qual, ao não se verificar, não promove a fixação e reprodução nesses locais.
Em Portugal, temos efectivamente excelentes condições para a existência de bivalves, gastrópodes, etc. Porque temos águas a variar entre os 10 e os 22ºC.
Se querem ir um pouco mais fundo neste assunto, então temos que a uma temperatura superior, o metabolismo de um bivalve torna-se mais intenso, mais eficaz. Aumenta o movimento ciliar e com isso a quantidade de água processada e o próprio ritmo respiratório.
A quantidade máxima de água bombeada por um bivalve ocorre com a água por volta dos 20ºC a 30ºC, sendo a actividade das branquias bastante reduzida ou insignificante a temperaturas de água entre os 3ºC e os 8ºC.
Por outras palavras, ficam inertes, quase vegetativos, com águas geladas. Estes dados explicam-nos que o bivalve aumenta o seu metabolismo, alimenta-se mais, respira mais intensamente e reproduz-se melhor num intervalo óptimo de temperatura, por sinal coincidente com o nosso clima. Temos as condições ambientais, mas nem todos os locais lhes servem. É muito mais provável encontrar uma pinhoca de perceves numa ponta rochosa que numa baía. E isso já nos dá uma resposta de onde é que podem estar os peixes que queremos pescar! De alguma forma, o hidrodinamismo dos líquidos modela a variedade de mariscos existentes na costa, e estes, por sua vez, a existência massiva daqueles que se alimentam deste tipo de seres vivos.
Se procuramos sargos e douradas, pois eles estão nas águas agitadas, vivas, na rebentação, porque é maioritariamente aí que está a sua comida.
Se alguma vida existe agarrada a estas paredes, estará na ponta e não na sua zona mais recuada. |
Este fundo coberto de algas não poderia existir numa zona de turbulência. |
A vegetação dos espaços parados pode crescer sem problemas. Numa zona de rebentação, não poderia existir. |
Um bom exemplo de planta que somente ocorre em zonas de águas paradas. |
Para os peixes vegetarianos, como este cardume de salemas, um espaço de águas mortas significa comida em abundância. |
Por vezes pode haver mesmo alguns sargos misturados com salemas, mas não pelas algas. |
Seguramente que não muito longe haverá uma zona com rocha alta onde estes peixes se irão alimentar. Este cardume está aqui numa altura de maré vazia, descansando das suas correrias, aproveitando para tentar encontrar algum camarão distraído. O sargo adulto não é peixe que se contente com …”ervinhas”….fazem-no sim quando são juvenis, e aí, algas, moluscos, hidrozoários, poliquetas, tudo lhes convém.
Mas quando atinge o estado adulto, são os equinodermes, moluscos, crustáceos, …e mesmo alguns peixes de tamanho micro. Algas….não.
Amanhã vamos ver o outro lado da costa, as zonas agrestes, expostas, onde o mar bate e onde há comida a sério!
Vítor Ganchinho